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É esquisito passarem tantos dias de colossais manifestações de rua sem que do lado da oposição egípcia se veja emergir uma liderança clara. Será El-Baradei, um homem que parece ter mais prestígio internacional do que no seu país, o dirigente por que o povo egípcio anseia? Permito-me duvidar.
Pelo que se ouve, a única exigência unânime da rua é o afastamento de Mubarak. Eu esperaria que ao menos fosse pedida a garantia de que as eleições presidenciais que em breve terão lugar sejam livres e justas, uma plataforma simultaneamente ousada e sensata que poderia ser apoiada por (quase) toda a comunidade internacional.
Depois, quando os repórteres saem das zonas centrais do Cairo e escutam a voz dos subúrbios, fica-se a saber que o ódio de uma parte do povo a Mubarak radica antes de mais na sua "submissão" a Israel.
Ao cabo de dias de caos nas ruas, começa a faltar tudo nos lares egípcios, a começar pelo pão e pela segurança. Pelo caminho que as coisas tomam, em breve começará a desmobilização.
Cá fora, o receio de que a incipiente recuperação económica seja travada por um inopinado choque petrolífero acentua também a predisposição para aceitar que qualquer coisa mude na condição de que tudo fique na mesma.
Com o tempo a jogar a seu favor, o exército poderá dentro de dias nomear tranquilamente o sucessor de Mubarak, o qual será compulsiva mas simpaticamente aposentado. Falta acrescentar que o seu sucessor será, ao que parece, um homem ainda mais próximo dos EUA.
Numa palavra, o perfeito happy ending. Será?
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28.1.11
Cooperação científica no Mundo
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Algo surpreendente a importância do Brasil, principalmente por comparação com o resto da América Latina.
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Algo surpreendente a importância do Brasil, principalmente por comparação com o resto da América Latina.
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O preço de um gestor público
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Por que haverão os gestores públicos de ganhar menos que o Presidente da República?
Será por se considerar que, não havendo trabalho mais difícil que o dele, ninguém contribui mais para o bem-estar da comunidade? Discordo: há tantas ocupações mais árduas ou intelectualmente exigentes que nem preciso de mencionar a minha. Mas, admitindo que a tese estivesse certa, a exigência deveria aplicar-se também ao sector privado.
Será por se considerar a situação eticamente inaceitável – digamos, por uma questão de reverência institucional – dado o respeito devido à figura do Chefe do Estado? Ou será antes por uma preocupação de contribuir para a redução dos custos do Sector Empresarial do Estado? Num caso como no outro, o princípio deveria afectar também os dirigentes das empresas privadas e os profissionais que prestam serviços ou vendem bens ao Estado, tais como gestores de empresas de consultoria ou advogados.
Já há, porém, normas que impedem vencimentos superiores aos do PR no sector empresarial do Estado. A confusão na opinião pública a este respeito resulta de duas circunstâncias.
Primeiro, muitas pessoas continuam a pensar que a PT, a EDP ou a Petrogal ainda são empresas públicas, o que há muito deixou de ser verdade.
Segundo, as normas em vigor já fixam limites aos vencimentos dos gestores públicos, mas admitem salários superiores quando eles vêm do sector privado, caso em que manterão o vencimento anterior. Em resultado, temos agora não só Directores Gerais que ganham mais que o Primeiro Ministro como Vogais que ganham mais que o seu Presidente e Presidentes de empresas públicas que ganham dez vezes mais que Presidentes de outras empresas públicas equivalentes em complexidade de gestão. Um caos.
Em resultado desta ausência de método, o vencimento de um gestor público resulta menos do que ele fez, faz e poderá fazer do que de onde veio, sendo que toda a vantagem está do lado de quem vem do sector privado. É difícil imaginar-se coisa mais absurda.
Um liberal em matéria económica tenderia a considerar que, dentro dos limites do bom senso e da decência, os salários dos gestores deveriam ser fixados pelo mercado. A coisa complica-se pela suspeita de que, no caso das empresas públicas, o mercado é substituído pelo favoritismo e pelo compadrio. Compreendo a preocupação, mas em muitas grandes empresas privadas sucede o mesmo, como uma simples inspecção dos nomes de família dos gestores das sociedades cotadas na Bolsa permite constatar.
Tudo considerado, concordo com um limite máximo para os vencimentos dos gestores públicos, mas acho que deverá ser bastante superior ao actual do Presidente República – o qual, aliás, de momento até trabalha à borla, dado ter optado por receber antes as pensões de reforma a que tem direito. A fixação resultaria de um equilíbrio entre o desejo de se evitar disparidades muito grandes na esfera pública e a necessidade de se oferecer remunerações suficientemente atraentes para atrair profissionais qualificados.
Porém, muito mais importante do que controlar salários é avaliar-se as competências e questionar-se as ideias dos gestores. Seria a meu ver recomendável que qualquer nomeação de um administrador para uma empresa pública ou de capitais públicos (não é a mesma coisa) fosse suportada por um dossiê completo sobre o percurso profissional da pessoa em causa, disponibilizado publicamente na net. Já no que respeita aos Presidentes dessas empresas, a sua indigitação deveria ser precedida de uma audiência parlamentar em que ele explicaria o que se popunha fazer e responderia às questões dos deputados.
É este tipo de escrutínio que eu gostaria de ver exercido sobre aqueles que gerem o sector empresarial do Estado, em lugar das intrigas mesquinhas em torno da remuneração de fulano ou beltrano com que os demagogos do costume entretêm a opinião pública.
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Por que haverão os gestores públicos de ganhar menos que o Presidente da República?
Será por se considerar que, não havendo trabalho mais difícil que o dele, ninguém contribui mais para o bem-estar da comunidade? Discordo: há tantas ocupações mais árduas ou intelectualmente exigentes que nem preciso de mencionar a minha. Mas, admitindo que a tese estivesse certa, a exigência deveria aplicar-se também ao sector privado.
Será por se considerar a situação eticamente inaceitável – digamos, por uma questão de reverência institucional – dado o respeito devido à figura do Chefe do Estado? Ou será antes por uma preocupação de contribuir para a redução dos custos do Sector Empresarial do Estado? Num caso como no outro, o princípio deveria afectar também os dirigentes das empresas privadas e os profissionais que prestam serviços ou vendem bens ao Estado, tais como gestores de empresas de consultoria ou advogados.
Já há, porém, normas que impedem vencimentos superiores aos do PR no sector empresarial do Estado. A confusão na opinião pública a este respeito resulta de duas circunstâncias.
Primeiro, muitas pessoas continuam a pensar que a PT, a EDP ou a Petrogal ainda são empresas públicas, o que há muito deixou de ser verdade.
