29.10.11

Contra números não há argumentos

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Vivaldi terá escrito, segundo uma contagem fidedigna, 478 concertos. Ouvir toda a música de Bach é tarefa para uma vida: só cantatas foram umas 300, entre sagradas e profanas, mas esse foi apenas um dos muitos géneros a que se dedicou. Ao morrer deixou tantas partituras escritas que o seu sucessor achou que teriam melhor uso se delas se servisse para embrulhar peixe.

Com Haydn, desceu-se um patamar de produtividade: 108 sinfonias, 83 quartetos e 26 missas, a par de muitas outras peças menores, pode impressionar, mas só por comparação com o que veio depois. Mozart, que viveu pouco, ainda produziu 52 sinfonias e pelo menos 40 concertos, para além de 19 missas e 23 óperas, mantendo-se ao nível do seu grande antecessor.

É com Beethoven, o primeiro compositor que jamais foi empregado de um aristocrata, que as coisas começam claramente a descambar. Os seus 57 anos de vida apenas renderam 9 sinfonias, 7 concertos, 2 missas e, a muito custo, uma ópera. A partir daqui, instala-se a ineficiência: Schubert, Dvorak, Bruckner e Mahler ficaram-se todos eles pelas 9 sinfonias; Tchaikovski só compôs 6; Mendelssohn, Schuman, e Brahms não foram além das 4; Berlioz e Lizst limitaram-se a uns quantos poemas sinfónicos cada.

Os mais destacados compositores do século XX - entre eles Debussy, Ravel, Stravinsk, Bartok, Gershwin, Schonberg e Berg - pouco escreveram. Chostakovitch destaca-se claramente de todos eles com 15 sinfonias, 6 concertos e 2 óperas, mas esse, sendo artista do povo da União Soviética, era obrigado a dar ao pedal para justificar o salário.

Como se vê, é muito fácil alinhavar um chorrilho de disparates mencionando apenas factos e números verdadeiros.
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28.10.11

Há método nesta estupidez

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Chamar a uma parte da remuneração bruta anual "subsídio" sempre me pareceu uma tolice que estava mesmo a pedi-las.

Não sei quem teve a ideia - às tantas terão sido os sindicatos - mas ela não só tem o condão de transformar em esmola aquilo que é retribuição de trabalho prestado como ainda por cima consegue que os empregadores retenham durante 12 meses sem pagamento dos juros correspondentes uma parte do salário devido.

O génio linguístico dos escrevinhadores da nossa legislação laboral teve que esperar pelo descaramento de Passos e Relvas para se revelar em todo o seu esplendor perante a nação estupefacta.

Andámos quase quatro décadas a viver de gorjetas e não sabíamos.
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O momento orwelliano da UE

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Opinião de Yanis Varoufakis sobre o novo plano europeu para resolver a crise das dívidas soberanas:
"I think that once investors pore over the details of what’s happening, they will realise that nothing much has happened, so it would be back to business as usual as of the – in the next two or three days."
É favor ler aqui a entrevista na íntegra.
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27.10.11

Uma história mal contada

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Os títulos da dívida grega valiam virtualmente zero. O que a UE ontem fez foi assegurar aos seus detentores metade do seu valor nominal. Alguma coisa é melhor que nada. Mais uma vez, o socorro aos credores foi disfarçado de auxílio aos devedores.

Como é que isso foi conseguido? Transformando o FEEF num mecanismo de garantia de dívidas soberanas, uma espécie de seguro para credores.

A crise que começou no sistema financeiro e depois se transferiu para os estados regressou agora, como não podia deixar de ser, às instituições bancárias.

A ideia do Partido Popular Europeu para resolver o problema continua a ser a mesma: socorrer os bancos impondo-lhes um mínimo de condições e, de passagem, liquidar o estado social a pretexto de que não há dinheiro.

