Tenho assistido, entre o perplexo e o divertido, à interminável saga da colocação dos professores. Repartir o stock de professores disponíveis pelas escolas é aparentemente tão difícil para a nossa nação valente e imortal como para a Agência Espacial Europeia colocar uma sonda em Marte.
E qual é a raiz do problema? - Pois, ao que parece, o programa do computador não funciona em condições.
É possível que sim. Mas eu, com base na minha experiência pessoal em situações de algum modo semelhantes, atrevo-me a conjecturar outra hipótese.
Ao que parece, o Ministério da Educação lançou um concurso, e várias empresas terão concorrido para fornecer o software pretendido. Ao analisar o caderno de encargos, suponhamos que uma das empresas concorrentes detectou vários erros ou imprecisões nas especificações. Além disso, pareceu-lhe que a complexidade das regras de colocação dos professores era de tal ordem, e as excepções e casos particulares tão numerosos, que o mais natural seria que, no decurso do trabalho, se viessem a descobrir situações de incompatibilidade lógica. Para piorar ainda mais coisas, o prazo proposto era extremamente restrito, não deixando tempo para a realização dos necessários testes.
Muito respeitosamente, chamou a atenção ao funcionário competente para estes problemas e pediu que eles fossem esclarecidos. A resposta poderia ter sido qualquer coisa deste género: «Meus caros amigos, se querem concorrer, apresentem a vossa proposta. Se não querem, saiam da fila, que não falta quem esteja disposto a fazer o trabalho».
Imaginemos ainda que o responsável máximo dessa empresa ponderou seriamente não concorrer. Mas depois pôs-se a pensar que todos os meses tinha que assegurar o salário de umas dezenas de pessoas, as quais por sua vez tinham mais uns quantos bicos para alimentar lá em casa. Depois de consultados os seus mais próximos colaboradores, decidiu correr o risco.
A empresa concorreu - e, para sua desgraça ganhou.
O pior foi depois. As piores suspeitas realizaram-se: à medida que o trabalho avançava, confirmava-se que as tolas regras inventadas por cabeças delirantes se contradiziam mutuamente em múltiplas situações. Os computadores não são tão inteligentes como as pessoas, mas, ao contrário dos burocratas, não toleram falhas de lógica.
Agora chegámos a esta situação de escândalo nacional e, já se sabe, há uma empresa que está lixada. Os jornais de hoje anunciam que a senhora ministra tenciona processá-la criminalmente. Leram bem: criminalmente. Desconfio que não deve ter sido nenhuma multinaciomal poderosa.
É claro que o que escrevi é apenas uma suposição, mas uma suposição baseada em situações que já presenciei de perto. Agora, pergunta-se, porque é que a administração pública se comporta de uma forma tão estúpida. É claro que há lá imensa gente capaz que poderia ter tratado do caso com outra competência, mas esses não estão envolvidos nestes processos. Ao leme estão, sim, os yes-man que prometem ao ministro coisas que uns e outro, na sua santa ignorância, não sabem ser impossíveis. No final, safam-se nas calmas atribuindo a culpa ao programa informático. Caso encerrado. E passam ao seguinte.
É claro que, para além de tudo isto, a questão de fundo reside nessa ideia peregrina de centralizar num departamento da 5 de Outubro a tarefa de alocar professores a escolas. Porque não hão-de as próprias escolas tratar disso, como se faz em todo o mundo? É claro que essa alternativa colocaria outros problemas, como por exemplo o risco do compadrio na contratação de docentes, mas isso resolve-se responsabilizando as escolas pelo seu desempenho.
Estranho, muito estranho mesmo, é não haver aparentemente um único partido que defenda publicamente esta solução. É isto a excepcionalidade portuguesa.
18.9.04
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