30.3.11

Que fazer à Caixa?

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Pedro Lains não é favorável à privatização da Caixa:
"Todas as contas feitas, as coisas não têm corrido mal. A Caixa é uma boa fonte de receitas para o Estado e uma boa fonte de política financeira, sendo ao mesmo tempo um banco como os outros. Privatizá-la, para quê? Só se for para pagar uma parte da dívida nacional. Mas isso seria bom?

"Objectivamente, não, pois seria uma parte diminuta da dívida e, mais importante, o que interessa não é tanto pagar a dívida, mas sim garantir que ela não volte a crescer como até aqui, o que deve ser feito obrigando os mercados a dar os sinais correctos, resultado que não seria seguramente ajudado por um resgate artificial. A história acaba sempre por absolver. Mas quem privatizar a Caixa vai ter algum trabalho em passar pelo crivo. Sobretudo agora, que a venderia com um grande desconto."
Por mim, admito que tenho dúvidas.

Concebo que a Caixa permaneça gerida pelo Estado contanto que possa ser um instrumento útil ao serviço de uma estratégia de desenvolvimento. Sucede, porém, que essa estratégia não existe.

Sublinho: não é que não seja conhecida: não existe mesmo. Sustento a minha convicção nas declarações públicas de administradores da instituição, segundo os quais se trata de um banco como qualquer outro. Mas, se é um banco como qualquer outro, que sentido fará permanecer sob controlo público?

Acontece que, na verdade, não é um banco como os outros. Desempenha o papel de muleta dos bancos privados num sentido por vezes nocivo ao interesse público e faz uns jeitos a grupos industriais poderosos, possivelmente cedendo a pressões governamentais. Estou a pensar, por exemplo, nas manobras que envolveram a compra de ações da CIMPOR a Manuel Fino.

De modo que a minha inclinação é a seguinte: ou se define uma orientação clara de promoção do interesse público de que a propriedade da Caixa seria um instrumento, ou privatize-se a dita - mas não agora, é claro, porque seria forçosamente mal vendida.

Recomendo um raciocínio similar para se decidir se faz ou não sentido privatizar-se a RTP, visto não podermos continuar a pagar por um serviço público que ou não existe ou é intoleravelmente exíguo.
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23.3.11

Desemprego e projeto de vida

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Hoje, no Jornal de Negócios, escrevo sobre qualificações, iniciativa e emprego juvenil:

"Não quero insinuar que o empreendedorismo é a panaceia para o desemprego, uma tolice muito em voga. Porém, enquanto as economias ocidentais permanecerem estagnadas, cada qual terá de cuidar do seu jardim. Bem pior do que estar-se desempregado é não se ter um projecto de vida."

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De vez em quando, lá aparece alguém que pensa

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James Kwak, sobre a eficácia relativa de estratégias alternativas de redução dos custos na saúde:
"One refrain you heard incessantly during the health care reform debate was that we have high health care costs because of overconsumption and we have overconsumption because people don’t bear a high enough share of their marginal health care costs, so the solution is to increase copays and deductibles. (...) But (...) one large company that tried this year after year (...) only saw their costs going up. The problem was that while most members responded to the higher copays and kept their costs more or less steady, the 5 percent of members who generated 60 percent of the costs behaved differently. Or, rather, they also reduced consumption (of doctor’s visits and prescription medications), but as a result they often had catastrophic outcomes. These were people with heart disease on cholesterol-lowering medications, and when they went off their medications they ended up in the hospital with heart attacks and then with congestive heart failure.

(...)

"It seems that for the people who consume the most health care dollars, you can save money simply by focusing on giving them better care — because right now their big problems are things like coverage gaps that prevent them from getting basic care, not being on the right medications, and ending up in the emergency room for catastrophic problems. Maybe for most people you would not save money simply by providing better care, but for the few people who consume most of the system’s resources, maybe you would save money. The problem is that with few exceptions, no one is trying to do that. That’s what we need an incentive for."
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22.3.11

Só para recordar como a Europa é uma coisa complicada

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Encontrado aqui.
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17.3.11

Para reformar o ensino da economia

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Robert Skidelsky:
"So an ideal undergraduate curriculum should aim to introduce breadth in the first year, core competencies in the second, and depth in the third, without choosing between the different schools – new classical, Keynesian, Hayekian, Schumpeterian, etc. ‘Disciplined eclecticism’ or ‘horses for courses’ will be our watchword. By this approach we might hope to mitigate the risk that, starting from a mistake, we end up in Bedlam."
Nota: "Bedlam" pode ser traduzido por "Júlio de Matos".
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15.3.11

Como me tornei monja

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Quando a família se muda para a cidade, o pai leva a sua ansiosa filhiNha a provar o primeiro gelado. Em vez do aguardado encanto, porém, a reação da menina é o vómito e a rejeição.