Nas imorredoiras palavras de Passos Coelho, trata-se de transformar os estados em “accionistas passivos” dos bancos em apuros, ou seja, de transferir para todos nós os custos dos ajustamentos necessários para evitar a insolvabilidade do sistema.

Há um problema em tudo isto. Reconhecendo-se finalmente a inevitabilidade de incumprimentos totais e parciais, ficam fragilizados os balanços bancários. Logo, torna-se necessário acelerar a sua recapitalização. Mas isso conduz a uma contracção adicional do crédito, no próprio momento em que América e Europa parecem regressar à recessão.

O preço do reequilíbrio do sistema financeiro vai, por isso, ser pago por todos nós com mais desemprego, mais desvalorização salarial e mais impostos.

E não saímos disto.
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21.10.11

União Europeia? Mas que ideia fantástica!

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20.10.11

Estará Passos a prazo?

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O CDS está desde a formação do governo com um pé dentro e um pé fora dele. Portas pouco se vê e figuras gradas do partido aproveitam qualquer oportunidade para se demarcarem do seu parceiro de coligação.

Se, como é previsível, as coisas correrem mal, o CDS terá sempre interesse em romper a coligação antes do final da legislatura, deixando Passos e o PSD apeados.

Cavaco, um sujeito acima de tudo rancoroso e egocêntrico, não perdoa a Passos sabe-se lá o quê. Já se viu que estará sempre disponível para tirar o tapete ao governo sempre que isso lhe convenha.

O Presidente quer comandar o executivo, por isso não se coíbe de embaraçar o primeiro-ministro com pronunciamentos deslocados e intempestivos.

Suspeito que não descansará enquanto não conseguir forçar a constituição de um governo de sua iniciativa chefiado por Catroga ou Ferreira Leite e suportado por uma ampla coligação que vá do PS ao CDS.

A conversa mole de Seguro convém sobremaneira a esta estratégia. O modo como o PS votará este orçamento será também a este propósito significativo.

Daqui a um ano, com o país em cacos, Gaspar estará de volta ao BCE e Passos à gestão de lixos.
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19.10.11

Uma pessoa vulgar

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"Ninguém podia imaginar uma coisa destas. Um senhor tão calmo, tão sossegado, que falava sempre tão bem aos vizinhos... Quer dizer, ele não era de muitas falas, mas cumprimentava sempre toda a gente."

"Uma vez assustei-me porque me cruzei com ele nas escadas à noite com as luzes apagadas e ele vinha muito silencioso - ele nunca faz barulho nenhum - e só o vi quando quase choquei com ele."

"Não era uma pessoa muito alegre e expansiva, lá isso não. Via-o sempre muito metido consigo mesmo, a pensar nas suas coisas. Mas a gente sabe lá o que vai na cabeça das pessoas."

"Para dizer a verdade, eu cá continuo a não acreditar que ele tenha feito as coisas que se diz que ele fez. Ou, se fez, foi porque alguém o empurrou para fazer isso. Eu cá não acredito."

"Eu até disse à minha comadre: 'Era um bom partido para a sua Amelinha'. 'Jesus, valha-nos Deus!', disse-me ela, e afinal tinha razão."

"Tem aquela fala monocórdica e a gente sentia receio de conversar com ele, mas, tirando isso, é um professor como os outros."

"Uma pessoa muito normal em tudo, muito amigo do seu amigo, com uma maneira de ser muita própria. As pessoas se calhar não acreditam, mas ele uma vez estava tão bem disposto que até o vi a rir-se."

"Uma vez houve um incêndio aqui no prédio que nunca se soube como começou. Ele ficou sempre muito calmo, mas não ajudou a apagá-lo, só olhou."
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Estes malucos que nos governam

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Pedro Lains, hoje, no Jornal de Negócios:
Afinal, Portugal não é a Grécia. É o Chile. De há 30 anos. Não vamos apenas recuar no rendimento per capita, mas também na História, na integração europeia e, seguramente, na qualidade da democracia. Em prol de quê? - Em prol de uma fé. E a troco de quê? - A troco de uma mão cheia de nada.(...)

