6.4.08

Alguns suspeitos são mais iguais do que outros



Jorge Coelho congratulou-se na última Quadratura do Círculo com o processo aberto pela Liga ao FC Porto e a Pinto da Costa por alegada corrupção desportiva, visto que, a seu ver, é indispensável pôr termo ao "clima de suspeição" que rodeia o futebol português.

Coelho presume evidentemente que Pinto da Costa será condenado. De outro modo, como poderia desaparecer a tal suspeição?

Na mesma ocasião, aliás, Coelho repetiu uma lamentação que já ouvi repetidas vezes a outros comentadores, a saber que apesar dos fumos de corrupção no futebol, nunca ninguém foi preso.

Trata-se de um estranho lapso de memória: um Presidente do Benfica foi preso e outro, esse do Sporting, só não o foi porque fugiu para Angola. Sejamos claros: o que inquieta essas pessoas não é a impunidade do crime no futebol, mas a impunidade de Pinto da Costa em concreto.

A alegada suspeição tem, pois, um alvo específico bem personalizado - Pinto da Costa - e uma motivação indisfarçável - os êxitos desportivos nacionais e internacionais do clube a que preside.

Imaginemos, então, que a bête noire dos clubes da capital era finalmente condenada na sequência dos actuais processos. Morreria assim a suspeição? Se isso sucedesse, estaríamos perante uma desgraça de proporções dificilmente imagináveis, a mais terrível catástrofe que poderia atingir o futebol português. Que seria do Benfica e do Sporting sem suspeição? Que fogo alimentaria nessas circunstâncias o amor clubista dos seus adeptos? Como poderiam continuar a vibrar pelos seus clubes? Que motivação restaria para continuarem a deslocar-se aos estádios? A bem dizer, nenhuma.

A verdade, porém, é que nenhuma condenação porá cobro à suspeição no futebol. Como o ciúme de Otelo, ela não tem a sua origem na realidade, mas no distúrbio mental do paciente.

O que mais me surpreendeu, porém, foi que a exaltação irracional das virtudes da suspeição estivesse esta semana a cargo de Jorge Coelho, o homem que acaba de ser nomeado para a presidência da Mota-Engil, uma das principais empresas nacionais de construção e obras públicas. Como seria de esperar, a suspeição da opinião pública abateu-se imediatamente sobre Coelho, especialmente depois de certos jornais nos terem recordado que, na qualidade de Ministro das Obras Públicas, ele fechou múltiplos negócios com a mesma empresa que agora o acolheu.

Imaginemos então que o Ministério Público decidia abrir uma investigação sobre a possível relação entre, por um lado, os contratos firmados no passado entre Coelho a Mota-Engil, e, por outro lado, a sua ascensão à presidência da mesma empresa.

Aplaudiria Jorge Coelho a iniciativa, tendo em conta o seu mérito no que toca à necessidade de se pôr termo à suspeição sobre relações perversas entre políticos e empresas de construção? Francamente, não me parece.

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