1.11.07

Ensaios de engenharia especulativa

O caso McCann demonstrou que alguém com uma agenda bem definida e uma razoável capacidade financeira consegue fazer o que quer da imprensa portuguesa durante meses a fio.

O estranho caso do novo aeroporto de Lisboa vem reforçar essa impressão.

Durante os últimos dias assistimos à aceitação acrítica pelos principais jornais das alegações mirabolantes postas a circular pelos defensores da opção Alcochete.

Coube desta vez ao Diário Notícias o papel mais ridículo, ao anunciar em manchete que a hipótese Alcochete custaria menos 3 mil milhões de euros do que a alternativa OTA. Um verdadeiro milagre bíblico, visto que, estando o custo total da OTA estimado em 3 mil milhões de euros, isso significa que Alcochete seria absolutamente grátis!

Para não ficar atrás do seu tonto rival, é hoje a vez do Público assumir como boas as contas do estudo promovido pela CIP. Desta vez, porém, a economia na construção do aeroporto já não seria de 3 mil milhões, mas apenas de mil milhões. Aparentemente, estariamos a melhorar.

E como se consegue então essa redução de custos? Ora bem, cortando na movimentação de terras e nas expropriações que a OTA implicaria.

Mas há mais. Segundo o prodigioso Professor Doutor Engenheiro José Manuel Viegas - caso não saibam a mente brilhante por detrás dos milhões de toneladas de betão que nas últimas duas décadas submergiram o país de Norte a Sul, sem esquecer as Ilhas - seria ainda possível evitar construir a ponte Chelas-Barreiro (menos 800 milhões de euros) e a linha de TGV para a OTA (menos mil milhões de euros).

De maneira que, afinal, tendo em conta os custos da acessibilidade, os técnicos contratados pela CIP conseguiriam mesmo poupanças próximas dos 3 mil milhões de euros. Para além disso, Viegas duvida que a OTA pudesse estar construída em 2017 (inclina-se mais para 2019), mas garante que Alcochete estaria pronta em 2017.

Assaltam-me de imediato algumas dúvidas, que visivelmente não ocorreram aos jornalistas do Público:

1. Por que é que Viegas não contabiliza como custos de Alcochete as compensações a atribuir à Força Aérea como contrapartida pela cedência do espaço que actualmente ocupa. Não sabe? Pois é, nem eu sei, e provavelmente ninguém saberá. Mas não é sério fingir que não existem ou que serão desprezíveis. Ao contrário do que presumem os partidários de Alcochete, os terrenos têm dono e têm um preço.

2. A que propósito é que os custos da ponte Chelas-Barreiro devem ser imputados à OTA? Aparentemente, trata-se apenas de uma artimanha para inflacionar os custos dessa alternativa e fazer esquecer que a opção Alcochete, essa sim, implica investimentos em novas travessias do Tejo.

3. Por que é que Viegas se permite atribuir integralmente os custos do TGV à OTA, se eles são uma parte do investimento de ligação de Lisboa ao Porto através da alta velocidade?

4. Como é que Viegas sabe quanto vão custar os trabalhos de preparação dos terrenos de Alcochete se, ao contrário do que se passa na OTA, não existe ainda nenhum estudo de pormenor do local?

5. Como é que Viegas sabe quanto vão custar as novas travessias do Tejo, se não só não existe nenhum projecto detalhado para elas, como ainda o acordo assinado entre o Estado e a Lusoponte o obriga a adjudicar a obra sem concurso público a essa empresa?

6. Finalmente, como é Viegas pode estar tão certo de que Alcochete estará pronto sem falta em 2017, se não existe ainda qualquer projecto específico para o aeroporto que propõe.

Deixo ainda de parte outras questões pertinentes, como seja a de a passagem do TGV Lisboa-Porto por Alcochete implicar um acréscimo mínimo de 15 minutos na deslocação de alta velocidade entre as duas cidades.

De tudo isto, duas conclusões me parecem evidentes:

1. Os autores do estudo com conclusão encomendada somam arbitrariamente custos à opção OTA para a encarecerem desproporcionadamente.

2. Comparam estimativas sólidas baseadas em estudos de pormenor (no caso da OTA) com meras especulações insuficientemente fundamentadas (no caso de Alcochete)

3. Adiantam estimativas inteiramente fantasiadas sobre custos de travessias do Tejo para as quais não existe qualquer projecto de engenharia

Em conclusão, o Professor Doutor Engenheiro José Manuel Viegas revela-se, mais uma vez, um ás em engenharia especulativa, uma especialidade que, por ter tanta aceitação entre nós, é responsável por inúmeros desastres urbanísticos, ambientais e financeiros.

Decididamente, fica muito caro ao país ter uma imprensa sem sentido crítico que aceita como bons os argumentos mais estrambólicos que lhes são postos nas mãos.

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