Nos anos 1980, um grupo de rapazes de Chicago entrou pela ditadura chilena adentro e "cortou com o passado", fazendo um "ajustamento profundo". Os pormenores não cabem aqui, mas quatro questões importantes cabem: o país era então uma ditadura; não estava integrado num espaço económico e monetário alargado; havia uma enorme taxa de inflação; e os mercados internacionais não estavam de rastos. E o desemprego subiu a perto de 25%, sem subsídios, claro, que isso é para os preguiçosos.
Nota: O Negócios é um dos poucos jornais onde hoje se lê alguma opinião de facto independente.
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18.10.11

Vamos fazer de conta que a realidade existe

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O coro dos indignados do Prós e Contras de ontem incluía um sacerdote, muito chocado com os horrorosos défices gerados pela saúde e pela educação.

É claro que ele nunca gastou dois minutos a olhar para o orçamento geral do estado, mas, como é padre numa frequesia rica, as suas paroquianas informaram-no de que as suas mulheres-a-dias têm iPhones, os eletricistas ou polícias seus maridos compraram um Alfa Romeo a prestações, os filhos foram estudar para Oxford e elas só comentam os cruzeiros que fazem no Mediterrâneo. Ainda por cima, têm educação e saúde à borla. Um horror.

Ora vamos lá fazer uma pausa na excitação para considerar um facto elementar: 80% do acréscimo do défice desde que se iniciou a crise resultou diretamente da queda das receitas dos impostos, por sua vez provocada pela quebra da atividade económica.

Quer isto dizer que o brusco salto de mais de vinte pontos percentuais do endividamento total em proporção do produto nada tem a ver com a insustentabilidade do estado social, o envelhecimento da população, o rendimento social garantido e outras malfeitorias do género. Pense-se o que se pensar sobre matérias de política social, não é sério sustentar-se que é nela que radica a origem das nossas presentes aflições.

É ao contrário: a crise financeira com origem nos EUA alastrou a todo o mundo, provocou uma colossal retração económica, levou ao fecho de empresas e ao disparo do desemprego, contraíu o comércio mundial, quebrou a procura interna, baixou as receitas fiscais, contaminou os estados e fez pular o endividamento público. Em resultado, os estados têm agora dificuldade em financiar as suas despesas sociais.

Percebeu, senhor padre? Reze duas avés-marias e três padres-nossos, que a gente perdoa-lhe.
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A pouco e pouco isto começa a fazer sentido

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Considere as seguintes máximas de filosofia política:

1. Pessoas sérias com a mesma informação chegam necessariamente às mesmas conclusões.

2. A responsabilidade política deve ser criminalizada.

3. Haveria grandes vantagens em suspender a democracia por seis meses.

Ligue os pontos e, depois, rasgue pelo ponteado.
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17.10.11

Diário de um trampolineiro (2010-11)

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Os bancos, as mais recentes vítimas da euro-estupidez

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Por estranho que pareça, os bancos estão agora a ser vítimas da mesma euro-estupidez que já nos arruinou a todos.

Insistir na recapitalização acelerada dos bancos neste momento, ainda por cima exigindo que ela seja feita país a país, equivale a decretar uma colossal contração do crédito no momento em que ele faz mais falta.

Se, como Trichet recentemente reconheceu, o sistema financeiro europeu enfrenta um risco sistémico, o que é preciso é encará-lo de frente, o que significa que o Banco Central Europeu deverá assumir o seu papel de emprestador de última instância, ou seja, de garante do sistema.

Naturalmente, a garantia oferecida implicará uma monitorização muito apertada das atividades dos bancos dos diversos países, retirando o apoio àqueles que se recusem a cooperar.