Segundo, as normas em vigor já fixam limites aos vencimentos dos gestores públicos, mas admitem salários superiores quando eles vêm do sector privado, caso em que manterão o vencimento anterior. Em resultado, temos agora não só Directores Gerais que ganham mais que o Primeiro Ministro como Vogais que ganham mais que o seu Presidente e Presidentes de empresas públicas que ganham dez vezes mais que Presidentes de outras empresas públicas equivalentes em complexidade de gestão. Um caos.
Em resultado desta ausência de método, o vencimento de um gestor público resulta menos do que ele fez, faz e poderá fazer do que de onde veio, sendo que toda a vantagem está do lado de quem vem do sector privado. É difícil imaginar-se coisa mais absurda.
Um liberal em matéria económica tenderia a considerar que, dentro dos limites do bom senso e da decência, os salários dos gestores deveriam ser fixados pelo mercado. A coisa complica-se pela suspeita de que, no caso das empresas públicas, o mercado é substituído pelo favoritismo e pelo compadrio. Compreendo a preocupação, mas em muitas grandes empresas privadas sucede o mesmo, como uma simples inspecção dos nomes de família dos gestores das sociedades cotadas na Bolsa permite constatar.
Tudo considerado, concordo com um limite máximo para os vencimentos dos gestores públicos, mas acho que deverá ser bastante superior ao actual do Presidente República – o qual, aliás, de momento até trabalha à borla, dado ter optado por receber antes as pensões de reforma a que tem direito. A fixação resultaria de um equilíbrio entre o desejo de se evitar disparidades muito grandes na esfera pública e a necessidade de se oferecer remunerações suficientemente atraentes para atrair profissionais qualificados.
Porém, muito mais importante do que controlar salários é avaliar-se as competências e questionar-se as ideias dos gestores. Seria a meu ver recomendável que qualquer nomeação de um administrador para uma empresa pública ou de capitais públicos (não é a mesma coisa) fosse suportada por um dossiê completo sobre o percurso profissional da pessoa em causa, disponibilizado publicamente na net. Já no que respeita aos Presidentes dessas empresas, a sua indigitação deveria ser precedida de uma audiência parlamentar em que ele explicaria o que se popunha fazer e responderia às questões dos deputados.
É este tipo de escrutínio que eu gostaria de ver exercido sobre aqueles que gerem o sector empresarial do Estado, em lugar das intrigas mesquinhas em torno da remuneração de fulano ou beltrano com que os demagogos do costume entretêm a opinião pública.
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26.1.11
Querias ver Portugal na CEE?
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A efeméride passou quase despercebida, mas a verdade é que se completou neste mês um século desde que Portugal aderiu à CEE, hoje União Europeia.
Excelente ocasião, diria eu, para se ensaiar um balanço, tanto mais que, pressionada pelas agruras da crise financeira internacional, a Europa está em vias de encerrar um ciclo e abrir outro.
Foi isso que tentei fazer no meu artigo de hoje no Jornal de Negócios: "Prognósticos só no fim do euro".
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A efeméride passou quase despercebida, mas a verdade é que se completou neste mês um século desde que Portugal aderiu à CEE, hoje União Europeia.
Excelente ocasião, diria eu, para se ensaiar um balanço, tanto mais que, pressionada pelas agruras da crise financeira internacional, a Europa está em vias de encerrar um ciclo e abrir outro.
Foi isso que tentei fazer no meu artigo de hoje no Jornal de Negócios: "Prognósticos só no fim do euro".
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25.1.11
Política chucha
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Como bem mostra Helena Garrido no seu editorial de hoje, a nova lei que reduz e limita as indemnizações por despedimento não faz qualquer sentido do ponto de vista económico.
Ouvindo ontem a ministra fiquei com a distinta impressão que o propósito central do exercício é equiparar Portugal à Espanha, de modo que deixe de ser possível dizer-se que somos o país com condições mais generosas para os trabalhadores despedidos.
A ser assim, a manobra é duplamente falhada. Deixar de ser o último (ou o primeiro, dependendo da perspectiva) para passar a ser o último ex-aequo não determina qualquer alteração do ponto de vista perceptual.
A comunicação funciona pelas diferenças, pelos opostos, pelos contrastes. Ora, precisamente, nas novidades ontem anunciadas nenhum factor estimula o público a rearranjar o seu quadro mental no que a este tópico concerne.
Acresce que cada vez menos gente acredita que a chamada "rigidez" laboral tenha algum efeito dissuassor apreciável sobre o investimento, seja ele nacional ou estrangeiro.
Logo, não há público para esta mensagem, com excepção do punhado de magarefes que se regozija com qualquer iniciativa que tire mais algum direito aos seus assalariados.
Má política laboral, incompetente política comunicacional.
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Como bem mostra Helena Garrido no seu editorial de hoje, a nova lei que reduz e limita as indemnizações por despedimento não faz qualquer sentido do ponto de vista económico.
Ouvindo ontem a ministra fiquei com a distinta impressão que o propósito central do exercício é equiparar Portugal à Espanha, de modo que deixe de ser possível dizer-se que somos o país com condições mais generosas para os trabalhadores despedidos.
A ser assim, a manobra é duplamente falhada. Deixar de ser o último (ou o primeiro, dependendo da perspectiva) para passar a ser o último ex-aequo não determina qualquer alteração do ponto de vista perceptual.
A comunicação funciona pelas diferenças, pelos opostos, pelos contrastes. Ora, precisamente, nas novidades ontem anunciadas nenhum factor estimula o público a rearranjar o seu quadro mental no que a este tópico concerne.
Acresce que cada vez menos gente acredita que a chamada "rigidez" laboral tenha algum efeito dissuassor apreciável sobre o investimento, seja ele nacional ou estrangeiro.
Logo, não há público para esta mensagem, com excepção do punhado de magarefes que se regozija com qualquer iniciativa que tire mais algum direito aos seus assalariados.
Má política laboral, incompetente política comunicacional.
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24.1.11
Um teste crucial
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Ao contrário do que sucedeu há três anos, Trichet afirma agora que o BCE só considerará a possibilidade de aumentar a taxa de juro se a inflação dos preços mas matérias-primas desencadear uma inflação dos salários.
Isto percebe-se, mas falta saber a que salários se refere Trichet: aos alemães? à média dos salários da zona euro? e é relevante para essa decisão a evolução dos salários nos países da periferia?
Faz algum sentido aumentar a taxa de juro para resolver os problemas da Alemanha quando tantas economias nacionais do continente permanecem estagnadas?
A tendência de rápida subida das cotações das matérias-primas agrícolas e minerais importadas poderá constituir um teste decisivo à coesão da zona euro neste ano que já se adivinhava tão difícil.