A partir daí, uma inesperada mas lógica cadeia de acontecimentos produz dramas em catadupa. Contar nem que fosse um bocadinho da história estragaria o prazer ao futuro leitor, de modo que ficarei por aqui.

Aira introduz no relato desde o início um elemento que constantemente perturba e agita o entendimento do que estamos a ler: estranhamente, o narrador infantil umas vezes é menino, outras menina. O constante desafio à estabilidade percetual do leitor é, de resto, um recurso que Aira utiliza com mestria, de surpresa em surpresa até, literalmente, à última linha.

Por que se tornou afinal aquela criança monja? Essa é uma questão que fica ao nosso cargo resolver.

Bom material, esta curta novela - a primeira que li deste autor.
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14.3.11

Exercício de cálculo mental

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Sendo uma pessoa geralmente generosa, admiti inicialmente que a área do Rossio poderia rondar 2 hectares.

Mas não: usando um método razoavelmente rigoroso cujo segredo não estou autorizado a divulgar, posso anunciar-vos que não chega sequer a 1 hectare.

Não compliquemos, porém. Admitamos então que a área é de 1 hectare, recordemos que 1 hectare equivale a 10.000 m2 e façamos de conta que o Rossio rebentava de gente pelas costuras.

Ora aqui fica um problema simples, que até um licenciado em Letras deveria ser capaz de resolver: quantos manifestantes deveria haver por m2 para que na praça coubessem 200 mil?
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11.3.11

Algo me diz que isto tem a ver connosco

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Outra vez Rodrik:
"In many (...) parts of the world (...) we have observed a rather curious and unwelcome development in recent decades – structural change in the wrong direction. Modern, high-productivity industries have come to employ a smaller share of the economy’s labor force, while informal and other low-productivity activities have expanded. For example, since around 1990, structural change in the typical Latin American and Sub-Saharan African country has undermined rather than boosted growth.
(...)
"Appropriate policies can help. One lesson is to avoid premature collapse of import-competing industries that employ substantial numbers of people before sufficient employment opportunities have emerged in more productive industries. Asian countries, for instance, have typically liberalized at the margin (through export subsidies or special economic zones), spurring new export industries without pulling the rug from under the rest.

"Second, the exchange rate is vitally important. Competitive currencies promote and protect modern tradable industries that employ a substantial share of the labor force. We found in our research that countries with competitive currencies were much more likely to experience growth-enhancing structural change.

"Finally, flexible labor-market policies seem to be important, too. Legal requirements that significantly increase the costs of hiring and firing labor discourage employment creation in new industries.

"Structural change does not automatically accelerate economic development. It needs a nudge in the appropriate direction, especially when a country has a strong comparative advantage in natural resources. Globalization does not alter this underlying reality. But it does increase the costs of getting the policies wrong, just as it increases the benefits of getting them right."
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10.3.11

O FMI chegou e trouxe coisas boas

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Este video do FMI traz-nos uma conferência sobre crescimento que recentemente reuniu alguns dos mais destacados economistas da especialidade: Dani Rodrik, Michael Spence (Nobel em 2001), George Akerlof (idem), Paul Romer (eterno candidato a Nobel, prejudicado pela sua mono-mania) e Andrew Sheng (sobre o qual nada sei).

Acho especialmente intrigante um facto para o qual Rodrik tem vindo a chamar a atenção: em vários países, a dinâmica "natural" dos mercados desvia trabalhadores de sectores mais produtivos para sectores menos produtivos, ao contrário do que a teoria prevê e do que intuitivamente tenderiamos a esperar. Tem vindo a acontecer na América Latina e desconfio que, numa escala que desconheço, também terá sucedido em Portugal nos últimos vinte anos.

PS: Atenção, o chinês é o tipo mais esperto do painel.
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"A primeira geração da história que vai viver pior que os seus pais"

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Será verdade que os jovens de hoje serão a primeira geração da história que vai viver pior do que os seus pais?

Acredito que um médico filho de um médico ou um advogado filho de um advogado dificilmente alcançará o nível de vida dos seus pais. Pela simples razão de que, não tendo a procura de médicos e advogados crescido tão depressa quando a oferta, as respectivas competências sofreram uma desvalorização relativa, bem notória no facto de essas e outras profissões qualificadas terem perdido algo do seu prestígio social.

Acontece, porém, que a grande maioria dos novos licenciados não são filhos de gente com estudos. Bem pelo contrário, nasceram e cresceram em famílias de pequenos funcionários, empregados administrativos, comerciantes ou mesmo, em muitos casos, trabalhadores da indústria e da agricultura.

Ora, não pode haver dúvidas de que estes viverão muito melhor que os seus pais. Trata-se, aliás, de um facto de mera observação, sem necessidade de comprovação estatística, para qualquer pessoa que ande por cá há algum tempo e tenha uma moderada preferência por abrir os olhos à realidade.

