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Quando Aníbal invadiu a península itálica e impôs uma série
de derrotas humilhantes às legiões romanas, Fabius Maximus foi designado
ditador com poderes ilimitados para assegurar a salvação da pátria.
Mas Fabius optou pela estratégia impopular de evitar o
confronto directo com o inimigo, preferindo segui-lo à distância,
dificultar-lhe os abastecimentos e as comunicações e atacá-lo apenas em
pequenos recontros de cada vez que uma parte das suas forças se deixava isolar.
Isso valeu-lhe a alcunha de “Cuntactor” (contemporizador) e motivou não poucos
conflitos com oficiais que, embora nominalmente sob as ordens, optaram, sempre
com resultados trágicos (mormente na batalha de Canas), por desobedecer-lhe.
No final, porém, a estratégia de defesa activa de Fabius
acabou por obrigar o enfraquecido e desmoralizado exército de Aníbal a retirar
para o Norte de África.
Uns dois mil anos depois, os generais Barclay de Tolly,
primeiro, e Kutuzov, depois, repetiram com êxito o estratagema de Fabius
perante o exército napoleónico que, no Verão de 1812, atravessou o rio Nieman e
avançou sobre Moscovo. Aplicando uma política de terra queimada, o exército
russo recuou continuamente à frente de Napoleão, frustrado por não lograr uma
batalha decisiva e obrigado a caminhar por um território deserto abandonado
pelas populações, tornando muito difícil o dia a dia dos seus 285 mil homens.
Quando a Grande Armée se encontrava já consideravelmente enfraquecida,
Kutuzov aceitou travar batalha em Borodino. Após um resultado inconclusivo, o
exército russo continuou a retirar, abandonando inclusive Moscovo ao invasor. O
caos que se seguiu obrigou à retirada precipitada de Napoleão em pleno Inverno,
sendo o seu exército metodicamente dizimado e perseguido até Paris.
Já no século XX, Mao teorizou os princípios da defensiva
estratégica nos seus escritos militares. Tanto na guerra contra o Kuomintang
como, poucos anos depois, na guerra contra a invasão japonesa, foi forçado a
reconhecer que a fragilidade dos seus efectivos, a insuficiência do seu
equipamento e a vulnerabilidade da sua posição o impediam de bater-se
frontalmente contra o inimigo. Nessas condições, inspirou-se em Sun Tzu para
caracterizar a estratégia mais indicada: “O inimigo ataca, nós recuamos; o
inimigo pára, nós flagelamo-lo; o inimigo cansa-se, nós atacamos; o inimigo
cansa-se, nós perseguimo-lo.”
Portugal encontra-se numa situação de grande fragilidade
política e financeira perante os seus principais parceiros internacionais.
Aderiu ingenuamente a uma zona monetária mal concebida que, em vez de o
proteger perante as tempestades internacionais, o condena a ainda maiores
penas. Não estava nem está ainda em condições de recusar liminarmente as
condições do resgate que foi forçado a pedir em 2011. Nenhum dos seus mais
importantes parceiros europeus está disponível para defender uma solução
diferente. A narrativa moralista e punitiva da Alemanha é todos os dias imposta
sem contraditório. Extravasando as suas competências, o BCE permite-se ditar
opções políticas aos países membros. Os países em dificuldades têm relutância
em assumir posições comuns. Finalmente, a opinião pública europeia permanece em
larga medida alheada destes problemas, em parte por sentir que a sua voz não
conta.
Manifestamente, Portugal não dispõe de grandes trunfos neste
confronto com forças incomparavelmente mais poderosas. Significará isto que não
há nada a fazer?
Sustento que a alternativa é entre a capitulação e a
resistência. A teoria e a prática da capitulação é ilustrada na perfeição pelo
comportamento do governo português nos últimos dois anos. A total identidade de
pontos de vista entre Vítor Gaspar e a troika assegura que a receita definida
em conjunto pela UE, pelo BCE e pelo FMI é aqui aplicada na sua versão mais
extrema. “Ir além da troika” significa, na prática, que as condições impostas a
Portugal são mais graves do que as aplicadas à Grécia, à Irlanda, à Espanha, à
Itália ou a Chipre. Não pode haver negociação pela simples razão de que o
ministro das finanças português partilha por inteiro as concepções da troika.