Entretanto, a resolução do problema das dívidas soberanas não pode continuar a ser adiada.
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16.10.11

Dêem-lhe tempo, que ela chega lá

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Fazia sentido, no princípio deste ano, face à dupla pressão dos mercados financeiros e da União Europeia, que o governo português se esforçasse por ganhar tempo.

Tendo em conta que 80% do acréscimo do défice orçamental desde o início da crise se deveu à perda de receita fiscal resultante da quebra da atividade económica, poder-se-ia esperar que a retoma europeia desse uma contribuição decisiva para resolver o problema.

Mesmo assim, a viabilidade dessa estratégia dependia de forma crucial da criação de uma frente comum interna que, unindo os principais partidos, reforçasse a nossa capacidade negocial face à União Europeia.

Sabe-se que isso não aconteceu. O impropriamente chamado PEC IV, que visava precisamente ganhar tempo e proteger os portugueses do pior, foi alegremente chumbado por uma raivosa coligação anti-Sócrates.

Fomos então forçados a negociar com o FMI, o BCE e a Comissão Europeia nas piores condições imagináveis. De um lado, um governo enfraquecido pela oposição maioritária que lhe tirara o tapete no momento menos oportuno; do outro, uma troika entusiasticamente estimulada pelos partidos de direita e por uma parte substancial dos media a impor drásticas condições ao país.

O acordo foi o que se sabe. Ainda assim, o novo governo prometeu de imediato ir ainda mais longe. Como desperdiçar esta oportunidade, há tanto tempo aguardada, de humilhar os pobres, esmagar os trabalhadores e desmoralizar a classe média?

E é neste momento que, com a gigantesca fraude política à vista de todos, Manuela Ferreira Leite vem pedir a renegociação com a troika das medidas a tomar e do prazo de ajustamento do défice. Mas onde é que a senhora tinha a cabeça quando exigiu o chumbo do PEC IV, que visava precisamente isso? Mais alguns meses, e ela chega lá.
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14.10.11

Trabalhar mais para quê?

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Uma ideia nova com barbas: aumentar os horários de trabalho, como alternativa a baixar os salários, porque isso permitiria aumentar a produtividade e a competitividade das empresas.

Primeira observação: trabalhar mais horas não aumenta a produtividade - que deve medir-se por hora trabalhada – mas reduz, de facto, o custo do trabalho por unidade produzida. Todavia, ao contrário do que se diz, os nossos problemas de competitividade têm pouco a ver com esse factor.

Sabe-se que o Banco de Portugal afirmou durante anos que os custos unitários de trabalho em Portugal cresceram muito mais rapidamente que os da Alemanha e que isso tornou as empresas portuguesas cada vezes menos competitivas.

Todavia, as nossas empresas não competem com as alemãs, mas sim com as chinesas e as do leste europeu. Além disso, o Banco de Portugal reconheceu há dois anos que as tais estatísticas estavam mal calculadas, pelo que, embora continuem a ser amplamente citadas cá dentro e lá fora, não ocorreu qualquer agravamento relativo dos custos unitários do trabalho em Portugal.

Dir-se-á, porém, que o aumento das horas de trabalho não poderá fazer mal à saúde da economia portuguesa.

Há quem tema que ele contribuirá para reduzir a procura no mercado laboral e para aumentar o desemprego, mas esse argumento económico não é correto (ou, pelo menos, carece de rigor).

Todavia, é bem provável que a medida tenha consequências negativas sobre a produtividade global. Vejamos por quê.

A baixa produtividade portuguesa não resulta de as pessoas trabalharem poucas horas, mas de estarem em grande parte ocupadas em atividades de baixo valor acrescentado, tantos industriais como de serviço.

O caminho certo é, pois, deslocar os trabalhadores dos sectores de baixa produtividade para os de alta produtividade. Sucede que o aumento dos horários de trabalho entravará esse processo ao proteger atividades que ocupam principalmente gente que desempenha funções que exigem pouco qualificação (basicamente, foi isso que, com a desenfreada distribuição de subsídios, se fez nos governos de Cavaco Silva).

