28.2.05
Caridade pelo Papa
João Paulo II, que há alguns anos praticamente não consegue falar, acaba de escrever um livro intitulado «Memória e Identidade».
Manuel Carvalho tem a bondade de nos chamar a atenção no Público de hoje para máximas como esta, que podem ser encontradas nesse livro: «se o homem pode decidir por si mesmo, sem Deus, o que é bom e mau, pode também decidir que um grupo de pessoas seja aniquilado».
Não vale sequer a pena lembrar que mais pessoas foram aniquiladas em nome dos deuses do que em nome de qualquer outra coisa.
Tampouco me choca que o Papa encontre defeitos nas democracias porque, sendo elas humanas, nem outra coisa seria de esperar.
O que, isso sim, acima de tudo me impressiona é o discurso de ódio e intolerância que progressivamente se radicaliza e aprofunda à medida que, subjugado pela doença, o Papa se afasta do mundo e abraça o niilismo.
Um pouco de caridade cristã, é só o que eu peço para o Papa.
A Irmã Lúcia e as reformas estruturais
José Mourinho, expoente máximo da modernidade lusitana, acaba de conquistar a sua primeira taça na pátria de Carlos e Camila, muito provavelmente apertando na mão nervosa o rosário oculto no bolso do casaco de fino corte. Sigamos o seu luminoso exemplo.
Instantâneo «O Aviador»
Scorsese filmou sem imaginação nem profundidade psicológica uma historieta que nas suas linhas gerais é conhecida há décadas. À falta de substância, safam-se os efeitos especiais, especialmente na cena em que o avião-espião se despenha sobre uma zona residencial.
Quanto talento desperdiçado!
PS - A ideia de pôr Kate Blanchett a imitar a voz e os tiques de Katherine Hepburn é ridícula e desrespeitosa para com a imitada. Provocou-me um mal-estar que durou até ao fim do filme.
Achas mesmo?
«Mas achas mesmo que isto agora vai melhorar?», ouço perguntar à minha volta.
Por mim, estou convencido de que 80% do que podia melhorar, melhorou logo no dia 20. Quanto ao resto, o país continua a ser o mesmo.
Por mim, estou convencido de que 80% do que podia melhorar, melhorou logo no dia 20. Quanto ao resto, o país continua a ser o mesmo.
26.2.05
25.2.05
Frases feitas
«Sócrates ganhou as eleições porque não se comprometeu com nada.»
«O PSD é um partido charneira da nossa democracia.»
«O país não está consciente da dimensão dos problemas que enfrenta.»
«O resto do mandato presidencial será honroso e tranquilo.»
«O próximo governo terá que aplicar medidas duríssimas.»
«Vitorino deveria ser o próximo Ministro das Finanças.»
«Sócrates não tem habilidade para lidar com a comunicação social.»
«Jerónimo de Sousa é um líder carismático.»
«É imperioso que a Europa se reconcilie com os EUA.»
«O Benfica é uma instituição.»
Se pronuncia com ar grave três ou mais destas frases pelo menos uma vez por dia, os meus parabéns. Você é uma pessoa de bom senso que será escutada com respeito e aprovação em qualquer ambiente social.
Bush na Europa
Durante muitos anos, a Europa e os EUA caminhavam no mesmo sentido e eram aliados.
Hoje já não caminham provavelmente no mesmo sentido, mas não razões para que deixem de ser aliados.
Hoje já não caminham provavelmente no mesmo sentido, mas não razões para que deixem de ser aliados.
Instantâneo Bergman
Aproveitem enquanto Bergman está vivo e, para nossa alegria, continua a fazer filmes destes.
24.2.05
Mal-agradecido
Diz o site-meter - e quem sou eu para desmenti-lo? - que, desde que Santana formou governo, as visitas a este blogue mais do que triplicaram.
Querem melhor prova de que, efectivamente, a recessão estava em vias de ser ultrapassada?
Tenho que admiti-lo: ele foi como um pai para mim, e eu só o tratei mal...
Querem melhor prova de que, efectivamente, a recessão estava em vias de ser ultrapassada?
Tenho que admiti-lo: ele foi como um pai para mim, e eu só o tratei mal...
Ainda as eleições
O voto individual de cada um de nós não tem a mínima hipótese de alterar seja o que for numa eleição.
Os indivíduos têm, portanto, pouco ou nenhum incentivo para perderem o escasso tempo de que dispõem a informarem-se sobre assuntos políticos e para tomarem a decisão de irem votar.
De um ponto de vista estritamente egoista e racional, seria de esperar que ninguém, incluindo os próprios candidatos, se desse ao trabalho de ir votar.
Não é espantoso, nestas condições, que milhões de pessoas se mobilizem periodicamente só para desmentirem a teoria económica da escolha racional?
Os indivíduos têm, portanto, pouco ou nenhum incentivo para perderem o escasso tempo de que dispõem a informarem-se sobre assuntos políticos e para tomarem a decisão de irem votar.
De um ponto de vista estritamente egoista e racional, seria de esperar que ninguém, incluindo os próprios candidatos, se desse ao trabalho de ir votar.
Não é espantoso, nestas condições, que milhões de pessoas se mobilizem periodicamente só para desmentirem a teoria económica da escolha racional?
Instantâneo «Million dollar baby»
Tanta coisa que haveria para dizer sobre «Million dollar baby» e esse puto maravilha que dá pelo nome de Clint Eastwood...
Mas, infelizmente, não tenho tempo.
Louvor da Europa
Se não fossem as competições europeias, nós nunca poderíamos saber o real valor da equipa de futebol do Benfica.
Para onde vai o PSD?
Tenho uma grande curiosidade de ver o que sucederá ao PSD nos próximos meses.
No mero campo das hipóteses, o PSD poderá permanecer na mesma, poderá cindir-se em dois ou poderá mudar de natureza.
Em qualquer das alternativas, é também possível que deixe de desempenhar um papel central na política nacional.
Aconteça o que acontecer, ficaremos a entender melhor a essência deste partido.
Foi Santana um relâmpago em céu azul, ou estará o populismo inscrito no código genético do partido?
Haverá hoje condições para permanecerem unidas no mesmo partido as diversas correntes que lhe deram origem?
Será a sobrevivência do PSD viável tendo em conta a recomposição social do país ocorrida na última década?
Esperemos para ver.
No mero campo das hipóteses, o PSD poderá permanecer na mesma, poderá cindir-se em dois ou poderá mudar de natureza.
Em qualquer das alternativas, é também possível que deixe de desempenhar um papel central na política nacional.
Aconteça o que acontecer, ficaremos a entender melhor a essência deste partido.
Foi Santana um relâmpago em céu azul, ou estará o populismo inscrito no código genético do partido?
Haverá hoje condições para permanecerem unidas no mesmo partido as diversas correntes que lhe deram origem?
Será a sobrevivência do PSD viável tendo em conta a recomposição social do país ocorrida na última década?
Esperemos para ver.
Instantâneo Dave Douglas
É preciso dizer qualquer coisa em louvor deste senhor, mas hoje infelizmente não tenho tempo.
A outra lebre
Luis Filipe Menezes parece-me uma lebre lançada pelo campo santanista para apalpar o terreno e lançar a confusão.
Confusão, convenhamos, é com ele.
Confusão, convenhamos, é com ele.
O CDS-PP explicado às crianças
A luta de classes foi oficial e definitivamente abolida às 17,45 h do dia 20 de Agosto de 1991. Ainda assim, vale muito a pena ler este post do Pula Pulga.
22.2.05
Via aberta para Cavaco
A opinião segundo a qual o caminho de Cavaco para Belém estaria agora dificultado parece-me assentar, também ela, na ideia errada de que a votação do passado domingo teria revelado um país esmagadoramente esquerdizado.
Ora eu creio que, bem pelo contrário, Cavaco Silva está em melhores condições do que nunca para se candidatar com sucesso à Presidência da República. Eis algumas razões:
1. Também ele foi (juntamente com Sampaio e pelas mesmas razões) um dos vencedores do dia 20.
2. Foi a sua tomada de posição pública nas páginas do Expresso que despoletou a queda do governo. Como se viu, uma grande parte do país está-lhe agradecida por isso.
3. Um parlamento demasiado alinhado à esquerda como será o próximo não está em sintonia com o verdadeiro sentimento do país. Daí fazer mais sentido um Presidente capaz de contra-balançar esse enviezamento.
4. Uma candidatura vitoriosa de Cavaco Silva a Belém será decisiva para alterar a presente correlação de forças no PSD e permitir a sua refundação, como querem uma parte dos militantes social-democratas e uma importante parcela do eleitorado.
A ver.