Poderia ser diferente? Note-se, primeiro, que, com excepção
de Portugal, nenhum – repito: nenhum – dos países sob assistência fez tudo
aquilo que a troika lhe mandou fazer. A Irlanda, por exemplo, frequentemente
apresentada como um caso exemplar, não só não procedeu à privatização do seu
sector eléctrico, como nem sequer separou a produção da distribuição – medidas explicitamente
exigidas no respectivo memorando de entendimento.
Depois, os governos desses países não se coíbem de criticar
publicamente a concepção dos programas implantados pela troika e de exigir
melhores condições. Inversamente, Gaspar critica em voz alta como irrealistas as
iniciativas da Irlanda que poderiam também beneficiar-nos a nós.
Finalmente, tanto a Espanha como a Itália se uniram internamente
para impedir a declaração oficial de um resgate, camuflando-o sob vestes que,
sendo em parte formais, não deixam de ser menos humilhantes e atentatórias dos
direitos dos seus povos.
Em resumo, apesar das condições de debilidade prevalecentes,
é possível fazer-se muito mais e melhor – desde que se queira.
Por outro lado, Portugal tem algumas cartas que pode e deve
jogar. Sendo membro do Conselho de Segurança da ONU, o seu voto tem relevância
para a UE; porém, no caso da admissão da Palestina na UNESCO, o país
submeteu-se prontamente à vontade dos alemães sem obter nada em troco. Algo semelhante
se passa na NATO: apesar de traído pelos seus aliados, Portugal continua a
despender recursos escassos com a sua presença militar no Afeganistão e na
Bósnia, quando poderia legitimamente retirar-se invocando as dificuldades
financeiras criadas pela teimosia da troika. Chama-se a isto fazer política
internacional, algo que Paulo Portas deve achar muito cansativo.
Apesar de a situação permanecer desfavorável, é indiscutível
que tendeu a melhorar no último ano, principalmente porque a política de
austeridade favorecida pela Alemanha e pelo Partido Popular Europeu se encontra
cada vez mais descredibilizada, dado que não só a saída da crise foi adiada,
como a UE voltou a entrar em recessão a partir de meados de 2012.
Cada vez mais vozes autorizadas – incluindo as de Olivier
Blanchard e Paul de Grawe – criticam a punição sem sentido a que Portugal está
a ser submetido e demonstram que, se não ocorrerem modificações de fundo na
atitude da UE, a estagnação e o desemprego não têm fim à vista. Além disso,
aumentando os riscos de catástrofe em grandes economias europeias e de contágio
a cada vez mais países, incluindo alguns do centro, até Christine Lagarde,
Durão Barroso e Mario Draghi procuram distanciar-se de Angela Merkel.
Por outras palavras, a causa da troika perde adeptos na
mesma medida em que a nossa ganha apoios. Pode-se legitimamente esperar que o
tempo jogue a nosso favor.
Entretanto, a estratégia adequada à nossa presente
circunstância continua a ser a defensiva estratégica, ou seja: recuar quando o
inimigo avança; conspirar quando se detém; moer-lhe o juízo quando procura
descansar; desacreditá-lo quando comete erros ridículos; persegui-lo quando se
mostra desorientado; exigir a renegociação quando se torna evidente para todos que
não sabe o que anda a fazer. Um dia, com muita persistência, chegará finalmente
a hora de passar à ofensiva estratégica.
Tudo isto exige, porém, como condição prévia, um povo unido
em torno de uma ideia do que tem direito a exigir, a começar pelo respeito pela
sua vontade livremente expressa através do voto.
Fim da segunda lição sobre como fazer face à troika.
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