9.2.04

Gérard Castello-Lopes



É apenas uma visão das coisas, evidentemente, dado que a fotografia, ao mesmo tempo objectiva e parcial, tem este poder de nos dar a parte pelo todo. Mas acontece que ela coincide muito com a que guardo na minha memória.

No Portugal dos anos 50 e 60 de Gérard Castello-Lopes está tudo parado à espera de não se sabe o quê e a olhar para não se sabe onde. Os únicos e inequívocos sinais de vida provêem de miúdos pobres de ar traquinas que jogam à bola como se nada mais no mundo fizesse sentido.

As imagens do interior do país fazem-me lembrar as reportagens que hoje nos chegam de paragens longínquas subitamente perturbadas na sua placidez secular por uma qualquer intervenção de tropas norte-americanas. Ficou-me na retina aquele sinaleiro supérfluo de Évora parado numa pretensa encruzilhada de ruelas, aguardando o trânsito que não existe.

A própria cidade de Lisboa revela-se profundamente marcada pela ruralidade, traço característico ainda mais acentuado pelo cruel contraste com as fotos da Paris da mesma época.

Uma das fotos mostra-nos burros a passearem em Alcântara, mas também eu recordo carros de bois a voltarem das hortas ao fim do dia na Avenida Estados Unidos da América de meados dos anos 60.

Talvez injustamente, os trabalhos de Castello-Lopes posteriores a 1988 não me interessaram tanto como os da sua primeira fase. Mas será culpa nossa se ele conseguiu evocar de forma tão genial e singular o espírito de uma época tão próxima e, no entanto, já tão distante?

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