28.9.04
No desaniversário de Isaiah Berlin
O que mais me agrada em Isaiah Berlin é o que de mais convencionalmente judeu há nele, ou seja, aquelas mesmas qualidades que tanto desagradam aos anti-semitas: a incapacidade de se sentir completamente em casa em qualquer lugar ou doutrina particular e, por decorrência, a crença na importância da pluralidade dos valores e a recusa a reduzir a vida intelectual e moral a rígidos esquemas abstractos.
Berlin gostava de dizer que se sentia uma espécie de taxista: incapaz de se decidir por tomar um rumo bem definido enquanto não aparecesse alguém que lhe dissesse: «Leve-me a tal sítio» ou «Siga aquele carro».
As suas tentativas de produzir um pensamento filosófico coerente não me impressionam. Tampouco encontro grande valor na distinção que propôs no seu Essay on Liberty entre liberdade negativa e liberdade positiva. Não recomendo a ninguém que siga em detalhe a intrincada argumentação com que tentou fundamentar a sua tese, porque é tempo perdido.
Ao que dizem, Berlin foi um notável orador, tanto pela sua presença física como pela sua capacidade de apresentar um assunto sob diversos e inesperados ângulos. Muitos dos seus escritos traem uma origem oral, o que, embora lhes confira um tom informal e despretensioso, nem sempre é um mérito. No seu ensaio sobre Maquiavel, por exemplo, as contínuas repetições da ideia essencial segundo a qual o florentino seria um proponente convicto de uma ética pagã em confronto aberto com a convencional ética cristã acabam por se tornar maçadoras para quem o lê.
Tampouco vejo Berlin como um grande historiador de ideias, na medida em que, fixando-se demasiado em determinadas personalidades chave, e atribuindo uma importância excessiva à sua contribuição individual, ele parece incapaz de seguir o fio de uma ideia, desde o seu surgimento até à sua decadência, passando pelas suas diversas fases de desenvolvimento, saltando de cabeça em cabeça e de escola em escola.
Berlin é talvez mais interessante quando revela a importância de pensadores relativamente (e talvez injustamente) desconhecidos como Vico, Hamman ou de Maistre e nos mostra o modo subtil como eles anteciparam formas de pensamento que lograram influenciar o curso da história contemporânea.
Li recentemente que Berlin teria talvez sido um personagem menor se não fossem três ocorrências decisivas na sua vida: o seu envolvimento com a fundação do Estado de Israel; o seu trabalho diplomático tendo em vista persuadir os americanos a entrarem na Guerra ao lado da Grã-Bretanha; e, finalmente, a ligação que estabeleceu com os intelectuais russos após 1945, num momento particularmente negro da repressão estalinista.
Eis, pois, mais um homem infinitamente superior à obra escrita que nos deixou.
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