Ora eu creio que, bem pelo contrário, Cavaco Silva está em melhores condições do que nunca para se candidatar com sucesso à Presidência da República. Eis algumas razões:
1. Também ele foi (juntamente com Sampaio e pelas mesmas razões) um dos vencedores do dia 20.
2. Foi a sua tomada de posição pública nas páginas do Expresso que despoletou a queda do governo. Como se viu, uma grande parte do país está-lhe agradecida por isso.
3. Um parlamento demasiado alinhado à esquerda como será o próximo não está em sintonia com o verdadeiro sentimento do país. Daí fazer mais sentido um Presidente capaz de contra-balançar esse enviezamento.
4. Uma candidatura vitoriosa de Cavaco Silva a Belém será decisiva para alterar a presente correlação de forças no PSD e permitir a sua refundação, como querem uma parte dos militantes social-democratas e uma importante parcela do eleitorado.
A ver.
Sobre a pretensa viragem à esquerda
Parece-me falsa e perigosa a ideia de que o país virou bruscamente à esquerda, dado que esta eleição foi marcada por uma série de factores atípicos.
Não há como negar que o voto de protesto contra o que estava assumiu, desta vez, uma expressão invulgarmente elevada, de que beneficiaram, em proporções indeterminadas, tanto o PS como a CDU e o BE.
É evidente que, com a actual liderança, não é de esperar que o PS se sinta tentado a radicalizar posições. Mas não é menos evidente que, com o argumento de que é isso que o eleitorado exige, a breve trecho começará a ser pressionado nesse sentido, tanto internamente, pela chamada ala esquerda, como externamente, pelo PC e pelo Bloco.
Não há como negar que o voto de protesto contra o que estava assumiu, desta vez, uma expressão invulgarmente elevada, de que beneficiaram, em proporções indeterminadas, tanto o PS como a CDU e o BE.
É evidente que, com a actual liderança, não é de esperar que o PS se sinta tentado a radicalizar posições. Mas não é menos evidente que, com o argumento de que é isso que o eleitorado exige, a breve trecho começará a ser pressionado nesse sentido, tanto internamente, pela chamada ala esquerda, como externamente, pelo PC e pelo Bloco.
A lebre
Na corrida à Presidência do PSD, Manuela Ferreira Leite é apenas uma lebre destinada a desgastar o adversário.
As declarações de António Borges apoiando essa eventualidade inserem-se perfeitamente na linha de orientação essencial da sua intervenção política: «Faz força que eu gemo.»
Toda a gente sabe que, independentemente de outras qualidades que inegavelmente possui, Manuela Ferreira Leite não tem nem a capacidade nem o peso políticos indispensáveis ao desempenho do cargo.
As declarações de António Borges apoiando essa eventualidade inserem-se perfeitamente na linha de orientação essencial da sua intervenção política: «Faz força que eu gemo.»
Toda a gente sabe que, independentemente de outras qualidades que inegavelmente possui, Manuela Ferreira Leite não tem nem a capacidade nem o peso políticos indispensáveis ao desempenho do cargo.
21.2.05
Outra vez o divórcio entre comentadores e comentados
Os comentadores de serviço - essa espécie de coro de tragédia grega dos tempos modernos - explicaram-nos pacientemente ao longo de três meses que o povo estava desinteressado, ou mesmo enojado, da actividade política; que não dava ouvidos aos discursos dos políticos, que se alheara da campanha; que a cobertura da actividade política nos telejornais fazia baixar as audiências; que os debates televisivos não despertavam interesse; que os problemas concretos das pessoas não eram abordados; que os eleitores, enfim, não se sentiam esclarecidos.
Afinal, vai-se a ver, e - que descobrimos nós? - os debates entre os candidatos, tanto a dois como a cinco, bateram recordes de audiências. Mais importante ainda, chegado o dia da votação, a abstenção desceu para níveis desconhecidos nos últimos 18 anos.
Lindo!
Afinal, vai-se a ver, e - que descobrimos nós? - os debates entre os candidatos, tanto a dois como a cinco, bateram recordes de audiências. Mais importante ainda, chegado o dia da votação, a abstenção desceu para níveis desconhecidos nos últimos 18 anos.
Lindo!
20.2.05
Da servidão voluntária
Um administrador de uma das maiores e mais antigas seguradoras portuguesas mostrou-me certa vez o primeiro livro de registos da empresa, datado dos anos 30 do século XIX e guardado numa vitrina da sala de reuniões do Conselho de Administração.
O terceiro lançamento respeitava ao seguro de um carregamento de escravos.
Lembrei-me nesse momento que, segundo certos historiadores, muitas das grandes fortunas europeias têm uma origem mais ou menos longínqua em actividades ligadas à escravatura.
Não é difícil acreditar nisso, tendo em conta que o esclavagismo foi a mola real da plantação e transformação do açúcar, das sementes oleaginosas, do algodão, do cacau, do café e do chá, mas também da extracção do ouro, da prata e do cobre. Para além disso, esse sistema de produção mundializado impulsionou o comércio marítimo a distância tanto de escravos como dos bens por eles produzidos, bem assim como múltiplas actividades comerciais e financeiras.
Se o esclavagismo desempenhou genericamente um papel tão importante nas economias europeias, que dizer então de Portugal?
O império marítimo português foi um dos maiores - se não o maior - império esclavagista da história, a começar pelo mercado de escravos criado no Algarve pelo Infante D. Henrique (após uma interdição de mais de mil anos eficazmente imposta na Europa pela Igreja) e a acabar com o trabalho forçado que ainda nos anos 50 do século passado subsistia em Angola (mais de cem anos depois da sua abolição oficial).
O pedido de desculpas pelos crimes da escravatura que Joaquim Chissano recentemente exigiu a Portugal não vem a propósito de nada, razão pela qual não gastarei tempo a discuti-lo.
Mas talvez seja uma boa altura para fazer notar que faz falta em Portugal uma consciência mais aguda do nosso passado nessa matéria, tanto mais que o assunto é sistematicamente ignorado ou desvalorizado no ensino da nossa história.
Os portugueses não sabem, ou não querem saber, o peso absolutamente decisivo que o esclavagismo teve no seu viver colectivo ao longo de mais de cinco séculos. Curiosamente, nem sequer nas discussões sobre a originalidade da identidade lusitana que ciclicamente nos entusiasmam lhe é atribuída alguma relevância.
E, no entanto, os tiques e perversões típicos de uma sociedade marcada pelo esclavagismo continuam a impregnar o nosso dia a dia.
As classes dirigentes confundem decidir com mandar, são incapazes de motivar homens livres e pensantes, dão preferência a mão-de-obra desqualificada e mal paga, não estão habituadas a auscultar o sentimento dos de baixo, valorizam acima de tudo a obediência cega, confiam na força em detrimento da cultura e não sabem assumir riscos. Pensam como negreiros.
Os de baixo, em contrapartida, encaram o trabalho como uma indignidade ou uma humilhação, não acreditam na realização profissional, usam de mil truques para defraudar o patrão, acreditam que o esforço não lhes trará qualquer vantagem, recusam-se a aprender, privilegiam o desenrascanço, alimentam-se do ressentimento e sonham toda a vida com a reforma. Pensam como servos.
Colectivamente, os portugueses não são solidários, ambicionam ganhar a lotaria ou dar o golpe do vigário (dado que em Porugal nunca se viu ninguém enriquecer doutra maneira), aplicam todo o seu engenho em sacar esmolas, acreditam que o bem-estar colectivo é uma balela para enganar os tolos, desconfiam de ideais ou grandes princípios, pensam que um curso superior é apenas um expediente para arranjar um bom emprego, consideram os políticos e os empresários uma cáfila de gatunos e não duvidam de que o Estado está a mando dos patrões.
Dizer isto não resolve nada? O primeiro passo para superarmos este quadro mental consiste em compreendermos que ele não encerra nenhuma fatalidade. Não é a manifestação de uma imutável alma nacional, mas o resquício de condições de vida que duraram séculos e deixaram marcas, mas que pertencem irremediavelmente ao passado.
É neste sentido que o conhecimento da história, fornecendo-nos uma explicação racional para os atavismos que nos tolhem os movimentos, nos liberta do peso do passado e nos permite encarar com confiança outros caminhos.
Se, hoje, teimarmos em comportarmo-nos como escravos, será por escolha e não por destino.
O terceiro lançamento respeitava ao seguro de um carregamento de escravos.
Lembrei-me nesse momento que, segundo certos historiadores, muitas das grandes fortunas europeias têm uma origem mais ou menos longínqua em actividades ligadas à escravatura.
Não é difícil acreditar nisso, tendo em conta que o esclavagismo foi a mola real da plantação e transformação do açúcar, das sementes oleaginosas, do algodão, do cacau, do café e do chá, mas também da extracção do ouro, da prata e do cobre. Para além disso, esse sistema de produção mundializado impulsionou o comércio marítimo a distância tanto de escravos como dos bens por eles produzidos, bem assim como múltiplas actividades comerciais e financeiras.
