31.1.10

Credores e devedores na zona euro

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Wolfgang Munchau recorda, no Financial Times de ontem, um ponto em que tenho insistido muito aqui: a correcção dos desequilíbrios no seio da zona euro deve envolver tanto a redução dos défices como a dos superavites excessivos e sistemáticos:
"The second essential prerequisite for survival is a reduction in internal imbalances, which lie at the core of the current crisis. This is an issue that requires action both in countries with large current account deficits, such as Greece and Spain, and in those with large surpluses such as Germany. While Spain, for example, would need to reform its labour market to bring about adjustments in real wages, Germany should implement policies to stimulate consumption, including a long-overdue income tax reform. The build-up of these imbalances is the underlying reason why the Greek problem got out of hand."
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30.1.10

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Boas e más notícias da Grécia

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Parece cada vez mais evidente que a União Europeia está decidida a sair em socorro da Grécia se isso se revelar mesmo necessário, faltando apenas saber como. O que tem que ser tem muita força.

Razão para ficarmos todos felizes, certo? Errado.

Reconheço que fazer-se qualquer coisa é melhor que nada. Ainda assim, o tipo de intervenção que se prepara não só não resolve o problema de fundo como cria um novo.

O problema novo é o incentivo implícito a que os países que integram o euro se marimbem no PEC, porque, em última instância, haverá sempre uma tábua de salvação.

O problema velho e de fundo é que não é possível construir-se uma união monetária sadia sem instituições dotadas de instrumentos capazes de ajudarem países afectadas por choques económicos assimétricos.

Não basta chamar os bombeiros, precisamos de uma política assumida, consertada e consistente de prevenção de fogos.
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28.1.10

Big deal

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27.1.10

E tu, quanto recebes para andares a lançar atoardas?

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Os vigaristas que forraram os cinco continentes com hipotecas subprime inventaram novas maneiras de nos roubar dinheiro.

Façam as contas: 1% de 5 mil milhões de euros (valor das obrigações colocadas na 2ª feira no mercado pela Grécia) são 50 milhões de euros. Ou então, para não parecermos demasiado gananciosos, 0,1% de 5 mil milhões de euros são 5 milhões de dólares.

Isto chega e sobra para pagar muito comentário alarmista, se calhar aos mesmos que, apenas há dois anos, gabando o milagre da inovação financeira, incitavam os inocentes a investirem as suas poupanças nas aplicações mais estapafúrdias.
PS: Se não recebes, também estás a ser enganado.
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Irresponsáveis ao volante, perigo constante

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Jornal de Negócios online de hoje:

"No caso da Grécia, o Conselho de Ministros das Finanças [Ecofin] concorda que o país não tomou medidas suficientes para corrigir o défice em 2010, tal como acordado no início de 2009. A Comissão vai propor acelerar o processo, com uma recomendação [ao país], tal como foi assinalado recentemente pelo comissário Almunia".

Na sequência destas infelizes declarações, aumentou imediatamente o preço do seguro contra o risco associado à dívida pública de todos os países da zona euro e registaram-se perdas generalizadas nas bolsas europeias e norte-americanas.

Obviamente, o Conselho dos Ministros das Finanças não só não reconhece a gravidade do risco sistémico associado à Grécia como entende adequado espalhar gasolina em cima do fogo.

É triste que quem deveria fazer qualquer coisa para resolver o problema contribua afinal para agravá-lo com afirmações insensatas.
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26.1.10

Afinal, toda a gente quer emprestar dinheiro à Grécia

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Os investidores internacionais tentaram ontem aplicar 20 mil milhões de euros em obrigações do Estado grego, um valor quatro vezes maior do que a oferta.

Possíveis conclusões:

1. Com esta desproporção entre oferta e procura, é evidente que os gregos poderiam ter angariado a mesma quantia pagando uma taxa de juro consideravalmente mais baixa.

2. As notícias alarmistas que correram nos últimos dias na imprensa internacional pressionaram o Estado grego no sentido de oferecer juros mais atraentes - o que, como agora se viu, não era preciso.

