24.11.05

Fugindo ao assunto

É interessante - mas talvez não excessivamente surpreendente - notar como, de há uns tempos para cá, a direita portuguesa se tem vindo a revelar cada vez mais anti-europeista.

Esta inclinação manifesta-se com toda a clareza, por exemplo, quando qualquer facto negativo ocorrido no nosso Continente - seja ele as bombas em Londres, o fracasso do tratado constitucional, as eleições na Alemanha, o novo estatuto da Catalunha, ou os motins em França - é imediatamente comentado em tons apocalípticos. O mais ínfimo pretexto serve para fazer soar as trombetas do Juízo Final e justificar a sentença que condena irremediavelmente a Europa às eternas penas do Inferno. Um jornalista mais atrevido chegou há dias ao ponto de afirmar na televisão que a Europa atravessa presentemente a mais grave crise da sua História!

É preciso ver as coisas em perspectiva, com a necessária distância histórica. Afinal, a nossa classe dirigente converteu-se à pressa ao europeismo para esconjurar o susto por que passou após 1974. Ela nunca apreciara demasiado a decadente Europa, no conjunto uma região que via como demasiado condescendente, tíbia, pretensiosa e mesmo snob. Em suma, uma gente efeminada com a qual nós, heróis do mar, pouco tínhamos em comum.

Esquecido o traumatismo, normalizado o país, anestesiada a arraia miúda, voltou à crença natural que a impele a fugir à Europa para ir fazer negócios no Brasil, em Angola, em Macau, no Iraque ou nalguma longínqua cleptocracia do Leste Europeu. Que a impele, afinal, a fugir ao assunto. A fugir sempre, sempre, ao assunto - ignorando, ou fingindo ignorar, que é aqui, na Europa, que ganharemos ou perderemos o nosso futuro.

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