Concluindo, em si mesmo, o alargamento dos horários de trabalho não tem porque aumentar o desemprego, mas não só não aumenta a produtividade como é provável que entrave o seu crescimento, prejudicando, desse modo, a melhoria de competitividade da economia como um todo.

Em compensação, a decisão cairá bem no goto dos ignorantes que julgam que trabalho produtivo equivale a suor, esquecendo que em Portugal (e, em particular, nas atividades de serviço, onde há menos fiscalização) já se trabalha demasiado tempo.
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O Sr. Presidente da Comissão Liquidatária falou ao país

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Nos últimos dias, os jornais foram publicando bocadinhos do orçamento geral do estado de mistura com tretas de conveniência, enquanto os partidos da oposição eram mantidos na mais completa ignorância sobre o seu conteúdo.

À hora marcada, enquanto o PM dava os últimos retoques na maquilhagem e acabava de apertar o nó da gravata, a repórter da RTP anunciava a descoberta de um buraco de 4 mil milhões no próximo ano (!), circunstância que obrigara o governo a introduzir novas e brutais medidas de austeridade.

Passagem para o estúdio, onde o editor de economia Paulo Ferreira, aparentando grande familiaridade com a mensagem que o PM iria comunicar, passou a explicar o que ainda não fora dito.

Finalmente, lá apareceu o galã de telenovela venezuelana que, sempre de olhar fugidio, confirmou o que os arautos da TV pública minutos antes haviam anunciado, num relambório mal embrulhado e interminável que deixou de rastos o empregado do senhor Ângelo e da srª Ângela.

O estilo é o homem.
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12.10.11

Sair ou não sair do euro

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O meu artigo desta semana no Jornal do Negócios - "Há um túnel ao fundo do túnel" - retoma a questão tabú da eventual saída de Portugal do euro.

Em minha opinião, deveríamos começar desde já a discutir se haverá futuro para o país no seio da zona euro e que tipo de rearranjo na arquitetura do sistema monetário europeu deverá ocorrer para que a resposta seja positiva.
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11.10.11

O Relvas vai-se roer todo quando vir isto

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10.10.11

É a estupidez, estúpido

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Só uma pessoa muito estúpida pode escrever isto:
"If the euro is to remain a viable currency across the eurozone, members must behave in the responsible manner contemplated in the Maastricht treaty. But it is not clear that culture, so integral to a nation’s personality, can be easily altered. As Kieran Kelly noted last week: “... if I lived in a country like this [Greece], I would find it hard to stir myself into a Germanic taxpaying life of capital accumulation and arduous labour. The surrounds just aren’t conducive.”"
Pois imaginem voces que quem assina estas linhas é nada mais nada menos que o ex-presidente da Reserva Federal Alan Greenspan.
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9.10.11

A poucas horas da atribuição do Nobel da Economia

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Há quem diga que todas as teorias económicas são erradas, mas algumas são úteis.

Robert Shiller refutou há muitos anos a hipótese dos mercados eficientes mostrando que, na verdade, eles tendem a reagir exageradamente a notícias positivas ou negativas, e, além disso, alertou com grande antecipação para a crescente irracionalidade financeira que haveria de desembocar na crise do sub-prime.

A atribuição do Nobel a Shiller teria, por isso, o valor pedagógico de valorizar a teorização útil da economia.

Pelo contrário, se o prémio fosse para Robert Barro as teorias erradas e inúteis sairiam por cima. Reconheço génio intelectual a Barro, mas considero que revela uma grande falta de consideração pela realidade dos factos. O seu manual de Macroeconomia (já na 5ª edição) assemelha-se muito a um tratado de geometria, partindo de um punhado de axiomas (neste caso extraídos da microeconomia) para daí deduzir uma infinidade de proposições insuficientemente testadas. (Mas é claro que ele poderia sempre ser premiado pela sua investigação no domínio da macroeconomia do desequilíbrio, que cultivou na juventude...)