3. Percebe-se que quem compra obrigações em grandes quantidades tenha interesse em alimentar a especulação contra estados soberanos.

4. As agências de rating e os media que contribuem para a criação de um estado de alarme tornam-se suspeitos de cumplicidade com esses movimentos especulativos.

Pensem nisto.
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21.1.10

Os trabalhos de Obama

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A América está em muito pior situação do que os americanos imaginam. É esse o fulcro do problema.

Instalou-se a crença de que, embora a crise actual seja um pouco mais aguda do que o costume, a recuperação não tarda aí.

Não é verdade: tudo indica que a América e o Mundo estagnarão nos próximos anos com desemprego elevado e persistente.

A América não pode continuar a tolerar a política económica irresponsável da China, mas também não pode prescindir da poupança que os chineses continuam a canalizar para a dívida pública e privada americana. É aguentar de cara alegre.

Obama será o bode expiatório desta desesperada circunstância, tão cruel para o tradicional optimismo dos americanos. A esperança irracional de tudo transformar com uma simples ida às urnas que facilitou a sua eleição transmuta-se agora em recriminações não menos irracionais.

Há limites para aquilo que mesmo o melhor dos homens pode fazer.
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20.1.10

O naufrágio da direita liberal

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Nas últimas décadas fomos brindados com uma direita moderna, que se considera culta porque frequenta a cinemateca e lê revistas americanas.

Tal como outras antes dela, esta geração encontra muitos defeitos no país, segundo ela afectado por graves maleitas desde tempos imemoriais.

Foi assim que esses jovens, entretanto amadurecidos e entrados na vida activa, vieram anunciar-nos a boa nova da regeneração da grei pela liberdade individual que no passado não soubemos merecer, emancipando-nos de vez das grilhetas de um Estado que nos tutela e amarfanha.

Tudo muito bem, até um dia. Mais precisamente, até ao dia em que saltaram para a agenda política temas que, precisamente, têm antes de mais que ver com a defesa dos direitos do indivíduo perante preconceitos culturais apoiados em leis abusivas ou discriminatórias.

Estou a falar, como se adivinha, de coisas como a interrupção voluntária da gravidez e o casamento entre pessoas do mesmo sexo, teste que a direita liberal falhou redondamente.

Como se isso não bastasse, porém, as prédicas cuidadosamente traduzidas da cartilha entraram também em choque - de modo para mim surpreendente - com os princípios do Estado de Direito que qualquer liberal preza.

Ficámos assim a saber que a protecção da esfera privada, o ónus da prova de quem acusa, a limitação da actuação das polícias e a defesa do bom nome não os aquece nem arrefece. Do que eles gostam mesmo é de escutas e impunes campanhas de calúnias, de preferência transmitidas em programas de larga audiência para gáudio do povinho. Muito, muito estranho.

A nossa direita liberal deixou arranjou um emprego jeitoso, constituíu família, habituou-se a ir à missa e deixou crescer barriga.

Precocemente envelhecida, podemos constatar que a única liberdade que de verdade a mobiliza é a da raposa à solta no galinheiro, ou seja, aquela peculiar forma de liberdade que aumenta o poder daqueles que já o têm para mais à vontade poderem espezinhar os que dele carecem.

Em resumo, estes pândegos são de facto muito de direita mas nunca por nunca liberais. Houve e há notáveis excepções, eu sei, mas quantitativamente tão insignificantes que chega a ser um preciosismo mencioná-las.

A esses, eu atrever-me-ei a sugerir que tirem lições do sucedido e procurem melhores companhias.
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18.1.10

Keynes morto ou vivo

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Robert Skidelsky (foto acima), o mais proeminente biógrafo de Keynes, considera a economia uma ciência em regressão.

O seu último livro - Keynes: The Return of the Master - desenvolve longamente essa tese, mostrando como, ao longo dos últimos quarenta e tal anos, certas correntes de pensamento conservadoras se esforçaram por fazer retornar a teoria económica ao estado de quase absoluta esterilidade em que se encontrava antes da revolução keynesiana.