Se o esclavagismo desempenhou genericamente um papel tão importante nas economias europeias, que dizer então de Portugal?
O império marítimo português foi um dos maiores - se não o maior - império esclavagista da história, a começar pelo mercado de escravos criado no Algarve pelo Infante D. Henrique (após uma interdição de mais de mil anos eficazmente imposta na Europa pela Igreja) e a acabar com o trabalho forçado que ainda nos anos 50 do século passado subsistia em Angola (mais de cem anos depois da sua abolição oficial).
O pedido de desculpas pelos crimes da escravatura que Joaquim Chissano recentemente exigiu a Portugal não vem a propósito de nada, razão pela qual não gastarei tempo a discuti-lo.
Mas talvez seja uma boa altura para fazer notar que faz falta em Portugal uma consciência mais aguda do nosso passado nessa matéria, tanto mais que o assunto é sistematicamente ignorado ou desvalorizado no ensino da nossa história.
Os portugueses não sabem, ou não querem saber, o peso absolutamente decisivo que o esclavagismo teve no seu viver colectivo ao longo de mais de cinco séculos. Curiosamente, nem sequer nas discussões sobre a originalidade da identidade lusitana que ciclicamente nos entusiasmam lhe é atribuída alguma relevância.
E, no entanto, os tiques e perversões típicos de uma sociedade marcada pelo esclavagismo continuam a impregnar o nosso dia a dia.
As classes dirigentes confundem decidir com mandar, são incapazes de motivar homens livres e pensantes, dão preferência a mão-de-obra desqualificada e mal paga, não estão habituadas a auscultar o sentimento dos de baixo, valorizam acima de tudo a obediência cega, confiam na força em detrimento da cultura e não sabem assumir riscos. Pensam como negreiros.
Os de baixo, em contrapartida, encaram o trabalho como uma indignidade ou uma humilhação, não acreditam na realização profissional, usam de mil truques para defraudar o patrão, acreditam que o esforço não lhes trará qualquer vantagem, recusam-se a aprender, privilegiam o desenrascanço, alimentam-se do ressentimento e sonham toda a vida com a reforma. Pensam como servos.
Colectivamente, os portugueses não são solidários, ambicionam ganhar a lotaria ou dar o golpe do vigário (dado que em Porugal nunca se viu ninguém enriquecer doutra maneira), aplicam todo o seu engenho em sacar esmolas, acreditam que o bem-estar colectivo é uma balela para enganar os tolos, desconfiam de ideais ou grandes princípios, pensam que um curso superior é apenas um expediente para arranjar um bom emprego, consideram os políticos e os empresários uma cáfila de gatunos e não duvidam de que o Estado está a mando dos patrões.
Dizer isto não resolve nada? O primeiro passo para superarmos este quadro mental consiste em compreendermos que ele não encerra nenhuma fatalidade. Não é a manifestação de uma imutável alma nacional, mas o resquício de condições de vida que duraram séculos e deixaram marcas, mas que pertencem irremediavelmente ao passado.
É neste sentido que o conhecimento da história, fornecendo-nos uma explicação racional para os atavismos que nos tolhem os movimentos, nos liberta do peso do passado e nos permite encarar com confiança outros caminhos.
Se, hoje, teimarmos em comportarmo-nos como escravos, será por escolha e não por destino.
19.2.05
Este blogue vota PS
Não é nenhuma surpresa para quem costuma passar por aqui, mas não há como deixar as coisas muito clarinhas: este blogue vota PS.
Não é um voto entusiástico, mas também tampouco é um voto resignado no menor dos males.
Ao fim de três meses está perfeitamente claro como era infundado o preconceito posto a circular por Pacheco Pereira, António Barreto, Vasco Pulido Valente e outros que tais, segundo o qual Sócrates seria o alter-ego de Santana.
Evidenciada a absoluta má-fé dessa alegação, alguns apoucam agora as capacidades de Sócrates para exercer o cargo de primeiro-ministro, em comparação com outros que no passado desempenharam o cargo.
Mas quem foram afinal esses grandes primeiros-ministros que Portugal teve no passado? Mário Soares? As grandes virtudes de Soares não se revelaram certamente como condutor de governos, de tal forma que, da última vez que desempenhou o cargo, ele se tornou no homem mais detestado no país e deixou o PS à beira do colapso definitivo. Pinto Balsemão? Deixem-me rir! António Guterres? Como bem sabemos, o que lhe sobrava em inteligência e vivacidade argumentativa carecia-lhe dramaticamente em capacidade de liderança. Durão Barroso? A essencial mediocridade e ausência de ideias do personagem revelou-se fulgurante e plenamente em questão de poucos meses.
O único grande primeiro-ministro que Portugal teve em democracia foi, concorde-se ou não com as suas políticas, Aníbal Cavaco Silva.
E que poderemos então legitimamente esperar de José Sócrates? Sócrates é, em primeiro lugar, um homem sério, coisa que não se pode dizer dos seus principais opositores. Foi, no passado, um Ministro do Ambiente competente e lutador. Aceitou, num momento particularmente difícil, assumir a liderança do PS. Conduziu a campanha eleitoral com segurança e tranquilidade. Resistiu com firmeza às tentativas de fazê-la resvalar para a política suja. Isso é o que sabemos de positivo.
Dito isto, a condução política da campanha do PS foi medíocre, particularmente a partir do momento em que entrou no seu período oficial. Quero com isto dizer que, progressivamente, se diluiram as ideias-força que pareciam norteá-la, privando-a de um sentido estratégico evidente. Não falo da forma, falo do conteúdo.
Ora isso é preocupante, porque pode antecipar uma falta de consistência ideológica que mais tarde se reflectirá negativamente na acção governativa, quando o futuro governo de Sócrates se confrontar com as grandes escolhas.
Pode-se argumentar que há algumas boas justificações para isso.
Primeira: tendo sido surpreendido pela convocação de eleições antecipadas, o PS não pôde, como esperava, tirar todo o partido das «Novas Fronteiras», que deveriam desempenhar um papel fulcral na definição da linha política do partido.
Segunda: quando se tem um avanço tão grande nas intenções de voto, a estratégia mais recomendável consiste em deixar a iniciativa ao adversário e em esperar que ele cometa erros para explorá-los em nosso favor.
Terceira: comícios, debates televisivos, tempos de antena e contactos de rua não são certamente as ocasiões mais propícias para um debate ponderado de ideias políticas.
Aceito como bons esses três argumentos. Mas não posso deixar de pensar que o problema da orientação política do futuro governo se encontra ainda em aberto em relação a demasiadas questões.
Dito isto, o único caminho razoável consiste, neste momento em dar o benefício da dúvida a Sócrates, porque ele provou merecê-lo, votando no PS e esperando que conquiste a maioria absoluta.
Se essa maioria absoluta se concretizar, tratar-se-á depois de a opinião pública esclarecida manter a pressão sobre o PS para que à lógica míope do aparelho se sobreponha uma visão mais aberta e exigente. Sobre o que essa visão deva ser, já dei a minha opinião noutras ocasiões.
Para já, cada coisa a seu tempo. Próximo passo: maioria absoluta. O resto, depois se verá.
Não é um voto entusiástico, mas também tampouco é um voto resignado no menor dos males.
Ao fim de três meses está perfeitamente claro como era infundado o preconceito posto a circular por Pacheco Pereira, António Barreto, Vasco Pulido Valente e outros que tais, segundo o qual Sócrates seria o alter-ego de Santana.
Evidenciada a absoluta má-fé dessa alegação, alguns apoucam agora as capacidades de Sócrates para exercer o cargo de primeiro-ministro, em comparação com outros que no passado desempenharam o cargo.
Mas quem foram afinal esses grandes primeiros-ministros que Portugal teve no passado? Mário Soares? As grandes virtudes de Soares não se revelaram certamente como condutor de governos, de tal forma que, da última vez que desempenhou o cargo, ele se tornou no homem mais detestado no país e deixou o PS à beira do colapso definitivo. Pinto Balsemão? Deixem-me rir! António Guterres? Como bem sabemos, o que lhe sobrava em inteligência e vivacidade argumentativa carecia-lhe dramaticamente em capacidade de liderança. Durão Barroso? A essencial mediocridade e ausência de ideias do personagem revelou-se fulgurante e plenamente em questão de poucos meses.
O único grande primeiro-ministro que Portugal teve em democracia foi, concorde-se ou não com as suas políticas, Aníbal Cavaco Silva.
E que poderemos então legitimamente esperar de José Sócrates? Sócrates é, em primeiro lugar, um homem sério, coisa que não se pode dizer dos seus principais opositores. Foi, no passado, um Ministro do Ambiente competente e lutador. Aceitou, num momento particularmente difícil, assumir a liderança do PS. Conduziu a campanha eleitoral com segurança e tranquilidade. Resistiu com firmeza às tentativas de fazê-la resvalar para a política suja. Isso é o que sabemos de positivo.