Quando a Paul Romer, os seus admiradores consideram que ele renovou a teoria do crescimento. Eu estou cada vez mais convencido que ele a liquidou de vez, mas, seja como for, concordo que o Nobel lhe assentaria bem.

Outros economistas que merecem o Nobel: Jorgenson, Thaler, Krueger e Milgrom.
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8.10.11

Steve Jobs, Golias e o futuro da Apple

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Toda a gente concorda que Steve Jobs foi um grande inovador. Mas que inovou ele ao certo?

O interface gráfico com o utilizador e o rato, que fizeram o sucesso do Mac, foram inventados pelo centro de investigação da Xerox de Palo Alto. O iPod foi uma variante de MP3, o iPhone um modelo de smartphone. Anos antes do iPad, não esqueçamos, a Microsoft lançara o Tablet PC.

Não por acaso, o Next e o Newton, porventura as suas mais ousadas criações, redundaram em completos fracassos.

Jobs foi, desde logo, um génio do design. Repetidamente, agarrou em dispositivos obnóxios e transformou-os em objetos de utilização agradável para pessoas comuns.

Mais: usou com inigualável mestria o poder das palavras para dar um sentido mágico a essas coisas, e aí residiu o seu talento de marketing. Começou por apodar o computador pessoal de ferramenta ao serviço da libertação do indivíduo - do eu autónomo, irrequieto e explorador - uma das mais mobilizadoras ficções do mundo contemporâneo.

iMac, iPod, iPhone e iPad, todas estas designações remetem para o mito da capacidade transformadora do eu mínimo e solitário, mas irredutível e poderoso. Sem essa inspiração, jamais o entusiasmo de um punhado de visionários informáticos poderia ter-se transformado no vasto movimento de digitalização da economia, da cultura e da sociedade cujas consequências estamos ainda a descobrir.

A construção de um inimigo desempenhou um papel central na transmutação da contra-cultura californiana dos anos 60 que Jobs viveu intensamente no culto do empreendedorismo multimilionário de jeans e tee-shirt. A IBM foi, numa primeira fase, a encarnação ideal do sistema industrial-burocrático ao qual a Apple se opunha, mais tarde substituída pela igualmente odiada Microsoft enquando ícone atualizado de um poder totalitário e opressivo.

A cruzada populista de Jobs inspirou-se de forma evidente no lendário combate de David contra Golias, um mito constitutivo essencial do espírito democrático americano.

O futuro da Apple encontra-se por isso ameaçado não só pela morte do guia espiritual que conduzia os seus destinos com mão de ferro, mas também, em não menor grau, pelo facto de a Apple ter entretanto ocupado o lugar do odiado Golias.
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Vamos brincar aos stress tests?

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A Thomson Reuters colocou online um simulador que permite avaliar o grau de risco de uma lista de bancos europeus para vários cenários de incumprimento dos países cujas dívidas soberanas ameaçam maior risco.

Vejam aqui e ensaiem as vossas hipóteses.
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7.10.11

Uma oportunidade aberta pela crise europeia

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Uma das escassas coisas boas da presente crise é que, pela primeira vez, a política europeia ocupa o lugar central na discussão política europeia.

Trata-se de uma grande mudança. Até há pouco, as opiniões públicas nacionais encontravam-se quase inteiramente focalizadas em matérias de política interna. Por um lado, as questões europeias permaneciam reservadas a uma restrita elite de políticos, diplomatas e, em menor escala, de gestores de empresas transnacionais. Por outro, os eleitores pediam aos políticos locais responsabilidades pela sua incapacidade de resolverem problemas que, verdadeiramente, não tinham poder para resolver.