Skidelsky condena tanto os novos clássicos como os neo-keynesianos que apenas terão retido aspectos laterais e secundários das ideias de Keynes. Essa peculiar opinião resulta da importância que atribui às originais teses contidas no primeiro grande esforço teórico do maior economista do século vinte e que se encontra contido num livro hoje quase inteiramente esquecido: A Treatise on Probability.

Muito resumidamente, Keynes acreditava que o tipo de incerteza com que nos defrontamos na vida económica (por exemplo, quando alguém toma a decisão de fazer um determinado investimento) é radicalmente distinto do risco que pode ser objecto do cálculo probabilístico. Daí o seu cepticismo (que manteve até ao fim da vida) em relação à relevância da econometria para o progresso do conhecimento económico.

Ora, sustenta Skidelsky, se Keynes estava certo a este respeito, isso significa que a teoria económica dominante está errada, e esse extravio explica em boa medida a cegueira que, em 2000, colocou o mundo à beira do precipício.

Ao contrário do que frequentemente se diz, o desempenho económico mundial piorou progressivamente no que respeita a crescimento, desemprego e distribuição do rendimento à medida que o keynesianismo foi sendo abandonado. Apenas a inflação baixou, mas muito ligeiramente.

Superado o grande susto à custa de intervenções massivas dos estados suportadas pelos contribuintes, o establishment económico procura agora sair incólume do desastre fazendo-nos esquecer a gravidade do que se passou e sacudindo as responsabilidades que lhe cabem no sucedido ao propagar concepções económicas dogmáticas acerca da pretensa omnisciência dos mercados livres.

Skidelsky teme que se perca assim uma oportunidade única de retomarmos uma visão da economia mais sensata e, sobretudo, mais humana, e também de procedermos a uma reforma do sistema económico mundial que nos permita enfrentar com confiança os desafios do novo século.
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15.1.10

Quando há risco de explosão não se brinca com fósforos

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As empresas majestáticas (muitas delas reprivatizadas) são presentemente uma fonte de problemas adicionais para o país. Eis dois deles, não necessariamente os mais importantes:

1. Cobram preços abusivos pelos serviços que prestam, prejudicando os salários reais dos consumidores e comprimindo as margens das empresas que operam em mercados mais competitivos, designadamente os exteriores. Estou a falar de coisas fundamentais como a energia, as telecomunicações ou os serviços financeiros.

2. Como não detêm competências distintivas, só são capazes de investir em actividades e empresas pouco sujeitas à concorrência. Quando elas escasseiam cá dentro, vão pelo mundo fora à procura de negócios similares nos confins do Mundo. Entretanto, não só não investem no país, como retiram capacidade financeira às empresas que poderiam fazê-lo.

A existência de golden shares justifica-se, em princípio, pela necessidade de assegurar o interesse público influenciando as decisões de empresas de alcance estratégico para o país.

Na prática, vemos que isso não acontece. Talvez as golden shares sirvam para alguma coisa, mas ninguém quer explicar-nos o que é.

As golden shares asseguram, na verdade, a cumplicidade do Estado em relação aos interesses privadoS que deveria manter sob controlo.

Logo, ou elas são abolidas ou o Estado deve usar o poder formal de que dispõe para impedir situações absurdas como a exportação massiva de capitais numa situação de emergência nacional.
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14.1.10

A pergunta

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O país "não tem dinheiro", mas a EDP exporta anualmente fortunas.

Agora, acaba de anunciar um investimento de 4 mil milhões de euros na Escócia. Estamos a falar de valores próximos do custo do novo aeroporto de Lisboa.

Se a EDP fosse uma empresa puramente privada, poder-se-ia, quando muito, questionar o seu sentido de responsabilidade social.