Dito isto, a condução política da campanha do PS foi medíocre, particularmente a partir do momento em que entrou no seu período oficial. Quero com isto dizer que, progressivamente, se diluiram as ideias-força que pareciam norteá-la, privando-a de um sentido estratégico evidente. Não falo da forma, falo do conteúdo.
Ora isso é preocupante, porque pode antecipar uma falta de consistência ideológica que mais tarde se reflectirá negativamente na acção governativa, quando o futuro governo de Sócrates se confrontar com as grandes escolhas.
Pode-se argumentar que há algumas boas justificações para isso.
Primeira: tendo sido surpreendido pela convocação de eleições antecipadas, o PS não pôde, como esperava, tirar todo o partido das «Novas Fronteiras», que deveriam desempenhar um papel fulcral na definição da linha política do partido.
Segunda: quando se tem um avanço tão grande nas intenções de voto, a estratégia mais recomendável consiste em deixar a iniciativa ao adversário e em esperar que ele cometa erros para explorá-los em nosso favor.
Terceira: comícios, debates televisivos, tempos de antena e contactos de rua não são certamente as ocasiões mais propícias para um debate ponderado de ideias políticas.
Aceito como bons esses três argumentos. Mas não posso deixar de pensar que o problema da orientação política do futuro governo se encontra ainda em aberto em relação a demasiadas questões.
Dito isto, o único caminho razoável consiste, neste momento em dar o benefício da dúvida a Sócrates, porque ele provou merecê-lo, votando no PS e esperando que conquiste a maioria absoluta.
Se essa maioria absoluta se concretizar, tratar-se-á depois de a opinião pública esclarecida manter a pressão sobre o PS para que à lógica míope do aparelho se sobreponha uma visão mais aberta e exigente. Sobre o que essa visão deva ser, já dei a minha opinião noutras ocasiões.
Para já, cada coisa a seu tempo. Próximo passo: maioria absoluta. O resto, depois se verá.
18.2.05
A arte de argumentar com aspas
Vasco Pulido Valente gosta muito de aspas, uma forma ardilosa de incutir certos preconceitos nos seus leitores. Hoje, escreve ele assim no Público:
«Esta situação não é provisória, nem fortuita. Não é provisória porque o país, como a «Europa», atravessa uma crise que põe em causa um «modelo social», que vem do século XIX, que foi universalmente aceite e que até agora se considerava adquirido, o «modelo» do Estado-previdência, protector e dirigista, que tomou sobre si uma parte incrível (e sempre em expansão) da vida individual e colectiva: esse Estado faliu e a sua agonia inaugurou uma época de incerteza, mudança e conflito.»
Isto é genericamente falso. Mas, curiosamente, basta mudar a localização das aspas para passar a ser verdadeiro:
«Esta situação não é provisória, nem fortuita. Não é provisória porque o país, como a Europa, atravessa uma crise que põe em causa um modelo social, que vem do século XIX, que foi «universalmente aceite» e que até agora se considerava adquirido, o modelo do Estado-previdência, «protector e dirigista», que tomou sobre si uma parte «incrível» (e «sempre» em expansão) da vida individual e colectiva: esse Estado «faliu» e a sua agonia inaugurou uma época de incerteza, mudança e conflito.»
Desconfio que o livro de cabeceira do Vasco Pulido Valente é o opúsculo de Schopenhauer «A arte de ter sempre razão», infelizmente traduzido para português com o hermético título «Dialética erística». E estou em crer que o Louçã lê pela mesma cartilha.
«Esta situação não é provisória, nem fortuita. Não é provisória porque o país, como a «Europa», atravessa uma crise que põe em causa um «modelo social», que vem do século XIX, que foi universalmente aceite e que até agora se considerava adquirido, o «modelo» do Estado-previdência, protector e dirigista, que tomou sobre si uma parte incrível (e sempre em expansão) da vida individual e colectiva: esse Estado faliu e a sua agonia inaugurou uma época de incerteza, mudança e conflito.»
Isto é genericamente falso. Mas, curiosamente, basta mudar a localização das aspas para passar a ser verdadeiro:
«Esta situação não é provisória, nem fortuita. Não é provisória porque o país, como a Europa, atravessa uma crise que põe em causa um modelo social, que vem do século XIX, que foi «universalmente aceite» e que até agora se considerava adquirido, o modelo do Estado-previdência, «protector e dirigista», que tomou sobre si uma parte «incrível» (e «sempre» em expansão) da vida individual e colectiva: esse Estado «faliu» e a sua agonia inaugurou uma época de incerteza, mudança e conflito.»
Desconfio que o livro de cabeceira do Vasco Pulido Valente é o opúsculo de Schopenhauer «A arte de ter sempre razão», infelizmente traduzido para português com o hermético título «Dialética erística». E estou em crer que o Louçã lê pela mesma cartilha.
17.2.05
Pacheco Pereira vai votar no Rato Mickey mas recomenda o voto em José Sócrates
Pacheco Pereira acaba de anunciar no Quadratura do Círculo que, apesar de tudo, vai votar no PSD, porque é preciso começar a preparar a sucessão no partido depois do dia 20 de Dezembro. Acrescentou, todavia, que não apela às outras pessoas que vivem o mesmo angustiante dilema que sigam o seu exemplo.
Deixa-me cá ver se percebi. Pacheco Pereira resolveu não abandonar definitivamente a vida política. Pretende, por isso colaborar na reconquista da direcção do PSD, retirando-a à seita de usurpadores capitaneados por Santana Lopes. É claro que, se anunciasse agora a sua intenção de não votar no seu partido nas próximas eleições, correria o risco de ser depois desqualificado como traidor.
Nessa conformidade, não lhe resta outra alternativa senão fazer esta declaração pública. E que irá ele de facto fazer no dia 20? Cumprirá ou não, ao depositar o seu voto na urna, a intenção agora anunciada?
A verdade é que isso pouco importa. O que importa, isso sim, é que, para que ele e os restantes partidários da mudança no PSD tenham sucesso, é indispensável que Santana Lopes sofra uma derrota humilhante, caso contrário bem podem dedicar-se antes à jardinagem, o que, no caso de Pacheco Pereira, significa concluir a biografia de Cunhal.
Logo, o que Pacheco Pereira de facto propõe aos simpatizantes do PSD descontentes é uma divisão do trabalho original: «Votem vocês no Sócrates, para assegurar que o Santana fica feito em fanicos, que eu voto (ou anuncio votar) no PSD para poder aparecer num futuro Congresso como alguém que, mesmo no pior momento, jamais renegou o partido».
Votar no PSD é um trabalho sujo, mas alguém tem que fazê-lo.
Ninguém me encomendou este frete, mas achei bom explicar que, no fundo, é esta a interpretação autêntica do apelo hoje lançado por Pacheco Pereira através da SIC-Notícias.
Deixa-me cá ver se percebi. Pacheco Pereira resolveu não abandonar definitivamente a vida política. Pretende, por isso colaborar na reconquista da direcção do PSD, retirando-a à seita de usurpadores capitaneados por Santana Lopes. É claro que, se anunciasse agora a sua intenção de não votar no seu partido nas próximas eleições, correria o risco de ser depois desqualificado como traidor.
Nessa conformidade, não lhe resta outra alternativa senão fazer esta declaração pública. E que irá ele de facto fazer no dia 20? Cumprirá ou não, ao depositar o seu voto na urna, a intenção agora anunciada?
A verdade é que isso pouco importa. O que importa, isso sim, é que, para que ele e os restantes partidários da mudança no PSD tenham sucesso, é indispensável que Santana Lopes sofra uma derrota humilhante, caso contrário bem podem dedicar-se antes à jardinagem, o que, no caso de Pacheco Pereira, significa concluir a biografia de Cunhal.
Logo, o que Pacheco Pereira de facto propõe aos simpatizantes do PSD descontentes é uma divisão do trabalho original: «Votem vocês no Sócrates, para assegurar que o Santana fica feito em fanicos, que eu voto (ou anuncio votar) no PSD para poder aparecer num futuro Congresso como alguém que, mesmo no pior momento, jamais renegou o partido».
Votar no PSD é um trabalho sujo, mas alguém tem que fazê-lo.
Ninguém me encomendou este frete, mas achei bom explicar que, no fundo, é esta a interpretação autêntica do apelo hoje lançado por Pacheco Pereira através da SIC-Notícias.
16.2.05
Atoardas
O número de Louçã ontem à noite a propósito do pretenso favorecimento fiscal de um banco revelou-se afinal, como seria de esperar, mais um exercício demagógico totalmente destituído de fundamento.
De imediato, Louçã logrou dar nas vistas e, segundo alguns comentadores desmiolados, «ganhar o debate». Vinte e quatro horas depois, fica para a opinião pública a impressão de que seguramente neste caso, e talvez noutros, a oposição criticou injustamente a actuação do governo.