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Ao contrário do que sucedeu há três anos, Trichet afirma agora que o BCE só considerará a possibilidade de aumentar a taxa de juro se a inflação dos preços mas matérias-primas desencadear uma inflação dos salários.
Isto percebe-se, mas falta saber a que salários se refere Trichet: aos alemães? à média dos salários da zona euro? e é relevante para essa decisão a evolução dos salários nos países da periferia?
Faz algum sentido aumentar a taxa de juro para resolver os problemas da Alemanha quando tantas economias nacionais do continente permanecem estagnadas?
A tendência de rápida subida das cotações das matérias-primas agrícolas e minerais importadas poderá constituir um teste decisivo à coesão da zona euro neste ano que já se adivinhava tão difícil.
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Portugal e o euro
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Concordo com muito do que Fernando Alexandre aqui diz, designadamente com a sua afirmação de que, desde há quase duas décadas, Portugal deixou de ter uma estratégia de desenvolvimento.
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Concordo com muito do que Fernando Alexandre aqui diz, designadamente com a sua afirmação de que, desde há quase duas décadas, Portugal deixou de ter uma estratégia de desenvolvimento.
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21.1.11
Silogismo
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O PSD (tanto o de Passos Coelho como o de Eduardo Catroga e Manuela Ferreira Leite, note-se) acha inadmissível uma redução do défice que resulte do aumento da receita em vez da redução da despesa.
Cavaco afirmou hoje à Rádio Renascença que a redução do défice orçamental deveria ter sido conseguida através do lançamento de um imposto extraordinário sobre os rendimentos mais elevados.
Logo, o PSD apela ao voto em Cavaco Silva.
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O PSD (tanto o de Passos Coelho como o de Eduardo Catroga e Manuela Ferreira Leite, note-se) acha inadmissível uma redução do défice que resulte do aumento da receita em vez da redução da despesa.
Cavaco afirmou hoje à Rádio Renascença que a redução do défice orçamental deveria ter sido conseguida através do lançamento de um imposto extraordinário sobre os rendimentos mais elevados.
Logo, o PSD apela ao voto em Cavaco Silva.
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20.1.11
Ditadura de palermas
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Fiz há tempos notar a uma turma que, tendo o produto per capita duplicado nos últimos 30 anos e permanecendo a população do país estável, isso significa que Portugal é hoje duas vezes mais rico.
Os alunos reagiram quase unanimemente com absoluta incredulidade: "Talvez, mas está tudo muito mais caro...", foi o comentário mais racional que escutei.
Expliquei-lhes que o efeito da inflação já está descontado nos cálculos que lhes citara, mas eles não se comoveram com a garantia. Alguns até terão ficado a pensar para consigo: "Que cromo este que nos saiu na rifa!"
Entendamo-nos: as pessoas comuns não gastam tempo a estudar as estatísticas do INE. O que julgam saber sobre o estado da economia e da sociedade aprendem-no em grande parte na televisão, na rádio e na imprensa.
Elas não inventaram nas suas cabeças que o pais está pior do que antes do 25 de Abril. Ouviram essa pérola de alegada sabedoria e reproduziram-na no momento apropriado.
Acresce que o que as pessoas mais desejam é lograrem a aprovação social repetindo aquele género de coisas que toda a gente diz.
Ora, em Portugal, o discurso do fatal "empobrecimento" colectivo cai sempre bem. Não são só as velhinhas que o declaram aos ansiosos repórteres da televisão de cada vez que sobe o preço do tremoço.
Alegadas grandes cabeças pensantes como Vasco Pulido Valente insistem semanalmente na tecla durante décadas a fio sem receio de serem desmentidas pelos seus pares.
Não é por acaso que, nos inquéritos de conjuntura, é sempre maior o número de pessoas que acham que os outros estão a viver pior do que aquelas que declaram viver elas próprias pior.
Se a sondagem do Farol prova alguma coisa, é apenas que a nossa opinião pública se encontra submetida a uma feroz ditadura de palermas.
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Fiz há tempos notar a uma turma que, tendo o produto per capita duplicado nos últimos 30 anos e permanecendo a população do país estável, isso significa que Portugal é hoje duas vezes mais rico.
Os alunos reagiram quase unanimemente com absoluta incredulidade: "Talvez, mas está tudo muito mais caro...", foi o comentário mais racional que escutei.
Expliquei-lhes que o efeito da inflação já está descontado nos cálculos que lhes citara, mas eles não se comoveram com a garantia. Alguns até terão ficado a pensar para consigo: "Que cromo este que nos saiu na rifa!"
Entendamo-nos: as pessoas comuns não gastam tempo a estudar as estatísticas do INE. O que julgam saber sobre o estado da economia e da sociedade aprendem-no em grande parte na televisão, na rádio e na imprensa.
Elas não inventaram nas suas cabeças que o pais está pior do que antes do 25 de Abril. Ouviram essa pérola de alegada sabedoria e reproduziram-na no momento apropriado.
Acresce que o que as pessoas mais desejam é lograrem a aprovação social repetindo aquele género de coisas que toda a gente diz.
Ora, em Portugal, o discurso do fatal "empobrecimento" colectivo cai sempre bem. Não são só as velhinhas que o declaram aos ansiosos repórteres da televisão de cada vez que sobe o preço do tremoço.
Alegadas grandes cabeças pensantes como Vasco Pulido Valente insistem semanalmente na tecla durante décadas a fio sem receio de serem desmentidas pelos seus pares.
Não é por acaso que, nos inquéritos de conjuntura, é sempre maior o número de pessoas que acham que os outros estão a viver pior do que aquelas que declaram viver elas próprias pior.
Se a sondagem do Farol prova alguma coisa, é apenas que a nossa opinião pública se encontra submetida a uma feroz ditadura de palermas.
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19.1.11
O ruralismo é uma ideologia retrógrada
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O número de comentários ao meu post "Fanáticos da ruralidade" (79 até ao momento, não contando alarvidades que censurei) sugere que toquei num nervo sensível. Algumas curtas observações, porque o país aguarda ansioso que o guiemos na resolução de outros graves problemas:
1. Escolhi para ilustrar o meu post uma deslumbrante imagem de linha férrea arcaica. Isso significa que sou sensível a estes trechos de beleza nostálgica que com frequência o progresso condena ao abandono.
2. Sou um apaixonado por cidades - de preferência, grandes - mas nem desprezo os campos nem contesto o gosto de quem se dá mal com meios urbanos. Mas uma coisa são as preferências individuais, outra as escolhas colectivas.