Como o Estado detém lá uma "golden share", seria interessante saber o que pensa disto o Governo de Portugal. Fico a aguardar que alguma televisão ou jornal faça a pergunta.
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13.1.10

Más notícias para o pessimismo nacional

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"Fernando Pessoa e o euro" é o título do meu artigo de hoje no Jornal de Negócios.
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11.1.10

Caladinhos que nem ratos

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É muito estranho serem tão raras as vozes que, deste lado do Atlântico, saem a terreiro para admitir o óbvio:

"Back when the single currency was being contemplated, the fundamental concern of many economists on this side of the Atlantic was, how will Europe adjust to asymmetric shocks? Suppose that some members of the euro zone are hit much harder by a downturn than others, so that they have much higher-than-average unemployment; how will they adjust?

"In the United States, such shocks are cushioned by the existence of a federal government: the Social Security and Medicare checks keep being sent to Florida, even after the bubble bursts. And we adjust to a large degree with labor mobility: workers move in large numbers from depressed states to those that are doing better.

"Europe lacks both the centralized fiscal system and the high labor mobility. (Yes, some workers move, but not nearly on the US scale)."

Naturalmente, também concordo com a conclusão:

"Was the euro a mistake? There were benefits — but the costs are proving much higher than the optimists claimed. On balance, I still consider it the wrong move, but in a way that’s irrelevant: it happened, it’s not reversible, so Europe now has to find a way to make it work."

Sublinho: "Europe now has to find a way to make it work".
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Cheira-me que isto deve valer a pena

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8.1.10

O fantasma islandês

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O Icesave foi criado por um banco islandês para atrair investidores britânicos, holandeses e alemães prometendo-lhes remunerações sem risco de 6,5% ao ano, depois usadas para manobras especulativas.

Quando chegou a crise financeira, a Islândia afundou-se, os seus bancos faliram e o Estado ficou com o bébé nos braços.

A Islândia precisa de socorro urgenten da comunidade internacional, mas a Holanda e o Reino Unido, coadjuvados pela União Europeia, impedem-nos enquanto a Islândia não acordar a indemnização aos seus cidadãos prejudicados pela falência do banco proprietário do Icesave.

O conflito é juridicamente complexo, mas não custa entender o que está em jogo. Os pagamentos exigidos à Islândia ascendem a 60% do seu produto anual. Cada um dos 300 mil cidadãos islandeses - incluindo homens, mulheres e crianças - será responsável pelo pagamento aos investidores britânicos e holandeses de 15 mil euros mais juros, sem contar com a restante dívida que o país tem ao estrangeiro, e que deverá exceder 250% do produto.

Esta semana, o Presidente da Islândia recusou-se a promulgar o acordo aprovado pela margem mínima e convocou um referendo para arbitrar o assunto. O Reino Unido, a Holanda e a UE cairam-lhe logo em cima, lançando um ultimato à Islândia: ou aceitam pagar, ou boicotarão o planeado socorro do FMI.

Resumindo: um bando de especuladores arruinou a Islândia e, como se isso não bastasse, o seu povo é condenado à indigência pelo espaço de, pelo menos, uma geração.

Quem é responsável? Naturalmente, os líderes políticos que engendraram um sistema financeiro descontrolado e que assistiram passivamente às tropelias dos especuladores internacionais até ao dia em que já não havia nada a fazer.

A injusta punição que a Holanda e a Grã-Bretanha pretendem infligir ao pequeno povo islandês é um desavergonhado acto de pirataria moderna. As indemnizações exigidas são pura e simplesmente incomportáveis. Mesmo que aceites, não poderiam provavelmente ser pagas.

O drama islandês deve ser encarado como um teste à capacidade europeia para consertar a economia do Continente e preparar as condições para a saída da crise. Como pode alguém argumentar que a falência do Royal Bank of Scotland encerra um risco sistémico mas pretender ao mesmo tempo que ele não existe no caso da Islândia?

Nos próximos dias, estaremos de olhos postos na Islândia a pensar na Grécia.
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7.1.10

Participação 2.0

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Voltando ao tema do orçamento participativo, tenho uma boa e uma má notícia para a Câmara Municipal de Lisboa.

A boa é que uma parte dos munícipes já se envolve bastante na discussão da política camarária. A má é que não o faz nos termos que, pelos vistos, a Câmara mais aprecia.