Mas quem só acredita em números pode mais uma vez ir aqui para verificar que os jovens de hoje ganham em termos reais 10% mais do que os jovens de há uma dúzia de anos.

Gaita, como é que certas pessoas têm imaginação para inventar tanta treta?
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O drama do desemprego juvenil

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O desemprego entre os jovens é sempre maior do que no resto da população.

Por quê? Por um lado, porque neste grupo etário há proporcionalmente mais gente a entrar no mercado de trabalho; por outro, porque, desfrutando muitos de proteção familiar, podem gastar mais tempo em busca da ocupação mais vantajosa, prolongando no tempo a situação de inactividade.

Mas estará ao menos o desemprego juvenil a aumentar proporcionalmente mais do que o da generalidade da população activa? Não, como se demonstra neste post (leiam também os restantes da série).

Em contrapartida, a situação agravou-se relativamente mais recentemente no segmento mais velho dos trabalhadores, aquele que, para além de não poder recorrer ao apoio da família, ainda por cima tem crianças e jovens a seu cargo.

Não parece, pois, justificar-se uma particular preocupação com o desemprego juvenil.

Se, porém, como cada vez parece mais provável, a economia permanecer estagnada por muito tempo, uma parte das novas gerações poderá sofrer um dano permanente na medida em que permanecerá inactiva precisamente na idade vital para o sucesso de uma carreira profissional.

Nesse sentido - e só nesse - o desemprego juvenil pode vir a ter consequências particularmente destrutivas para as suas vítimas.
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9.3.11

"A geração mais bem preparada de sempre"

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Serão de facto os jovens actuais a geração mais bem preparada de sempre? Sem dúvida, mas apenas no sentido em que, em números absolutos e relativos, não só nunca houve tanta gente a saber ler e escrever, como também nunca houve tanta gente munida de licenciatura, mestrado ou doutoramento.

Não é, porém, menos verdade que o licenciado médio de hoje sabe muito menos que um licenciado da mesma especialidade há meio século atrás. Vou mesmo mais longe: raros serão os detentores de uma licenciatura ou mestrado de hoje que se equivalem ao licenciado médio dessa época não muito longínqua.

Em contrapartida, uma vez ingressados no mercado de trabalho, os jovens de hoje rapidamente adquirem níveis de qualificação profissional comparativamente elevados, dado que o mundo laboral é hoje incomparavelmente mais exigente e enriquecedor. Digamos que essa circunstância feliz acaba por compensar o handicap à partida.

Faz falta, porém, aprofundar um pouco o que significa essa alegação, frequentemente invocada pelos próprios para fustigarem quem os não emprega, segundo a qual eles seriam “os mais bem preparados de sempre”.

Quem se prepara, prepara-se para alguma coisa. Ora parece indiscutível que os jovens podem ter sido preparados para muita coisa, mas não exactamente para a realidade em que acabaram por aterrar.

Afloramos aqui um problema sério e difícil, que é este: a escola forma os estudantes ao longo de quase vinte anos para um mundo que, a bem dizer, não sabe qual virá a ser. De modo que, de tanto se esforçar por prepará-los bem para o mundo de há vinte anos, não os preparou para o mundo actual.

Muitas indústrias, actividades, qualificações e profissões desapareceram ou migraram entretanto para outras paragens. Outras brotarem do solo como por milagre ou vieram cá parar. É indispensável, por isso, alterar os planos originais de carreira, em vez de persistir aferrado a projectos cujo tempo passou.

Em certas actividades – precisamente as mais criativas, associadas quer às ciências quer às artes – a estrutura empresarial é por natureza frágil e provisória. Não é razoável contar-se aí com emprego estável.

O mercado interno é insuficiente para justificar cada vez mais actividades empresariais, de modo que faz falta mais gente que queira ir lá para fora vender em detrimento de jantar em casa da mãe.

As qualificações desvalorizam-se hoje com grande rapidez. Não há futuro para aqueles “estudantes” que nunca leram um livro completo durante todo o curso e se convenceram de que não precisam de aprender mais nada o resto da vida. Ora parece que se encontram nessa circunstância uns 80% dos nossos jovens.

O facto de o mundo ter mudado tanto não é, obviamente, “culpa” de ninguém, mas já há uma evidente falta de responsabilidade quando insistimos em ignorar como são hoje diferentes as coisas e, logo, nos recusarmos a fazer o que precisa de ser feito para reagir às mutações que não previramos.

Neste ponto, parece que estamos de facto perante uma das gerações pior preparadas de sempre.
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1.3.11

"Say no to Germany’s competitiveness pact"

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Wolfgang Munchau no Financial Times de ontem:
"This is not a fiscal crisis. It is not a crisis of the south. It is a crisis of the private sector and of undercapitalised banks. It is as much a German crisis as it is a Spanish crisis. This acknowledgement must be the starting point of any effective resolution system."
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