19.6.06

Perceber de futebol



Um tipo desprevenido imaginaria que quem percebe de futebol é o Ronaldinho. Mas o Ronaldinho, coitado, só sabe jogar à bola. Perceber mesmo de futebol é outra coisa.

Há tipos que "percebem de futebol" sem serem capazes de chutar à baliza, do mesmo modo que o Maquiavel, cujo desajeitado envolvimento em intrigas palacianas o meteu em grandes assados, "percebia de política", ou o Peter Drucker, que jamais se atreveu sequer a abrir uma mercearia, "percebia de gestão".

Mas o que há afinal de tão transcendente para entender no futebol?

À superfície, um desafio esgota-se ao cabo de 90 minutos (caso não haja prolongamento) e os jornais encarregam-se de lhe redigir o epitáfio no dia seguinte: qual o resultado final, quem marcou os golos, quantos cartões foram mostrados e a quem - e está completa a ficha.

Santa ignorância! Como se um jogo de futebol se deixasse resumir dessa maneira simplista!

Uma partida, mesmo a mais vulgar (digamos, opondo duas equipas de garotos de escola), é demasiado complexa para alguma vez se deixar penetrar completamente no seu significado. E que dizer, então, das jogadas épicas que fizeram época, que decidiram torneios, que desfizeram vidas e reputações?

Por muito que se diga e comente, nunca tudo será dito e comentado sobre aquele minuto mágico em que, já lá vão duas décadas, o Maradona fintou meia equipa inglesa e carinhosamente depositou a bola no fundo da rede adversária.

A verdade última de um jogo permanece oculta, envolta numa irritante reserva que só contribui para excitar ainda mais o engenho interpretativo dos adeptos.

Leibniz achava que a mais ínfima parcela da realidade encerra dentro de si todo o universo. Se isso for verdade, como não conjecturar que o segredo último da vida poderá estar oculto num jogo de futebol? Mas só poderá ser descoberto, evidentemente, por alguém que perceba do assunto.

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