A quem serve o comportamento reiteradamente irresponsável do líder do Bloco?
De imediato, Louçã logrou dar nas vistas e, segundo alguns comentadores desmiolados, «ganhar o debate». Vinte e quatro horas depois, fica para a opinião pública a impressão de que seguramente neste caso, e talvez noutros, a oposição criticou injustamente a actuação do governo.
A quem serve o comportamento reiteradamente irresponsável do líder do Bloco?
Coisas que é preciso dizer
Como se sabe, todos os governos que o PSD até hoje formou dependeram de forma crucial do apoio explícito dessa coisa abjecta que dá pelo nome de PSD-Madeira, um grupelho de extrema-direita que não oculta sequer o seu desprezo pelas instituições democráticas do país.
Inversamente, o PS prejudicou-se a si mesmo durante décadas por se recusar a constituir governo em coligação com o PCP devido ao facto de este último não dar garantias de respeito pela democracia liberal.
Pergunto então eu se não é o cúmulo da desfaçatez que os dirigentes do PSD se indignem com a mera e longínqua hipótese de o PCP e o BE poderem vir a apoiar no Parlamento algumas iniciativas legislativas do PS, quando Santana se apresenta mais uma vez a sufrágio estribado numa aliança sem princípios com os falangistas do PSD-Madeira e um partido dirigido por alguém a quem há não muitos anos atrás o próprio Durão Barroso apelidou de «racista social»?
É preciso ter muita lata.
Inversamente, o PS prejudicou-se a si mesmo durante décadas por se recusar a constituir governo em coligação com o PCP devido ao facto de este último não dar garantias de respeito pela democracia liberal.
Pergunto então eu se não é o cúmulo da desfaçatez que os dirigentes do PSD se indignem com a mera e longínqua hipótese de o PCP e o BE poderem vir a apoiar no Parlamento algumas iniciativas legislativas do PS, quando Santana se apresenta mais uma vez a sufrágio estribado numa aliança sem princípios com os falangistas do PSD-Madeira e um partido dirigido por alguém a quem há não muitos anos atrás o próprio Durão Barroso apelidou de «racista social»?
É preciso ter muita lata.
O grande empregador
Ficámos ontem a saber que, só à sua conta, Paulo Portas foi responsável pela preservação de 1.700 postos de trabalho.
Foi pena que se tivesse esquecido, na mesma ocasião, de esclarecer quanto custou ao Estado cada um deles.
Mas não há azar. Lance-se directamente o respectivo valor na rubrica de despesas de "Marketing e Comunicação".
Foi pena que se tivesse esquecido, na mesma ocasião, de esclarecer quanto custou ao Estado cada um deles.
Mas não há azar. Lance-se directamente o respectivo valor na rubrica de despesas de "Marketing e Comunicação".
A surdez é de prata
O grande vencedor dos comentários jornalísticos pós-debate foi indiscutivelmente Luís Delgado.
É certo que ele nem ouviu o debate, mas porque é que haveria de perder tempo com inutilidades se já sabia antecipadamente o que tinha que dizer?
É certo que ele nem ouviu o debate, mas porque é que haveria de perder tempo com inutilidades se já sabia antecipadamente o que tinha que dizer?
O silêncio é de ouro
O grande vencedor do debate de ontem à noite foi indiscutivelmente Jerónimo de Sousa.
É certo que ele não chegou a dizer as coisas sábias e inesperadas que tinha para dizer, mas foi só porque a voz o traíu.
É certo que ele não chegou a dizer as coisas sábias e inesperadas que tinha para dizer, mas foi só porque a voz o traíu.
15.2.05
O adeus à televisão
João Almeida Santos explicou muito bem no Expresso da Meia-Noite do último sábado como as iniciativas dos partidos são hoje inteiramente programadas e organizadas em função do modo como elas são transmitidas através da televisão.
Há três anos pude verificar como isso é verdade quando, após uma prolongada abstinência, fui espreitar um comício eleitoral.
O lay-out geral do espaço, a sua decoração, o posicionamento das claques partidárias e a própria sequência e teor das intervenções - tudo isso é hoje fundamentalmente pensado em função do desejo de proporcionar alguns bons planos televisivos acompanhados de um ou outro sound-byte mais apelativo para passar à hora do jantar no telejornal.
O melhor a que um comício partidário pode aspirar é, pois, redundar num grande momento de televisão. Não admira que as pessoas vão cada vez menos a comícios quando se apercebem que são apenas figurantes não pagos de uma super-produção concebida para animar o prime-time no intervalo entre dois blocos de publicidade.
Acredito, porém, que este domínio esmagador da comunicação televisiva sobre a acção política é, no essencial, uma coisa do passado.
Qualquer gestor de marketing bem informado sabe que os mass media tendem hoje a perder peso em detrimento de formas de comunicação mais direccionadas para públicos específicos. É porque a tv generalista de sinal aberto está a tornar-se cada vez menos eficiente que encontramos agora publicidade televisiva no Metro, nas Lojas Galp ou nas farmácias.
O mesmo se passa certamente com a política. A pré-campanha deu-nos um vislumbre dessa realidade, mostrando-nos que as mesmas pessoas que não vão aos comícios podem mobilizar-se localmente para discutir política em torno de circunstâncias particulares, mas não necessariamente particularistas.
A realidade contemporânea, pós-moderna ou hiper-moderna, conforme se queira, é a fragmentação da sociedade em grupos de interesses que têm pouco a ver com tradicionais critérios de classificação sócio-demográfica, e muito com as tribos urbanas em que os cidadãos se enquadram.
O grande desafio da política contemporânea consiste principalmente em evitar que a sociedade se esboroe por efeito desse processo de fragmentação. Como preservar o sentimento de cidadania quando os indivíduos resistem a pertencer a grupos sociais estáveis e definitivos?
Os blogues e a web em geral têm muito a ver com isto. Esperemos que consigam contribuir para elevar o nível geral do debate público em Portugal, o que, convenhamos, nem sequer é muito difícil.
O facto de estas formas de intervenção politica envolverem um número relativamente pequeno de pessoas - o conjunto da blogoesfera portuguesa mobiliza apenas o equivalente ao número total de leitores de um jornal como o Público - não é uma limitação crucial.
A dinâmica política democrática sempre foi e sempre será fundamentalmente determinada por algumas dezenas de milhar de pessoas que de algum modo são os verdadeiros líderes de opinião em cuja opinião o resto dos cidadãos mais ou menos confia.
Antigamente, esse papel era desempenhado pelo padre, pelo farmacêutico, pelo dirigente sindical ou pelo comandante dos bombeiros. Hoje em dia, é muito mais difícil saber quem eles são. Mas não tenham dúvidas de que existem e de que têm mais meios de comunicação ao seu dispor do que alguma vez no passado.
É altura de os partidos começarem a pensar nas consequências que estas novas realidades deverão ter sobre o modo de se fazer política.
Há três anos pude verificar como isso é verdade quando, após uma prolongada abstinência, fui espreitar um comício eleitoral.
O lay-out geral do espaço, a sua decoração, o posicionamento das claques partidárias e a própria sequência e teor das intervenções - tudo isso é hoje fundamentalmente pensado em função do desejo de proporcionar alguns bons planos televisivos acompanhados de um ou outro sound-byte mais apelativo para passar à hora do jantar no telejornal.
O melhor a que um comício partidário pode aspirar é, pois, redundar num grande momento de televisão. Não admira que as pessoas vão cada vez menos a comícios quando se apercebem que são apenas figurantes não pagos de uma super-produção concebida para animar o prime-time no intervalo entre dois blocos de publicidade.
Acredito, porém, que este domínio esmagador da comunicação televisiva sobre a acção política é, no essencial, uma coisa do passado.
Qualquer gestor de marketing bem informado sabe que os mass media tendem hoje a perder peso em detrimento de formas de comunicação mais direccionadas para públicos específicos. É porque a tv generalista de sinal aberto está a tornar-se cada vez menos eficiente que encontramos agora publicidade televisiva no Metro, nas Lojas Galp ou nas farmácias.
O mesmo se passa certamente com a política. A pré-campanha deu-nos um vislumbre dessa realidade, mostrando-nos que as mesmas pessoas que não vão aos comícios podem mobilizar-se localmente para discutir política em torno de circunstâncias particulares, mas não necessariamente particularistas.
A realidade contemporânea, pós-moderna ou hiper-moderna, conforme se queira, é a fragmentação da sociedade em grupos de interesses que têm pouco a ver com tradicionais critérios de classificação sócio-demográfica, e muito com as tribos urbanas em que os cidadãos se enquadram.
O grande desafio da política contemporânea consiste principalmente em evitar que a sociedade se esboroe por efeito desse processo de fragmentação. Como preservar o sentimento de cidadania quando os indivíduos resistem a pertencer a grupos sociais estáveis e definitivos?