3. Muitos comentadores acreditam que o interior manda os seus impostos para a capital, mas a realidade é a inversa: é a capital que manda uma parte das receitas dos seus impostos para o interior - e, aliás, é assim que está certo.
4. O actual desordenamento do nosso território não protege o ambiente. Bem pelo contrário, a dispersão de núcleos urbanos minúsculos degrada e destrói a paisagem. Os países que melhor organizam as suas cidades são também, por regra, aqueles que melhor cuidam da parte da natureza que lhes caíu em sorte.
5. As próprias áreas metropolitanas de Lisboa e Porto mais parecem hoje federações desarticuladas de aldeias. A ideologia ruralista infectou inclusive as práticas urbanísticas. Note-se, por exemplo, que a área metropolitana de Lisboa ocupa uma superfície equivalente à de Los Angeles, mas tem uma população várias vezes inferior.
6. O desarranjo do território é a principal causa da fragilidade do transporte público, o qual só pode ser a um tempo útil e economicamente eficiente se as populações estiverem geograficamente concentradas. Não estando satisfeita essa condição, o transporte privado triunfa.
7. Eu sei que quem reside no interior não acredita nisto, mas o acesso aos serviços públicos é hoje frequentemente pior nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto que no resto do país.
8. Sei também que toda a gente parece acreditar que a agricultura portuguesa foi abandonada e que importamos quase tudo o que comemos, mas esse é outro engano que noutra ocasião abordarei.
9. Algumas pessoas que viajaram por paragens distantes como a Suécia e a Suíça acreditam ser a distribuição espacial da população nesses países mais dispersa do que cá. Estão iludidos: nenhum país da Europa tem uma tão pequena proporção dos seus habitantes a residir em grandes aglomerados como nós.
10. É verdade que as empresas de transportes públicos de Lisboa como a Carris e o Metro não deveriam ser financiadas directamente pelo orçamento geral do Estado, mas pelos municípios servidos, a exemplo do que sucede no resto do país. Mas quem paga isso não é o interior.
11. Um comentador faz-me ver que a Lousã é hoje um subúrbio de 15 mil habitantes, onde residem pessoas que todos os dias vão trabalhar para Coimbra. Ora o meu ponto é precisamente denunciar esse absurdo: não faz sentido algum que uma cidade pequena como Coimbra tenha um subúrbio a 30 kms de distância.
12. Outro comentador afirma que uma estação de metro em Lisboa custa mais que a linha da Lousã. Duvido, mas asseguro-lhe que uma estação de metro em Lisboa tem uma utilidade muito superior à de uma linha de Coimbra à Lousã.
13. Apesar de todos os meus argumentos, ee as populações de Coimbra e da Lousã valorizam muito a ligação ferroviária, cabe aos seus municípios assegurar o investimento nessa infraestrutura e a sua respectiva manutenção. É de certeza uma aposta mais justificada que a de Leiria na construção de um estádio de futebol.
14. A chamada "desertificação" do interior deve ser encarada como um progresso no sentido de uma ocupação mais racional do território. Corresponde à florestação de terras sem aptidão agrícola e à concentração da agricultura nas regiões com maior potencial. Toda a gente (vá lá: quase toda a gente) ganhou com esse processo.
15. O ruralismo é uma ideologia retrógrada que mitifica a realidade rural. A sua persistência não beneficia as pessoas nem preserva a natureza.
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O número de comentários ao meu post "Fanáticos da ruralidade" (79 até ao momento, não contando alarvidades que censurei) sugere que toquei num nervo sensível. Algumas curtas observações, porque o país aguarda ansioso que o guiemos na resolução de outros graves problemas:
1. Escolhi para ilustrar o meu post uma deslumbrante imagem de linha férrea arcaica. Isso significa que sou sensível a estes trechos de beleza nostálgica que com frequência o progresso condena ao abandono.
2. Sou um apaixonado por cidades - de preferência, grandes - mas nem desprezo os campos nem contesto o gosto de quem se dá mal com meios urbanos. Mas uma coisa são as preferências individuais, outra as escolhas colectivas.
3. Muitos comentadores acreditam que o interior manda os seus impostos para a capital, mas a realidade é a inversa: é a capital que manda uma parte das receitas dos seus impostos para o interior - e, aliás, é assim que está certo.
4. O actual desordenamento do nosso território não protege o ambiente. Bem pelo contrário, a dispersão de núcleos urbanos minúsculos degrada e destrói a paisagem. Os países que melhor organizam as suas cidades são também, por regra, aqueles que melhor cuidam da parte da natureza que lhes caíu em sorte.
5. As próprias áreas metropolitanas de Lisboa e Porto mais parecem hoje federações desarticuladas de aldeias. A ideologia ruralista infectou inclusive as práticas urbanísticas. Note-se, por exemplo, que a área metropolitana de Lisboa ocupa uma superfície equivalente à de Los Angeles, mas tem uma população várias vezes inferior.
6. O desarranjo do território é a principal causa da fragilidade do transporte público, o qual só pode ser a um tempo útil e economicamente eficiente se as populações estiverem geograficamente concentradas. Não estando satisfeita essa condição, o transporte privado triunfa.
7. Eu sei que quem reside no interior não acredita nisto, mas o acesso aos serviços públicos é hoje frequentemente pior nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto que no resto do país.
8. Sei também que toda a gente parece acreditar que a agricultura portuguesa foi abandonada e que importamos quase tudo o que comemos, mas esse é outro engano que noutra ocasião abordarei.
9. Algumas pessoas que viajaram por paragens distantes como a Suécia e a Suíça acreditam ser a distribuição espacial da população nesses países mais dispersa do que cá. Estão iludidos: nenhum país da Europa tem uma tão pequena proporção dos seus habitantes a residir em grandes aglomerados como nós.
10. É verdade que as empresas de transportes públicos de Lisboa como a Carris e o Metro não deveriam ser financiadas directamente pelo orçamento geral do Estado, mas pelos municípios servidos, a exemplo do que sucede no resto do país. Mas quem paga isso não é o interior.
11. Um comentador faz-me ver que a Lousã é hoje um subúrbio de 15 mil habitantes, onde residem pessoas que todos os dias vão trabalhar para Coimbra. Ora o meu ponto é precisamente denunciar esse absurdo: não faz sentido algum que uma cidade pequena como Coimbra tenha um subúrbio a 30 kms de distância.
12. Outro comentador afirma que uma estação de metro em Lisboa custa mais que a linha da Lousã. Duvido, mas asseguro-lhe que uma estação de metro em Lisboa tem uma utilidade muito superior à de uma linha de Coimbra à Lousã.
