22.2.07

Desmontar Vasco Pulido Valente é mais fácil que roubar chuchas a meninos

Esta entrevista (ver post anterior) comprova que o pior castigo que se pode dar a Pulido Valente é obrigá-lo a falar durante uma hora sobre um qualquer assunto. O primeiro terço é, como sempre, brilhante, mas a partir daí o discurso vai-se tornando progressivamente mais trapalhão.

Vasco começa por explicar que gosta de Portugal e dos portugueses. Não em abstracto, entenda-se, mas em concreto. Em abstracto só não grama mesmo os franceses.

A dada altura, chega a ameaçar-nos falar durante 2 horas sobre Os Maias, o que não se compreende, porque toda a sua vida de autor não passa precisamente de uma longa glosa a esse livro.

Tudo isto para chegar rapidamente ao seu tema favorito, ou seja, o de Portugal como país falhado - um estranho falhanço, convenhamos, que dura vai para novecentos anos.

E falhado, porquê? Ora, porque não encaixa no conceito de Vasco sobre o que o país deveria ser. Desde logo, um falhanço porque não produziu uma única ideia própria, nem na política nem na cultura. E exemplifica: pode-se conceber Flaubert sem Eça, mas não Eça sem Flaubert.

E Pessoa, não tinha ideias próprias, na limitada medida em que essa expressão faz algum sentido? E Fielding, faria sentido sem Cervantes? E Liszt, faria sentido sem Beethoven? E Picasso, faria sentido sem Cézanne? E Wittgenstein, faria sentido sem Russell?

O que não fez sentido, na verdade, é imaginar-se que a cultura de um país pequeno como Portugal (ou a Holanda, ou a Dinamarca, ou a Checoslováquia) alguma vez poderia deixar de ser tributária das culturas dos restantes países europeus.

Se quisermos um exemplo de uma cultura que se bastasse a si própria, não a encontrariamos sequer na França, na Inglaterra ou na Alemanha, mas talvez na China, e, mesmo assim, só até ao século XIX e com os resultados deploráveis que se conhecem.

De modo que, de asneira em asneira, chegamos, a propósito de política cultural, à patética discussão sobre as especificidades do cinema e do teatro em relação às outras artes. Vasco é taxativo: o que torna tão risível o resultado da subsidiação do cinema e do teatro é a falta de critérios exclusivamente técnicos (semelhantes aos que existem na música) que permitam distinguir um trabalho artístico profissional de uma brincadeira irresponsável de amadores.

Como tantas vezes sucede, ele não tem a mínima do que está a falar. Para o comprovar, nem é preciso invocar a peça 4’ e 33'' do John Cage. Bastaria perguntar que espécie de critérios técnicos permitem asseverar que Ascension, de John Coltrane é música competente. Naturalemente, Vasco ignora que ainda hoje, tantos anos passados, se discute se Schumann sabia ou não orquestrar, se Bruckner era ou não capaz de conceber uma verdadeira melodia ou se Boulez tem ou não alguma coisa a ver com música.

Onde estarão, então, os standards rigorosos da música que ele invoca? É claro que ninguém é obrigado a ter sensibilidade artística, mas ao menos o nosso bonzo escusava de dar-se ares de entendido.

Como se vê, condenado a falar mais do que 5 minutos de enfiada, o discurso de VPV enreda-se num novelo de contradições que praticamente se desmontam a si próprias. Ele é incapaz de articular ideias num todo coerente: obrigado a explicar-se em detalhe, espalha-se ao comprido.

Mas não se pense que ele é um ciníco sem ambiçoes. Não, ele tem uma ideia grandiosa para o nosso país, e é com ela que conclui a entrevista.

Segundo ele, deveríamos limitar-nos a tentar organizar Portugal de uma maneira que seja compatível com a Europa. Não se trata nem de modernização, nem de desenvolvimento - apenas de compatiblidade. Vendo bem, nada impede Portugal de a longo prazo ser um país pobre numa Europa rica. Nada o impede de se acomodar na cauda da Europa. Nós podemos perfeitamente viver aqui pobremente e infinitamente.

E, com este projecto mobilizador, dá por findo o sermão.

Eis o retrato fiel de um homem sem outra fantasia para além dele próprio.

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