Os blogues e a web em geral têm muito a ver com isto. Esperemos que consigam contribuir para elevar o nível geral do debate público em Portugal, o que, convenhamos, nem sequer é muito difícil.
O facto de estas formas de intervenção politica envolverem um número relativamente pequeno de pessoas - o conjunto da blogoesfera portuguesa mobiliza apenas o equivalente ao número total de leitores de um jornal como o Público - não é uma limitação crucial.
A dinâmica política democrática sempre foi e sempre será fundamentalmente determinada por algumas dezenas de milhar de pessoas que de algum modo são os verdadeiros líderes de opinião em cuja opinião o resto dos cidadãos mais ou menos confia.
Antigamente, esse papel era desempenhado pelo padre, pelo farmacêutico, pelo dirigente sindical ou pelo comandante dos bombeiros. Hoje em dia, é muito mais difícil saber quem eles são. Mas não tenham dúvidas de que existem e de que têm mais meios de comunicação ao seu dispor do que alguma vez no passado.
É altura de os partidos começarem a pensar nas consequências que estas novas realidades deverão ter sobre o modo de se fazer política.
Entretanto, do lado do PS...
O PS tem muita esperança que o relançamento da Agenda de Lisboa propicie o aparecimento de mais fundos comunitários destinados a incentivar a I&D, a inovação tecnológica e a formação profissional.
Isso cairia que nem sopa no mel para o próximo governo do PS arranjar maneira de financiar o seu «choque tecnológico».
Sucede, porém, que nos últimos 18 anos o país recebeu anualmente fortunas para qualificar as suas empresas e os seus trabalhadores e os resultados só não foram desoladores para os indivíduos e as empresas que se apropriaram indevidamente do grosso desses fundos.
O que é que o PS vai mudar para que, agora, as coisas sejam diferentes? Isso era o que eu, de facto, gostaria de saber.
Outro exemplo. O PS continua justamente preocupado com o deprimente desempenho do nosso sistema educativo, e garante que a sua reanimação é vital para o país dar um salto em frente.
Certo outra vez. Mas que alterações tenciona o PS introduzir na gestão e no financiamento das universidades para assegurar que as coisas vão mudar? E que vai fazer para responsabilizar os conselhos directivos das escolas primárias e secundárias pelos maus resultados que obtêm? Tenciona descentralizar a sua gestão corrente, ou vai continuar a colocar professores nas escolas de todo o país recorrendo a um computador situado na 5 de Outubro?
Os autores do programa do PS continuam a não entender como funciona o mercado nem qual o papel do Estado na promoção do desenvolvimento.
Por isso, cuidam sobretudo de ensinar aos empresários como devem gerir as suas empresas em vez de estudarem a fundo o problema que efectivamente só o Governo pode resolver, que é o de pôr a Administração Pública a trabalhar como deve ser. Sobre isto, não têm absolutamente nada para dizer.
Isso cairia que nem sopa no mel para o próximo governo do PS arranjar maneira de financiar o seu «choque tecnológico».
Sucede, porém, que nos últimos 18 anos o país recebeu anualmente fortunas para qualificar as suas empresas e os seus trabalhadores e os resultados só não foram desoladores para os indivíduos e as empresas que se apropriaram indevidamente do grosso desses fundos.
O que é que o PS vai mudar para que, agora, as coisas sejam diferentes? Isso era o que eu, de facto, gostaria de saber.
Outro exemplo. O PS continua justamente preocupado com o deprimente desempenho do nosso sistema educativo, e garante que a sua reanimação é vital para o país dar um salto em frente.
Certo outra vez. Mas que alterações tenciona o PS introduzir na gestão e no financiamento das universidades para assegurar que as coisas vão mudar? E que vai fazer para responsabilizar os conselhos directivos das escolas primárias e secundárias pelos maus resultados que obtêm? Tenciona descentralizar a sua gestão corrente, ou vai continuar a colocar professores nas escolas de todo o país recorrendo a um computador situado na 5 de Outubro?
Os autores do programa do PS continuam a não entender como funciona o mercado nem qual o papel do Estado na promoção do desenvolvimento.
Por isso, cuidam sobretudo de ensinar aos empresários como devem gerir as suas empresas em vez de estudarem a fundo o problema que efectivamente só o Governo pode resolver, que é o de pôr a Administração Pública a trabalhar como deve ser. Sobre isto, não têm absolutamente nada para dizer.
PSD em campanha
Ontem, ouvi Miguel Frasquilho chamar a atenção na Ordem dos Economistas para duas medidas do Programa do PSD que me haviam passado desapercebidas:
1. Para justificar a cobrança de portagens nas SCUTS do interior do país aos residentes, o PSD propõe-se construir urgentemente vias rodoviárias alternativas. Imbatível como medida de contenção da despesa pública! Como é que ainda ninguém se tinha lembrado disto?
2. Em compensação, para conseguir economias nas despesas correntes, o PSD propõe-se criar uma Tesouraria única para toda a Administração Pública. Alguém conseguirá explicar-lhes o brutal acréscimo de burocracia que isso implicaria? E como se compatibiliza uma ideia estrambólica como esta com a intenção de descentralizar o aparelho de Estado? Farão eles alguma ideia do absurdo que estão a propor?
1. Para justificar a cobrança de portagens nas SCUTS do interior do país aos residentes, o PSD propõe-se construir urgentemente vias rodoviárias alternativas. Imbatível como medida de contenção da despesa pública! Como é que ainda ninguém se tinha lembrado disto?
2. Em compensação, para conseguir economias nas despesas correntes, o PSD propõe-se criar uma Tesouraria única para toda a Administração Pública. Alguém conseguirá explicar-lhes o brutal acréscimo de burocracia que isso implicaria? E como se compatibiliza uma ideia estrambólica como esta com a intenção de descentralizar o aparelho de Estado? Farão eles alguma ideia do absurdo que estão a propor?
14.2.05
Deserto interior
Não percebo aqueles tipos que persistentemente protestam contra o «deserto de ideias» em que supostamente vivemos.
Se de facto têm boas ideias para propor, porque não condescendem em partilhá-las connosco em vez de clamarem continuamente contra a ausência delas?
Se de facto têm boas ideias para propor, porque não condescendem em partilhá-las connosco em vez de clamarem continuamente contra a ausência delas?
Prevenção
Quando o Papa recomenda: «Cuidem dos vossos velhinhos», não está a aconselhar um voto ternurento na CDU.
11.2.05
Manoel e nós
No écrã do cinema King projectava-se um trailer anunciando a reposição de «Francisca». Não eram passados quinze segundos, e já toda a plateia ria à gargalhada.
Quatro americanos ali presentes entreolhavam-se perplexos. Um deles comentou em voz baixa para o vizinho: «Porque é que as pessoas riem? Isto parece ser um filme dramático...»
O Manoel de Oliveira é uma «private joke» dos portugueses. Nós pagamos-lhe para não fazer filmes e ele, como contrapartida, não os faz, porque não sabe. E nós rimo-nos imenso porque o torturamos obrigando-o a fazer algo que ele visivelmente detesta.
Não há nada de chocante ou estranho nisto. Afinal, muita gente em Portugal ganha a sua vida a fazer coisas que não sabe fazer. Trata-se de uma profissão absolutamente respeitável, talvez mesmo a única.
No estrangeiro, ao que parece, há algumas pessoas que apreciam muito o cinema de Manoel. Manoel é pitoresco, como o eram as carroças puxadas por burros, a ceifa manual ou os ronceiros eléctricos amarelos de Lisboa. Infelizmente, acham eles, tudo isso tem vindo a desaparecer.
Quatro americanos ali presentes entreolhavam-se perplexos. Um deles comentou em voz baixa para o vizinho: «Porque é que as pessoas riem? Isto parece ser um filme dramático...»
O Manoel de Oliveira é uma «private joke» dos portugueses. Nós pagamos-lhe para não fazer filmes e ele, como contrapartida, não os faz, porque não sabe. E nós rimo-nos imenso porque o torturamos obrigando-o a fazer algo que ele visivelmente detesta.
Não há nada de chocante ou estranho nisto. Afinal, muita gente em Portugal ganha a sua vida a fazer coisas que não sabe fazer. Trata-se de uma profissão absolutamente respeitável, talvez mesmo a única.
No estrangeiro, ao que parece, há algumas pessoas que apreciam muito o cinema de Manoel. Manoel é pitoresco, como o eram as carroças puxadas por burros, a ceifa manual ou os ronceiros eléctricos amarelos de Lisboa. Infelizmente, acham eles, tudo isso tem vindo a desaparecer.