13. Apesar de todos os meus argumentos, ee as populações de Coimbra e da Lousã valorizam muito a ligação ferroviária, cabe aos seus municípios assegurar o investimento nessa infraestrutura e a sua respectiva manutenção. É de certeza uma aposta mais justificada que a de Leiria na construção de um estádio de futebol.
14. A chamada "desertificação" do interior deve ser encarada como um progresso no sentido de uma ocupação mais racional do território. Corresponde à florestação de terras sem aptidão agrícola e à concentração da agricultura nas regiões com maior potencial. Toda a gente (vá lá: quase toda a gente) ganhou com esse processo.
15. O ruralismo é uma ideologia retrógrada que mitifica a realidade rural. A sua persistência não beneficia as pessoas nem preserva a natureza.
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18.1.11
Será a margarina um bem não-transaccionável?
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Em qualquer hiper, discount, super ou mercearia do país é possível encontrar à venda margarinas de cozinha ou de mesa das marcas Vaqueiro, Becel, Flora e Planta.
O que os consumidores ignoram é que todas elas são fabricadas pela mesma empresa: a Unilever Jerónimo Martins. Por outras palavras, como essas são as únicas marcas disponíveis, não existe concorrência neste mercado.
Por que será?
Em parte porque, sendo a Jerónimo Martins proprietária das cadeias Feira Nova, Pingo Doce e Recheio, qualquer concorrente que tentasse penetrar em Portugal a partir do exterior teria dificuldade em chegar a uma parte substancial dos consumidores nacionais.
Este não é caso único: há em Portugal muitos mercados em que, mau grado as aparências, não há concorrência digna desse nome. Muitas vezes, isso explica-se por situações de posição dominante nos canais grossistas ou retalhistas.
Nos últimos anos ganhou terreno uma teoria segundo a qual os males da economia portuguesa decorrem de os sectores não expostos à concorrência internacional (ditos de bens não-transaccionáveis) cobrarem preços exorbitantes que esmagam as empresas e os contribuintes, contribuindo para degradar a nossa competitividade.
A tese pode estar certa, mas só na condição de a designação de bens não-transaccionáveis ser alargada a categorias usualmente não cobertas por essa designação (como, por exemplo, as margarinas), visto que nenhum elemento a elas intrínseco impede a sua exportação e importação.
Quanto às razões porque isso acontece - que é o que verdadeiramente interessa - fica para outra vez.
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Em qualquer hiper, discount, super ou mercearia do país é possível encontrar à venda margarinas de cozinha ou de mesa das marcas Vaqueiro, Becel, Flora e Planta.
O que os consumidores ignoram é que todas elas são fabricadas pela mesma empresa: a Unilever Jerónimo Martins. Por outras palavras, como essas são as únicas marcas disponíveis, não existe concorrência neste mercado.
Por que será?
Em parte porque, sendo a Jerónimo Martins proprietária das cadeias Feira Nova, Pingo Doce e Recheio, qualquer concorrente que tentasse penetrar em Portugal a partir do exterior teria dificuldade em chegar a uma parte substancial dos consumidores nacionais.
Este não é caso único: há em Portugal muitos mercados em que, mau grado as aparências, não há concorrência digna desse nome. Muitas vezes, isso explica-se por situações de posição dominante nos canais grossistas ou retalhistas.
Nos últimos anos ganhou terreno uma teoria segundo a qual os males da economia portuguesa decorrem de os sectores não expostos à concorrência internacional (ditos de bens não-transaccionáveis) cobrarem preços exorbitantes que esmagam as empresas e os contribuintes, contribuindo para degradar a nossa competitividade.
A tese pode estar certa, mas só na condição de a designação de bens não-transaccionáveis ser alargada a categorias usualmente não cobertas por essa designação (como, por exemplo, as margarinas), visto que nenhum elemento a elas intrínseco impede a sua exportação e importação.
Quanto às razões porque isso acontece - que é o que verdadeiramente interessa - fica para outra vez.
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Ponto de viragem na crise do euro
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Nos últimos dias, a crise do euro entrou numa nova fase, fundamentalmente por se ter tornado evidente para quase todos os principais actores que, longe de estancar a especulação contra as dívidas soberanas, uma operação de socorro do EFSF em Portugal contagiaria de imediato a Espanha.
De modo que, mais uma vez, funcionou na perfeição a táctica portuguesa de nos safarmos empurrando para debaixo dos holofotes o país que está mais a jeito. Depois da Grécia e da Irlanda, foi agora a vez dos nossos vizinhos. Desculpem, rapazes, mas é a vida.
A ideia que está a ganhar adeptos consiste em criar um esquema permanente de auxílio aos países em dificuldades que, sem dramas nem sobressaltos, elimine de uma vez por todas as dúvidas quanto à possibilidade real de eles virem a satisfazer os seus compromissos financeiros futuros.
A solução passa por reestruturar o EFSF reforçando a sua capacidade e o seu âmbito de intervenção. Por vias ínvias acabaremos, afinal, por ter o BCE a financiar directamente os estados e euro-obrigações canalizando recursos a taxas razoáveis para quem deles necessita.
Resta só o problema de inventar para os bois designações eufemísticas que não choquem a mentalidade obtusa da Srª Merkel e do seu gabinete: a criatividade semântica ao estilo latino ao serviço da obsessiva lógica germânica revela-se mais uma vez a metodologia pan-europeia adequada para fomentar a convergência de visões políticas nacionais conflituantes. Quem diria?
Vamos então deixar trabalhar tranquilamente os assessores da Comissão Europeia, e daqui a dois meses estará pronto um texto que nos nossos países periféricos seria alinhavado em 48 horas.
A parte chata é que a Alemanha exigirá, para satisfazer a plebe doméstica, um controlo directo sobre as políticas orçamentais dos países membros, incluindo compromissos de harmonização fiscal que provocarão a ira da Irlanda e da Europa do Leste.
Tudo bem, desde que isso seja acompanhado do aprofundamento da integração política. Por mim, posso viver tanto com uma Europa pré-Maastricht como com uma Europa federal.
O que temos agora é que não é viável.
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Nos últimos dias, a crise do euro entrou numa nova fase, fundamentalmente por se ter tornado evidente para quase todos os principais actores que, longe de estancar a especulação contra as dívidas soberanas, uma operação de socorro do EFSF em Portugal contagiaria de imediato a Espanha.
De modo que, mais uma vez, funcionou na perfeição a táctica portuguesa de nos safarmos empurrando para debaixo dos holofotes o país que está mais a jeito. Depois da Grécia e da Irlanda, foi agora a vez dos nossos vizinhos. Desculpem, rapazes, mas é a vida.
