29.4.06

O futebol das pátrias



Ninguém diria que um país caótico, imprevisível e genericamente incompetente como a Itália produziria aquele futebol metódico, frio e calculista que delicia algumas poucas pessoas (como eu, por exemplo) e deixa todas as outras em estado de irritação terminal.

Antes de a Inglaterra ter sido tomada de assalto por treinadores e jogadores das mais desvairadas proveniências, o kick and run era uma espécie de selvajaria controlada, possivelmente com raízes nas práticas bélicas de esquecidas tribos saxónicas, mas pouco condizente com a circunspecção e o sangue frio que a lenda atribui aos habitantes daquelas paragens. Entretanto, depois da sua transformação cosmopolita da última década, o futebol inglês, imitando a culinária local, perdeu, para bem dos consumidores, qualquer carácter distintivo nacional.

Os holandeses são um povo eminentemente prático, que adopta as metodologias mais expeditas para atingir o resultado pretendido. Em matéria de bola, porém, uma incompreensível e doentia paranóia leva-os a privilegiar a forma em detrimento de tudo o resto. Para eles, não presta o futebol que não seja bonito e ousado, mesmo que isso os conduza, como tantas vezes aconteceu no passado, a derrotas absurdas que depois choram por toda a eternidade. Mas não só não se emendam, como se esforçam por evangelizar outros povos ainda não convertidos a esse insensato desejo de sofrer.

Jogar à bola é o único trabalho que os portugueses acreditam merecer ser bem feito, desde logo começando o jogo à hora. Minucioso escrutínio das condições de partida, planeamento cuidado e a longo prazo, ponderação antecipada de soluções tácticas alternativas - eis alguns dos traços organizativos que distinguem os nossos melhores clubes, mas não as nossas empresas nem, tão-pouco, o arranjo das nossas vidas privadas.

Para resumir, creio não se confirmar a superstição segundo o qual o futebol de um país retrata com fidelidade o seu carácter nacional.

É claro que há excepções. Os espanhóis, por exemplo, jogam do mesmo modo que fazem qualquer outra coisa, ou seja, com muita convicção e poucos miolos. Mas, ao contrário, do que sucede em tantos domínios, neste esse método não parece funcionar.

O único país cujo futebol ganha em guardar fidelidade ao seu modo de ser é, quer-me parecer, o Brasil. Ao invés do que constatámos no caso da Espanha, porém, o método resulta no futebol mas fracassa miseravelmente em tudo o resto.

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