Refiro-me, claro está, ao que se passa no "submundo da blogoesfera" (para recuperar a expressão imorredoira de António Costa), mas, também, ao debate que por outros meios se trava na net.

Se os nossos eleitos estivessem atentos, saberiam que existem há vários anos diversos blogues dedicados a Lisboa, alguns deles em exclusivo. Conheceriam também que, volta e meia, rebentam por aqui polémicas acesas sobre temas importantes para o futuro da cidade - valha como exemplo o novo cais de contentores em Alcântara.

Na Web 1.0, as instituições com recursos e organização para tal criavam sites para falar ao povoléu, ao qual, no melhor dos casos, era permitido porem umas cruzinhas para votar nisto ou naquilo. A Câmara Municipal de Lisboa e o seu orçamento participativo ainda estão nessa fase, o qua vale por dizer que vêm com quase uma década de atraso.

Agora, com os blogues, o twitter, as redes sociais e sabe-se lá mais que instrumentos do demónio, os cidadãos pronunciam-se livremente sobre a localização do novo aeroporto, a utilidade das ciclovias ou a introdução de portagens rodoviárias na cidade, deixando de bom grado as minudências ao arbítrio da burocracia municipal.

Sabiam? Se calhar, não.

De modo que o melhor que a municipalidade poderia fazer seria organizar-se para ouvir e, a partir daí, entabular um diálogo connosco na net. O Twitter, em particular, é uma excelente ferramenta para rapidamente se tomar conhecimento do que preocupa os lisboetas no seu dia a dia.

Querem tentar? Não dói nada.
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6.1.10

Todos no mesmo barco

Vítor Bento recomenda o artigo de Martin Wolf no FT de hoje sobre a situação dos países do euro com mais preocupantes desequilíbrios financeiros e suspira: "Pode ser que, quando os profetas são de fora, as suas profecias sejam melhor aceites".

Quer dizer:

1. Vítor Bento acredita que só ele, Medina Carreira e mais alguns profetas estão a par dos problemas financeiros do país.

2. Vítor Bento insinua que Martin Wolf partilha o seu diagnóstico sobre os nossos problemas.

Duplo engano. Sobre o primeiro não acrescentarei nada. Acerca do segundo, repetirei a citação de Wolf que o Galamba já hoje aqui reproduziu:

"The crisis in the eurozone’s periphery is not an accident: it is inherent in the system. The weaker members have to find an escape from the trap they are in. They will receive little help: the zone has no willing spender of last resort; and the euro itself is also very strong. But they must succeed. When the eurozone was created, a huge literature emerged on whether it was an optimal currency union. We know now it was not. We are about to find out whether this matters."

Como sabe toda a gente que tenha lido o interessantíssimo livro de Vítor Bento, isto é tudo o contrário do que ele defende. Bento explica logo nas primeiras páginas que os portugueses degeneraram a partir de meados da década de 90, trocando o esforço da formiguinha pelo vício do consumo e do endividamento. Por outras palavras prescinde da análise económica para se comprazer na prédica moralista. Como seria de esperar, não tem verdadeira solução a propor que não a reforma dos costumes.

Pelo contrário, eu acho que as nossas dificuldades não resultam de qualquer deficiência da raça, mas do modo despreocupado e irresponsável como fomos levados a entrar no euro.

Como diz Wolf - e eu concordo - a falha é inerente ao sistema, razão pela qual hoje afecta entre 1/3 a 1/2 da população europeia que usa o euro. Portugal está acompanhado de vários outros países, incluindo a Grécia, a Irlanda, a Espanha e a Itália. O Reino Unido não estará melhor, mas não integra a zona euro.

Daí decorre outra consequência importante. Nós temos que fazer a nossa parte, mas, no essencial, o problema do euro tem que ser resolvido pela UE, quem a chanceler Angela Merkel e Vítor Bento concordem ou não. E isso pela simples razão de que as dificuldades dos devedores não podem deixar, mais tarde ou mais cedo, de afectar os credores.

Não, caro Vítor Bento, o que nos distingue não é o conhecimento das estatísticas. É o diagnóstico da situação e o que propomos para superá-la.