A ideia que está a ganhar adeptos consiste em criar um esquema permanente de auxílio aos países em dificuldades que, sem dramas nem sobressaltos, elimine de uma vez por todas as dúvidas quanto à possibilidade real de eles virem a satisfazer os seus compromissos financeiros futuros.
A solução passa por reestruturar o EFSF reforçando a sua capacidade e o seu âmbito de intervenção. Por vias ínvias acabaremos, afinal, por ter o BCE a financiar directamente os estados e euro-obrigações canalizando recursos a taxas razoáveis para quem deles necessita.
Resta só o problema de inventar para os bois designações eufemísticas que não choquem a mentalidade obtusa da Srª Merkel e do seu gabinete: a criatividade semântica ao estilo latino ao serviço da obsessiva lógica germânica revela-se mais uma vez a metodologia pan-europeia adequada para fomentar a convergência de visões políticas nacionais conflituantes. Quem diria?
Vamos então deixar trabalhar tranquilamente os assessores da Comissão Europeia, e daqui a dois meses estará pronto um texto que nos nossos países periféricos seria alinhavado em 48 horas.
A parte chata é que a Alemanha exigirá, para satisfazer a plebe doméstica, um controlo directo sobre as políticas orçamentais dos países membros, incluindo compromissos de harmonização fiscal que provocarão a ira da Irlanda e da Europa do Leste.
Tudo bem, desde que isso seja acompanhado do aprofundamento da integração política. Por mim, posso viver tanto com uma Europa pré-Maastricht como com uma Europa federal.
O que temos agora é que não é viável.
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17.1.11
Fanáticos da ruralidade
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Quem investiga por que é tão baixa a produtividade em Portugal acaba mais tarde ou mais cedo por tropeçar no tema da dispersão da nossa população.
Permanecemos um dos países menos urbanizados da Europa (segundo algumas fontes o menos urbanizado), o que implica custos elevadíssimos de infra-estruturação do território para proporcionar às populações serviços básicos de água, electricidade, telecomunicações, transportes, educação e saúde.
Um dos principais obstáculos à resolução destes problemas é a persistente ideologia ruralista que, invocando o bucolismo de qualquer aldeia miserável perdida no alto de um monte, combate a concentração urbana e exige que o Estado vá levar à porta de qualquer eremita tudo aquilo que ele entenda exigir.
O post que o José M. Castro Caldas escreveu sobre o eventual encerramento do ramal Lousã - Coimbra encaixa perfeitamente neste género literário. A dita linha férrea tem quase 30 kms de extensão e atravessa uma região insuficientemente povoada para justificar a utilização quotidiana intensiva de um comboio urbano (seja ele pesado ou ligeiro). Isso não comove, porém, o opinante.
Segundo depreendo, o grande argumento para continuar a haver essa ligação ferroviária é que dantes havia, mas eu tenho alguma dificuldade em me deixar impressionar pela força de tais razões.
Como seria de esperar, o José M. Castro Caldas considera desprezível a pequena dificuldade da, como ele escreve, "falta de verba". Ele vive na Lousã, dava-lhe jeito a automotora, que mais haverá a dizer? A verba tem que vir de algum sítio - provavelmente, do tal "imposto sobre as grandes fortunas" que duma vez por todas resolveria os problemas do país.
No mundo real, a "falta de verba" é uma dificuldade recorrente, de modo que é preciso fazer escolhas: ou ela vai para uma coisa, ou vai para outra. "Metros" na Lousã e em Mirandela não passarão certamente num teste de mérito comparativo face a outras alternativas mais prementes e racionais.
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Quem investiga por que é tão baixa a produtividade em Portugal acaba mais tarde ou mais cedo por tropeçar no tema da dispersão da nossa população.
Permanecemos um dos países menos urbanizados da Europa (segundo algumas fontes o menos urbanizado), o que implica custos elevadíssimos de infra-estruturação do território para proporcionar às populações serviços básicos de água, electricidade, telecomunicações, transportes, educação e saúde.
Um dos principais obstáculos à resolução destes problemas é a persistente ideologia ruralista que, invocando o bucolismo de qualquer aldeia miserável perdida no alto de um monte, combate a concentração urbana e exige que o Estado vá levar à porta de qualquer eremita tudo aquilo que ele entenda exigir.
O post que o José M. Castro Caldas escreveu sobre o eventual encerramento do ramal Lousã - Coimbra encaixa perfeitamente neste género literário. A dita linha férrea tem quase 30 kms de extensão e atravessa uma região insuficientemente povoada para justificar a utilização quotidiana intensiva de um comboio urbano (seja ele pesado ou ligeiro). Isso não comove, porém, o opinante.
Segundo depreendo, o grande argumento para continuar a haver essa ligação ferroviária é que dantes havia, mas eu tenho alguma dificuldade em me deixar impressionar pela força de tais razões.
Como seria de esperar, o José M. Castro Caldas considera desprezível a pequena dificuldade da, como ele escreve, "falta de verba". Ele vive na Lousã, dava-lhe jeito a automotora, que mais haverá a dizer? A verba tem que vir de algum sítio - provavelmente, do tal "imposto sobre as grandes fortunas" que duma vez por todas resolveria os problemas do país.
No mundo real, a "falta de verba" é uma dificuldade recorrente, de modo que é preciso fazer escolhas: ou ela vai para uma coisa, ou vai para outra. "Metros" na Lousã e em Mirandela não passarão certamente num teste de mérito comparativo face a outras alternativas mais prementes e racionais.
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14.1.11
13.1.11
A locomotiva portuguesa
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O relativo sucesso da emissão da dívida portuguesa ao princípio da manhã de ontem gerou uma vaga de optimismo renovado que contaminou positivamente as bolsas de todo o mundo.
A euforia estendeu-se inclusive aos mercados de matérias-primas, empurrando o petróleo para preços próximos dos 100 dólares.
Zapatero dormiu melhor, Merkel sorriu, Trichet respirou de alívio.
Parece que, afinal, em matéria de boas notícias, o mundo contenta-se com pouco. Do que se precisa não é, pois, de drásticas reduções do desemprego nos EUA ou grandes sucessos exportadores da Alemanha: qualquer emissãozinha de dívida soberana portuguesa a 6,85% põe toda a gente feliz.
Definitivamente, os chineses é que sabem qual o sítio certo para pôr o dinheiro.
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O relativo sucesso da emissão da dívida portuguesa ao princípio da manhã de ontem gerou uma vaga de optimismo renovado que contaminou positivamente as bolsas de todo o mundo.
A euforia estendeu-se inclusive aos mercados de matérias-primas, empurrando o petróleo para preços próximos dos 100 dólares.