Tratado das siglas
Isto das siglas dos partidos não é o assunto trivial que as pessoas imaginam. A gente agarra nas siglas, aperta-lhes o gasganete, aplica-lhes um par de estalos, torce-as e abana-as para um lado e para o outro - tortura-as, para usar a expressão correcta - e elas começam a despejar cá para fora tudo o que sabem sobre o partido a que pertencem. O resultado é assim uma espécie de frenologia semiológica.Genial.
O Estado de Direito ataca de novo
É claro que, como qualquer bom português temente à República e à sua Constituição, eu confio na Justiça, nos Tribunais, nos Juízes, na Procuradoria-Geral da República, no Ministério Público, na Polícia Judiciária e no Guarda Nocturno cá do bairro.
Mas lá que há bruxas, isso há.
Mas lá que há bruxas, isso há.
10.2.05
Em louvor da divulgação
A ciência, a filosofia e mais uma data de coisas de cujo nome não me lembro agora foram inventadas para nos ajudarem a situarmo-nos neste nosso vale de lágrimas. Se só os cientistas perceberem a ciência e só os professores de filosofia entenderem a filosofia, não só a ciência e a filosofia se tornarão inúteis como a vida deixará de valer a pena ser vivida.
Por mim, adoro a divulgação. Mesmo, ou sobretudo, quando atinge os extremos de séries como esta de filósofos «for beginners» ou daquela de técnicas diversas «for dummies».
Fico sempre muito preocupado com aquelas pessoas que criticam o Heidegger ou o Derrida «porque não se percebe». Ó meus amigos, que não seja por isso! Gastem umas horitas a folhear estes livrinhos, e depois já podem dizer mal com conhecimento de causa, ou, quem sabe, talvez mudar de opinião e, se for caso disso, passar daí para os escritos originais.
Noticiário da noite
O Papa saiu finalmente do hospital onde esteve a curar-se de uma constipação, transportado num carro especial com paredes de vidro e iluminado por dentro. Tudo foi pensado e programado para ele poder ser visto, fotografado e filmado por toda a gente.
O Papa ainda não morreu, vivam as audiências.
O Papa ainda não morreu, vivam as audiências.
Noticiário da tarde
Afinal o Príncipe Carlos sempre vai casar com a Bruxa Má que fez a vida negra à Outra. Sempre me saíu cá um traste!
Os súbditos britânicos estão po-sse-ssos, capazes de contratarem o Bin-Laden para pôr uma bomba debaixo do kilt do Princípe Carlos. Os noticiários passam continuamente mensagens de gente indignada a descompor a Camila de tudo quanto há.
Ainda por cima, o Blair, aquele cara de feijão frade, que se fazia muito amigo da Princesa do Povo, também se passou para o lado da Outra.
Grande bêbeda! De castigo, porém, não será Rainha. Será apenas Princesa (e já vai) consorte.
A monarquia será um regime perfeito no dia em que o Rei não tiver obrigatoriamente que ser uma pessoa. Até lá, é ter paciência...
O Rei morreu, vivam as audiências!
Os súbditos britânicos estão po-sse-ssos, capazes de contratarem o Bin-Laden para pôr uma bomba debaixo do kilt do Princípe Carlos. Os noticiários passam continuamente mensagens de gente indignada a descompor a Camila de tudo quanto há.
Ainda por cima, o Blair, aquele cara de feijão frade, que se fazia muito amigo da Princesa do Povo, também se passou para o lado da Outra.
Grande bêbeda! De castigo, porém, não será Rainha. Será apenas Princesa (e já vai) consorte.
A monarquia será um regime perfeito no dia em que o Rei não tiver obrigatoriamente que ser uma pessoa. Até lá, é ter paciência...
O Rei morreu, vivam as audiências!
8.2.05
Mistificações
É evidente que o novo acordo israelo-palestiniano é uma excelente notícia. E isso, acrescento eu, independentemente do que venha a acontecer depois, porque o simples facto de as duas partes tomarem esta iniciativa mantém em aberto a esperança de paz e constitui uma derrota para os extremistas de ambos os lados.
Mas não é nada evidente, ao contrário do que pretende Pacheco Pereira, que a invasão do Iraque tenha de algum modo contribuído para este desenlace. Bem pelo contrário, creio eu, só pode tê-lo retardado, dadas as dificuldades adicionais que criou para os moderados no mundo árabe e a desconfiança que fomentou do lado palestiniano em relação ao ocidente.
Quem sustenta o contrário deveria ao menos explicar em que fundamenta a sua opinião, em vez de se limitar a afirmá-la dogmaticamente como uma tese inquestionável e evidente.
Mas não é nada evidente, ao contrário do que pretende Pacheco Pereira, que a invasão do Iraque tenha de algum modo contribuído para este desenlace. Bem pelo contrário, creio eu, só pode tê-lo retardado, dadas as dificuldades adicionais que criou para os moderados no mundo árabe e a desconfiança que fomentou do lado palestiniano em relação ao ocidente.
Quem sustenta o contrário deveria ao menos explicar em que fundamenta a sua opinião, em vez de se limitar a afirmá-la dogmaticamente como uma tese inquestionável e evidente.
O voto do PSD é na mãozinha fechada
Os simpatizantes do PSD que querem afastar Santana e recolocar uma direcção séria à frente do seu partido devem apostar na ocorrência simultânea de dois acontecimentos nas eleições do próximo dia 20:
1. Maioria absoluta do PS na Assembleia da República
2. Derrota esmagadora do partido de Santana Lopes
Se o PS não obtiver a maioria absoluta, Santana cantará vitória, apostará tudo no derrube do governo a curto/ médio prazo, e, aproveitando a iminência de eleições autárquicas e presidenciais, lançar-se-á numa campanha de agitação permanente com a única finalidade de se agarrar ao poder dentro do partido.
O segundo acontecimento é igualmente importante. Quanto mais baixa for a votação no PSD, mais evidente se tornará que o eleitorado pretendeu penalizar Santana e não o próprio PSD. Qualquer votação que não seja a mais baixa de sempre do PSD permitirá sempre a Santana invocar antecedentes históricos (é um argumento recorrente dele) e culpar da derrota o Presidente, as sondagens e a alta finança.
Certos simpatizantes do PSD dizem que não vão votar no seu partido nas próximas eleições, mas que também não o farão no PS. Como o PP de Portas está fora de causa, hesitam entre o PC e o BE.
Esta opção é inteiramente irracional. Uma derrota de Santana sem maioria absoluta do PS é apenas uma meia derrota que garante a sobrevivência política ao actual líder do PSD e lhe dá fôlego para contra-atacar.
Votar no PS é, pois, a única estratégia que faz sentido.
1. Maioria absoluta do PS na Assembleia da República
2. Derrota esmagadora do partido de Santana Lopes
Se o PS não obtiver a maioria absoluta, Santana cantará vitória, apostará tudo no derrube do governo a curto/ médio prazo, e, aproveitando a iminência de eleições autárquicas e presidenciais, lançar-se-á numa campanha de agitação permanente com a única finalidade de se agarrar ao poder dentro do partido.
O segundo acontecimento é igualmente importante. Quanto mais baixa for a votação no PSD, mais evidente se tornará que o eleitorado pretendeu penalizar Santana e não o próprio PSD. Qualquer votação que não seja a mais baixa de sempre do PSD permitirá sempre a Santana invocar antecedentes históricos (é um argumento recorrente dele) e culpar da derrota o Presidente, as sondagens e a alta finança.
Certos simpatizantes do PSD dizem que não vão votar no seu partido nas próximas eleições, mas que também não o farão no PS. Como o PP de Portas está fora de causa, hesitam entre o PC e o BE.
Esta opção é inteiramente irracional. Uma derrota de Santana sem maioria absoluta do PS é apenas uma meia derrota que garante a sobrevivência política ao actual líder do PSD e lhe dá fôlego para contra-atacar.
Votar no PS é, pois, a única estratégia que faz sentido.
5.2.05
O divórcio entre comentadores e comentados
Nas últimas vinte e quatro horas, o assunto exclusivo desses interessantíssimos programas em que jornalistas entrevistam jornalistas, cujo protótipo é o Expresso da Meia Noite, consistiu em saber quem ganhou o debate Sócrates - Santana.
Ora o caso é que, ao inteiro arrepio do que revelam as sondagens junto do público, os jornalistas acham esmagadoramente que, por isto e mais por aquilo, sem que se chegue a perceber o que vem a ser isto ou aquilo, Santana ganhou o debate.
Os jornalistas têm um caso mal resolvido de fascínio pelo Santana Lopes. Achavam - e ainda acham - que, independentemente das suas evidentes fragilidades enquanto governante, ele é um grande comunicador e que, por conseguinte, está ali o protótipo do político moderno tal como eles o concebem. Olham para ele, e é como verem-se ao espelho.
Não me esqueci de que, ainda há menos de um ano, não havia um único dos que conheço que não o considerasse imbatível em eleições e que não me lançasse um olhar de profundo desprezo se ousasse exprimir alguma reticiência.