Esta situação era duplamente perigosa, porque minava a democracia no interior dos estados-nação ao mesmo tempo que inibia a emergência de uma democracia autêntica ao nível europeu.

A situação melhorou um pouco, mas não necessariamente no sentido mais desejável, porque a visão política hoje dominante tende a opor povos a povos: alemães contra gregos, portugueses contra finlandeses, britânicos contra franceses e por aí fora.

Procura-se fomentar a ideia de que os países diligentes estão a ser obrigados a pagar a fatura dos países desleixados. Parece assim normal que os alemães, os austríacos e os holandeses se sintam insatisfeitos por terem que pagar as dívidas dos gregos, dos portugueses, dos irlandeses, dos espanhóis e dos italianos.

Nada disto tem fundamento, pois o chamado socorro aos países periféricos (na verdade empréstimos que cobram juros nada meigos) pode igualmente ser visto como uma ajuda de emergência aos bancos dos países centrais que se encontrarão em apuros casos ocorra uma ruptura de pagamentos.

Além disso, a ajuda de que os países com défices persistentes mais necessitam é que os países com excedentes persistentes abandonem as suas políticas mercantilistas irracionais que hostilizam a lógica da União Europeia e inviabilizam o funcionamento da zona euro. Pondo as coisas de uma forma mais direta: não precisamos de socorro alemão, precisamos que os salários alemães congelados há uma dúzia de anos aumentem, que os impostos baixem, que o consumo e o investimento aumentem e que, por decorrência, as importações aumentem e o excedente comercial baixe.

Quem se opõe a isto? Basicamente, o Partido Popular Europeu, que atualmente domina a grande maioria dos governos europeus, o conselho europeu, o Parlamento Europeu, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu. Para que a democracia europeia funcione falta apenas que disponhamos de uma maneira de derrubarmos a orientação política que agora domina a União através do voto.

Para isso, é indispensável que o conflito entre povos seja substituído pelo confronto entre partidos com diferentes opções.
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5.10.11

O endividamento não é a causa última da crise

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Um amigo perguntava-me hoje: "Como pode resolver-se a crise com mais endividamento se o endividamento está na origem da crise?"

Convém talvez lembrar uma coisa muito simples: o problema de fundo não é o endividamento, é a incapacidade de os particulares, as empresas e os estados gerarem as receitas suficientes para pagarem as suas dívidas.

Por outras palavras, há duas variáveis na equação: a dívida e o rendimento. Se a dívida cresce mais depressa que o rendimento, há um problema. Se o rendimento cresce mais depressa que a dívida, não há problema nenhum.

Se as economias não crescerem, se o desemprego aumentar, se os salários baixarem e se as empresas falirem, ninguém vai conseguir pagar as dívidas.

O crescimento do endividamento nos EUA na década que precedeu a eclosão da crise financeira iniciada em Agosto de 2007 não pode aliás ser desligado da estagnação do salário mediano real dos trabalhadores americanos durante quase três décadas.

Por detrás da crise de sobreendividamento está uma tradicional crise de sobreprodução (ou sobreconsumo). É essa a causa profunda da situação presente.
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4.10.11

Esplendor à Relvas

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Considere as seguintes frases feitas:

1. Os portugueses já pagam muitos impostos.

2. Não podemos viver acima das nossas possibilidades

3. Foi a política do partido socialista que nos trouxe até aqui

4. Só as empresas criam riqueza

5. O governo não recua perante medidas impopulares.

6. Temos que descolar da Grécia.

7. Não queremos ser a Coreia do Norte.

8. Temos pela frente um caminho de dificuldades.

9. Os nossos adversários temem o nosso sucesso.

10. Não há vacas sagradas da democracia.

Agora escolha uma sequência aleatória delas, por exemplo: 9 - 7 - 1 - 4 - 8 - 2.

Fica assim: "Os nossos adversários temem o nosso sucesso. Não queremos ser a Coreia do Norte. Os portugueses já pagam muitos impostos. Só as empresas criam riqueza. Temos pela frente um caminho de dificuldades. Não podemos viver acima das nossas possibilidades."