Zapatero dormiu melhor, Merkel sorriu, Trichet respirou de alívio.
Parece que, afinal, em matéria de boas notícias, o mundo contenta-se com pouco. Do que se precisa não é, pois, de drásticas reduções do desemprego nos EUA ou grandes sucessos exportadores da Alemanha: qualquer emissãozinha de dívida soberana portuguesa a 6,85% põe toda a gente feliz.
Definitivamente, os chineses é que sabem qual o sítio certo para pôr o dinheiro.
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10.1.11
Não se pode deitar fora o bolo e perdê-lo
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A competição pelas más notícias é tão intensa que não é raro os seus mais dedicados praticantes tropeçarem nos próprios pés.
Um investigador alvitrou recentemente a possibilidade de na última década terem emigrado entre 700 e 900 mil portugueses. A partir desta hipótese, resmas de Cassandras teceram de pronto uma narrativa catastrófica relacionando essa fuga para o exterior com o "empobrecimento" do país. Alguns comentadores mais azougados viram mesmo um paralelo com a emigração massiva ocorrida nos anos 60.
Veremos se a estimnativa se confirma. Afinal, dentro de breves meses o Censo dir-nos-á com razoável rigor qual é a actual população do país.
Entretanto, convém lembrar que, se formos hoje menos 7 a 9% que em 2010, o produto per capita terá variado positivamente numa proporção quase igual. O que significaria que, afinal, teriamos convergido significativamente com a UE a 12 em vez de divergir.
Restaria então explicar porque é que haveria tanta gente a abandonar um país cada vez mais rico tanto em termos absolutos como relativos.
Ai, ai. A vida é difícil até para os tele-economistas.
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A competição pelas más notícias é tão intensa que não é raro os seus mais dedicados praticantes tropeçarem nos próprios pés.
Um investigador alvitrou recentemente a possibilidade de na última década terem emigrado entre 700 e 900 mil portugueses. A partir desta hipótese, resmas de Cassandras teceram de pronto uma narrativa catastrófica relacionando essa fuga para o exterior com o "empobrecimento" do país. Alguns comentadores mais azougados viram mesmo um paralelo com a emigração massiva ocorrida nos anos 60.
Veremos se a estimnativa se confirma. Afinal, dentro de breves meses o Censo dir-nos-á com razoável rigor qual é a actual população do país.
Entretanto, convém lembrar que, se formos hoje menos 7 a 9% que em 2010, o produto per capita terá variado positivamente numa proporção quase igual. O que significaria que, afinal, teriamos convergido significativamente com a UE a 12 em vez de divergir.
Restaria então explicar porque é que haveria tanta gente a abandonar um país cada vez mais rico tanto em termos absolutos como relativos.
Ai, ai. A vida é difícil até para os tele-economistas.
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... then we take Berlin!
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O resgate da Grécia era suposto pôr fim à especulação contra a zona euro e travar o contágio aos restantes países.
Meio ano depois, o resgate da Irlanda era suposto pôr fim à especulação contra a zona euro e travar o contágio aos restantes países.
O resultado está à vista: os juros cobrados à Grécia e à Irlanda não baixaram, e continuaram a subir os cobrados a Portugal, à Espanha, à Itália, à Bélgica e à própria França.
O resgate não melhorou a situação dos países socorridos, visto que os forçou a dolorosos ajustamentos que os lançaram na recessão ao mesmo tempo que lhe concedeu empréstimos caros (6% a cinco anos no caso da Irlanda). Ninguém percebe como poderão a Grécia e a Irlanda alguma vez sair do buraco em que se encontram.
O que, sim, toda a gente percebe, é que especular na baixa contra as dívidas soberanas dos países europeus e contra as acções dos seus bancos vale a pena. Por que não persistir neste caminho?
Note-se que, tomada como em todo, a zona euro não tem qualquer problema de financiamento público ou privado, interno ou externo. A percepção de risco das dívidas soberanas só surgiu na sequência de declarações de responsáveis alemães e europeus que tornaram pública a ruptura do compromisso tácito de solidariedade intra-europeia até então prevalecente.
Significa isso que esta crise financeira da zona euro resulta única e exclusivamente de decisões políticas tomadas pelo Partido dos Pacóvios Europeus (PPE) que no presente controla a esmagadora maioria dos governos europeus, o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia.
Dada a experiência recente, alguém acredita que o resgate de Portugal pelo EFSF e pelo FMI travaria a descida aos abismos da zona euro? É muito pouco provável.
Toda a gente entende que, uma vez abatido Portugal, todas as atenções se virariam imediatamente para a Espanha. Pela dimensão da sua economia e da sua dívida pública e privada, a Espanha é, como disse Paul Krugman o filet mignon mais apetecido pelos especuladores.
Alguns cálculos elementares permitem, porém, duvidar que o EFSF disponha de meios financeiros suficientes para socorrer a Espanha. Ora, onde há dúvida, há risco, e o risco, neste caso, é de monta, porque implicaria de imediato a escalada da especulação contra todos os restantes países europeus (tanto os que integram a zona euro como os restantes).
O impacto de uma tal eventualidade sobre a economia mundial seria com alta probabilidade bem superior ao da falência do Lehman Brothers. Curiosamente, só os chineses parecem preocupados com essa possibilidade.
Com a desagregação da zona euro, os alemães teriam de volta o seu amado marco, só que com a pequena desvantagem de ele valer talvez 50% mais que o euro, o que eliminaria de uma penada a competitividade da indústria teutónica e projectaria o desemprego da Alemanha para níveis semelhantes aos da Espanha.
Dada a obtusidade do Partido Pacóvio Europeu, a única esperança dos cidadãos do Velho Continente é que a situação económica se degrade tão rápida e drasticamente que todos compreendam que o curso encetado pela União Europeia há quase um ano não nos conduz a lado nenhum.
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O resgate da Grécia era suposto pôr fim à especulação contra a zona euro e travar o contágio aos restantes países.
Meio ano depois, o resgate da Irlanda era suposto pôr fim à especulação contra a zona euro e travar o contágio aos restantes países.
O resultado está à vista: os juros cobrados à Grécia e à Irlanda não baixaram, e continuaram a subir os cobrados a Portugal, à Espanha, à Itália, à Bélgica e à própria França.
O resgate não melhorou a situação dos países socorridos, visto que os forçou a dolorosos ajustamentos que os lançaram na recessão ao mesmo tempo que lhe concedeu empréstimos caros (6% a cinco anos no caso da Irlanda). Ninguém percebe como poderão a Grécia e a Irlanda alguma vez sair do buraco em que se encontram.
O que, sim, toda a gente percebe, é que especular na baixa contra as dívidas soberanas dos países europeus e contra as acções dos seus bancos vale a pena. Por que não persistir neste caminho?