5.1.10

Tomem lá mais participação

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A UE, a OCDE, a ONU e mais não sem quem têm uns programas para incentivar o e-government.

O vereador, recém-chegado de uma conferência internacional sobre o tema, acha que se deve fazer qualquer coisa.

É nomeado um grupo de trabalho para estudar o assunto. O grupo de trabalho, que nunca pensou no assunto, chama o tipo da informática.

O "tipo da informática" lê muitas revistas estrangeiras e já tinha pensado que seria giro pôr-se as pessoas a votar em projectos camarários.

Vamos para a frente.

Monta-se e lança-se o site, sem o promover adequadamente nem testar a sua utilização por leigos.

No primeiro ano o programa é um fiasco. Basicamente, foi lá o pessoal da informática da Câmara.

No segundo ano, o programa é repetido, não direi tal e qual, mas com ligeiríssimos ajustamentos.

Não foi feito um balanço da experiência, mas recuar seria sinal de fraqueza e, de todo o modo, a iniciativa já estava prevista no orçamento camarário.

Diz que, entretanto, o programa ganhou um prémio internacional e que Portugal é, a par da Noruega, um exemplo para o Mundo em matéria de e-government.
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Cidade Europa

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Mas querem mesmo saber?

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Estou em crer que é melhor alguma participação dos cidadãos do que nenhuma, mas às tantas já nem sei.
Do alto da sua bondade, a Câmara Municipal de Lisboa disponibilizou 5% do seu orçamento para iniciativas que coloca à votação dos cidadãos na internet. Sucede que, até ao momento, pouco mais de 700 opinaram.
Esperem aí. Mas o que fez a Câmara para estimular a participação dos lisboetas? Eu recordo ter ouvido vagamente alguma coisa sobre o assunto, mas só ontem, com o post do João Galamba, verdadeiramente entendi o que é o "orçamento participativo". Serei só eu que ando mal informado?
Como é que o município divulgou a iniciativa? Pôs um banner no Sapo? Recorreu ao AdWords? Informou os bloggers? Tuitou? Quando? Não vi.
Depois, sugiro que vão à página do "orçamento participado" e tentem perceber como funciona. Contem quantas vezes têm que clicar e quanto tempo demora descobrir como se participa e quais as regras da votação.
A coisa está feita para desanimar os amadores, de forma que, dos 700 e tal votantes, uma clara maioria deve ser de funcionários da Câmara, provavelmente do departamento que promoveu a iniciativa.
Eu sou um municípe minimalista, só queria saber se havia alguma proposta para pintar as faixas de rodagem e as passadeiras para peões. Não havia, vim-me embora.
Mas a questão ficou comigo: será que a CML quer mesmo saber o que pensam os metecos que habitam a cidade?
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4.1.10

Mensageiro sem mensagem

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Não faz qualquer sentido encarar o nosso actual endividamento externo como um problema especificamente português.

Primeiro, porque, demagogias à parte, a causa imediata do seu agravamento reside na crise financeira internacional. Segundo, porque é comum a uma série de países que reúnem entre um terço a um meio da população europeia. Terceiro, porque a nossa situação está longe de se encontrar entre as mais graves.

Ao contrário do que se passava em 2004, não estamos desalinhados dos nossos principais parceiros económicos. Estamos no mesmo barco que eles enfrentando a mesma tempestade.

O que isso significa é que ou haverá uma solução conjunta para esses males - ou não haverá solução.

Toda a conversa sobre as duas crises (uma especificamente nossa, outra internacional) carece de sentido, porque, neste momento, ninguém de facto sabe se a especificamente nossa estará hoje pior, igual ou superada.

A apocalíptica mensagem de Ano Novo de Cavaco Silva prova, assim, que o mais grave problema do país não é económico, mas de liderança. Nem o Governo nem o Presidente da República se revelam capazes de mobilizar os portugueses para enfrentarem a situação presente.

Se eles fizessem a parte deles, nós tratariamos de fazer a nossa. Mas, pelos vistos, não se pode contar com isso.
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1.1.10

Fim

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