Isto é o Relvas a falar.
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3.10.11

Amadorismo no posto de comando

Já toda a gente ouviu falar do relatório da comissão que o governo encarregou de estudar a fusão do AICEP com o IAPMEI e sua eventual integração no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Mas será que alguém o leu?

Que deveríamos esperar de um tal documento? Para começar uma clarificação do propósito do trabalho encomendado à comissão. Em seguida, uma caracterização dos problemas que resultam da situação presente. Depois, a definição das possíveis estratégias alternativas e a avaliação dos seus méritos relativos. Por último, uma recomendação fundamentada ao governo sobre o melhor caminho a seguir.

Nada disso se encontra no caótico relatório. Começa com uma introdução que serve principalmente para tornar evidente como o presidente da comissão se acha uma pessoa fantástica e engraçadíssima. Em seguida, são propostas várias coisas muito vagamente relacionadas com aquilo que sabemos que o governo pediu, incluindo a criação de um conselho estratégico empresarial destinado a assessorar o primeiro-ministro, a comunicação de uma perceção positiva aos portugueses, a execução gradual da estratégia preferida e a unificação das redes externas do país. Por quê? Isso já é querer saber de mais.

Em seguida, anuncia-se que a comissão delineou três cenários alternativos, mas não chegou a acordo sobre qual será o mais indicado. Eis senão quando, para complicar ainda mais as coisas, salta da cartola uma nova “ideia”: a criação de uma instituição dedicada à atração do grande investimento estrangeiro. E o que opinaram então os membros do grupo de trabalho? Ora, o representante do CDS defende que o AICEP deve transitar para o controlo de Portas. Sem surpresa, o representante do Ministério dos Negócios Estrangeiros acha o mesmo. Três membros preferem uma administração comum para o AICEP e o IAPMEI mas discordam aparentemente em certos detalhes que desentendi. Por último, o presidente da comissão faz alarde de uma grande familiaridade com a história diplomática portuguesa (sem que se perceba o propósito da exibição) mas reserva nas profundidades do seu espírito um parecer claro sobre o tema em debate.

Dir-se-ia que, respeitando o sábio princípio segundo o qual a função precede a forma, os autores do relatório deveriam primeiro ter tentado explicitar o que se pretende do AICEP, do IAPMEI e do Instituto do Turismo, para depois, clarificadas as suas missões, considerarem como poderia proceder-se a uma reestruturação capaz de conduzir a resultados melhores do que os atuais.

Mas é claro que, se fosse o propósito, outras pessoas teriam sido chamadas para a comissão. Não se conhece qualquer competência específica de Braga de Macedo na matéria, fora ser um amador de história diplomática. Quanto a Campos e Cunha, nem isso. Se o embaixador António Monteiro tem um pensamento próprio neste particular é algo que ainda desta vez não ficaremos a saber. Nuno Fernandes Thomaz é um cowboy profissional. Restam os dois representantes dos empresários, mas de um deles só fiquei a saber, após alguma pesquisa, que foi este ano condecorado por Cavaco Silva.

Um trabalho sério não poderia ter deixado de envolver, por exemplo, ex-presidentes do AICEP, do IAPMEI e do Instituto de Turismo. Se queriam académicos, teria sido mais indicado incluir algum especialista de marketing internacional e talvez alguém que entendesse de teoria das organizações, não macroeconomistas a leste dos mistérios práticos da atividade exportadora.

Tal como está o relatório documenta um surpreendente amadorismo, esperando-se, talvez ingenuamente, que não defina um padrão para futuras comissões chamadas a pronunciarem-se sobre temas cruciais de política económica.

Braga de Macedo orgulha-se de o trabalho da comissão apenas ter custado 2 mil euros. Muito caro, digo eu, para papel de embrulho.