Note-se que, tomada como em todo, a zona euro não tem qualquer problema de financiamento público ou privado, interno ou externo. A percepção de risco das dívidas soberanas só surgiu na sequência de declarações de responsáveis alemães e europeus que tornaram pública a ruptura do compromisso tácito de solidariedade intra-europeia até então prevalecente.
Significa isso que esta crise financeira da zona euro resulta única e exclusivamente de decisões políticas tomadas pelo Partido dos Pacóvios Europeus (PPE) que no presente controla a esmagadora maioria dos governos europeus, o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia.
Dada a experiência recente, alguém acredita que o resgate de Portugal pelo EFSF e pelo FMI travaria a descida aos abismos da zona euro? É muito pouco provável.
Toda a gente entende que, uma vez abatido Portugal, todas as atenções se virariam imediatamente para a Espanha. Pela dimensão da sua economia e da sua dívida pública e privada, a Espanha é, como disse Paul Krugman o filet mignon mais apetecido pelos especuladores.
Alguns cálculos elementares permitem, porém, duvidar que o EFSF disponha de meios financeiros suficientes para socorrer a Espanha. Ora, onde há dúvida, há risco, e o risco, neste caso, é de monta, porque implicaria de imediato a escalada da especulação contra todos os restantes países europeus (tanto os que integram a zona euro como os restantes).
O impacto de uma tal eventualidade sobre a economia mundial seria com alta probabilidade bem superior ao da falência do Lehman Brothers. Curiosamente, só os chineses parecem preocupados com essa possibilidade.
Com a desagregação da zona euro, os alemães teriam de volta o seu amado marco, só que com a pequena desvantagem de ele valer talvez 50% mais que o euro, o que eliminaria de uma penada a competitividade da indústria teutónica e projectaria o desemprego da Alemanha para níveis semelhantes aos da Espanha.
Dada a obtusidade do Partido Pacóvio Europeu, a única esperança dos cidadãos do Velho Continente é que a situação económica se degrade tão rápida e drasticamente que todos compreendam que o curso encetado pela União Europeia há quase um ano não nos conduz a lado nenhum.
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4.1.11
As estatísticas do desemprego não são recolhidas para excitar os jornalistas
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Alguns media estão indignados pela alteração do método de cálculo da taxa de desemprego.
Dizem, por um lado, que o inquérito telefónico transforma o processo numa sondagem; por outro, que os dados deixam de ser comparáveis com os do passado.
Sucede que as estatísticas do desemprego sempre foram calculadas por sondagem através de uma amostra aleatoriamente constituída. Ou julgam que o INE ia casa a casa perguntar a toda a gente se tinha ou não tinha emprego? Você, por exemplo, alguma vez foi inquirido?
Depois, há a questão da comparabilidade. Ora, variando a amostra de sondagem para sondagem, varia também o erro amostral, pelo que, em rigor, os dados do desemprego nunca são comparáveis. Dizer-se, por exemplo, que o desemprego baixou 0,1 pontos percentuais com base nas estatísticas é um disparate, porque essa variação e inferior ao erro da amostra. Só grandes e persistentes variações têm significado estatístico.
Quando se necessita absolutamente de eliminar esse tipo de erro, cria-se um painel fixo de entrevistados, mas essa solução tem outros problemas que não vêm para o caso.
É, porém, indisputável que a passagem da sondagem presencial para a telefónica introduz uma perturbação de monta. Tenderá ela a aumentar ou a reduzir a taxa de desemprego? Podemos sabê-lo olhando para o que aconteceu noutros países quando operaram alterações semelhantes. Eu não sei, mas o INE decerto saberá, e seria bom que nos informasse.
As alterações de metodologia estatística são o pesadelo dos historiadores económicos, pois que, ao introduzirem rupturas nas séries económicas, dificultam a sua interpretação. Mas, na esmagadora maioria dos casos, melhoram a qualidade dos dados e reduzem o custo da recolha. Os que lamentam a adopção de padrões mais próximos dos utilizados nos restantes países da UE também devem ter chorado a troca do burro pelo automóvel.
Duma coisa podemos estar certos: se acaso a primeira sondagem conduzida com a nova metodologia gerar uma taxa de desemprego superior, os jornalistas vão achar que, afinal, os dados sempre são comparáveis.
Até já estou daqui a ver os títulos: "Desemprego aumenta apesar de Sócrates ter alterado metodologia de cálculo."
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Alguns media estão indignados pela alteração do método de cálculo da taxa de desemprego.
Dizem, por um lado, que o inquérito telefónico transforma o processo numa sondagem; por outro, que os dados deixam de ser comparáveis com os do passado.
Sucede que as estatísticas do desemprego sempre foram calculadas por sondagem através de uma amostra aleatoriamente constituída. Ou julgam que o INE ia casa a casa perguntar a toda a gente se tinha ou não tinha emprego? Você, por exemplo, alguma vez foi inquirido?
Depois, há a questão da comparabilidade. Ora, variando a amostra de sondagem para sondagem, varia também o erro amostral, pelo que, em rigor, os dados do desemprego nunca são comparáveis. Dizer-se, por exemplo, que o desemprego baixou 0,1 pontos percentuais com base nas estatísticas é um disparate, porque essa variação e inferior ao erro da amostra. Só grandes e persistentes variações têm significado estatístico.
Quando se necessita absolutamente de eliminar esse tipo de erro, cria-se um painel fixo de entrevistados, mas essa solução tem outros problemas que não vêm para o caso.
É, porém, indisputável que a passagem da sondagem presencial para a telefónica introduz uma perturbação de monta. Tenderá ela a aumentar ou a reduzir a taxa de desemprego? Podemos sabê-lo olhando para o que aconteceu noutros países quando operaram alterações semelhantes. Eu não sei, mas o INE decerto saberá, e seria bom que nos informasse.
As alterações de metodologia estatística são o pesadelo dos historiadores económicos, pois que, ao introduzirem rupturas nas séries económicas, dificultam a sua interpretação. Mas, na esmagadora maioria dos casos, melhoram a qualidade dos dados e reduzem o custo da recolha. Os que lamentam a adopção de padrões mais próximos dos utilizados nos restantes países da UE também devem ter chorado a troca do burro pelo automóvel.
Duma coisa podemos estar certos: se acaso a primeira sondagem conduzida com a nova metodologia gerar uma taxa de desemprego superior, os jornalistas vão achar que, afinal, os dados sempre são comparáveis.
Até já estou daqui a ver os títulos: "Desemprego aumenta apesar de Sócrates ter alterado metodologia de cálculo."
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