Três ou quatros meses afinal chegaram e sobraram para todo o país compreender o grandessíssimo tolo que ele é, ombreando com as mais representativas figuras do género de toda a nossa já longa história.
Mas os jornalistas serão, como está à vista, os últimos a admitir sem ambiguidades essa verdade. Porque, para eles, Santana é o símbolo vivo da república mediática em que eles acreditam, fruto da imagem e da comunicação.
Por isso ainda lhe constroem imaginárias vitórias onde milhões de cidadãos comuns apenas conseguiram ver o mais recente episódio de um prolongado naufrágio.
Ora o caso é que, ao inteiro arrepio do que revelam as sondagens junto do público, os jornalistas acham esmagadoramente que, por isto e mais por aquilo, sem que se chegue a perceber o que vem a ser isto ou aquilo, Santana ganhou o debate.
Os jornalistas têm um caso mal resolvido de fascínio pelo Santana Lopes. Achavam - e ainda acham - que, independentemente das suas evidentes fragilidades enquanto governante, ele é um grande comunicador e que, por conseguinte, está ali o protótipo do político moderno tal como eles o concebem. Olham para ele, e é como verem-se ao espelho.
Não me esqueci de que, ainda há menos de um ano, não havia um único dos que conheço que não o considerasse imbatível em eleições e que não me lançasse um olhar de profundo desprezo se ousasse exprimir alguma reticiência.
Três ou quatros meses afinal chegaram e sobraram para todo o país compreender o grandessíssimo tolo que ele é, ombreando com as mais representativas figuras do género de toda a nossa já longa história.
Mas os jornalistas serão, como está à vista, os últimos a admitir sem ambiguidades essa verdade. Porque, para eles, Santana é o símbolo vivo da república mediática em que eles acreditam, fruto da imagem e da comunicação.
Por isso ainda lhe constroem imaginárias vitórias onde milhões de cidadãos comuns apenas conseguiram ver o mais recente episódio de um prolongado naufrágio.
4.2.05
5% do PNB da China é vendido directamente através da Wal-Mart
Era só para dizer que 5% do PNB da China é vendido directamente através da Wal-Mart.
Eu repito: 5% do PNB da China é vendido directamente através da Wal-Mart.
Não sei se me estou a fazer entender: 5% do PNB da China é vendido directamente através da Wal-Mart.
(Notícia publicada no The Observer de 14.12.04)
Eu repito: 5% do PNB da China é vendido directamente através da Wal-Mart.
Não sei se me estou a fazer entender: 5% do PNB da China é vendido directamente através da Wal-Mart.
(Notícia publicada no The Observer de 14.12.04)
«Nos outros países democráticos isto também se faz há muito tempo...»
Para ficar a saber tudo sobre a teoria e a prática da política suja.
3.2.05
Goya: Grande façanha! Com mortos!
Os desenhos sobre a guerra de Goya são frequentemente apelidados de fantásticos. Mas fantástica é antes a arte que idealiza a guerra, como até Goya quase sempre acontecera. Estes desenhos são, pelo contrário, estritamente realistas.
Este que aqui está, por exemplo, não é uma obra de imaginação mas uma representação fiel das atrocidades cometidas durante a Guerra Peninsular. Para não se julgar que só em Espanha é que era assim, recordo que, na retirada da última invasão francesa, a estrada da Beira ficou cheia até à fronteira de soldados franceses capturados que foram crucificados para servir de exemplo ao Anti-Cristo.
Os meninos da Terra do Nunca
Sabe-se há muito tempo - mas os jornais nunca falam disso - que o Bloco de Esquerda é o segundo partido mais votado na classe média-alta.
Eu não me perturbaria com isso, bem pelo contrário, se o Bloco efectivamente fosse o partido que diz ser, ou seja, um partido da esquerda moderna aberto ao mundo contemporâneo.
Acontece, porém, que não o é. Vejamos porquê.
As duas grandes bandeiras do Bloco são a despenalização do aborto e o casamento dos homossexuais. Mas eis que o seu líder se revelou, há dias, um perfeito homófobo e que, para piorar as coisas, não achou necessário retratar-se publicamente.
Se o Bloco fosse tão exigente consigo mesmo como o é com os outros, Louçã teria sido publicamente desautorizado e, na primeira ocasião, punham-lhe os patins. Mas, é claro, nada disso aconteceu.
Porque o que nele agrada aos seus correliginários é precisamente o moralismo de roupagem moderna, os requebros de seminarista em ruptura com a sua religião, a faceta relapsa do trânsfuga.
As suas catilinárias entusiasmam também porque, mau-grado a falta de seriedade do discurso, há ali uma sugestão de rebeldia bem-comportada que se pode exibir sem riscos nos salões. É o chique radical.
A bem dizer, o que distingue o Bloco dos comunistas é o local de residência e a indumentária, porque, ao contrário da malta dos subúrbios, os bloquistas usam a camisa por fora das calças.
Mas, ao fim e ao cabo, alguém sabe o que verdadeiramente quer o Bloco? Quero eu dizer: o que politicamente quer o Bloco. Por mim, confesso que nunca entendi.
Sinto-me curioso, por exemplo, de saber que espécie de relação mantem ele hoje com as ideologias dos partidos que o fundaram e, designadamente, com Trotsky e Lenine. A sensação com que fico é que eles deixaram de falar de um certo número de temas pura e simplesmente porque acreditam que fazê-lo os prejudicaria eleitoralmente.
Mas há ainda outra hipótese, mais benevolente de um ponto de vista, mas menos de outro. Talvez que, como muitos de nós, eles tenham intimamente reconhecido que o marxismo-leninismo não tem hoje nada para nos oferecer, mas sejam demasiado orgulhosos para reconhecerem que se enganaram.
Continuam, por isso, a exibir sinais exteriores de revolucionarismo no mero intuito de exibir a sua nostalgia dos tempos passados. Da fé só resta hoje a superstição, ou seja, o folclore de gestos e símbolos destituídos de qualquer significado real.
O Bloco seria, portanto, uma espécie de associação de amigos de Alex que encontra a sua base social em cidadãos maduros que hoje integram as classes profissionais bem remuneradas, mas que há trinta anos, na sua juventude, militaram mais ou menos activamente nos movimentos esquerdistas da época com origem nas universidades.
Não lhes recomendo que esqueçam o seu passado, nem sequer que dele se envergonhem, porque verdadeiramente não têm razões para isso. Tampouco lhes peço que não falem dele aos seus filhos, que, imbuídos das fantasias que os pais lhes transmitiram, constituem hoje a parte mais activa do Bloco de Esquerda.
Mas exorto-os decididamente a que cresçam, ou seja, que deixem de encarar a política como o recreio dos Louçãs, dos Fazendas ou das Dragos porque, ao fazê-lo, não estão a assumir uma atitude responsável.
Não imitem os Meninos da Terra do Nunca que, recusando-se a crescer, para sempre ficaram crianças.
Eu não me perturbaria com isso, bem pelo contrário, se o Bloco efectivamente fosse o partido que diz ser, ou seja, um partido da esquerda moderna aberto ao mundo contemporâneo.
Acontece, porém, que não o é. Vejamos porquê.
As duas grandes bandeiras do Bloco são a despenalização do aborto e o casamento dos homossexuais. Mas eis que o seu líder se revelou, há dias, um perfeito homófobo e que, para piorar as coisas, não achou necessário retratar-se publicamente.
Se o Bloco fosse tão exigente consigo mesmo como o é com os outros, Louçã teria sido publicamente desautorizado e, na primeira ocasião, punham-lhe os patins. Mas, é claro, nada disso aconteceu.
Porque o que nele agrada aos seus correliginários é precisamente o moralismo de roupagem moderna, os requebros de seminarista em ruptura com a sua religião, a faceta relapsa do trânsfuga.
As suas catilinárias entusiasmam também porque, mau-grado a falta de seriedade do discurso, há ali uma sugestão de rebeldia bem-comportada que se pode exibir sem riscos nos salões. É o chique radical.
A bem dizer, o que distingue o Bloco dos comunistas é o local de residência e a indumentária, porque, ao contrário da malta dos subúrbios, os bloquistas usam a camisa por fora das calças.
Mas, ao fim e ao cabo, alguém sabe o que verdadeiramente quer o Bloco? Quero eu dizer: o que politicamente quer o Bloco. Por mim, confesso que nunca entendi.
Sinto-me curioso, por exemplo, de saber que espécie de relação mantem ele hoje com as ideologias dos partidos que o fundaram e, designadamente, com Trotsky e Lenine. A sensação com que fico é que eles deixaram de falar de um certo número de temas pura e simplesmente porque acreditam que fazê-lo os prejudicaria eleitoralmente.
Mas há ainda outra hipótese, mais benevolente de um ponto de vista, mas menos de outro. Talvez que, como muitos de nós, eles tenham intimamente reconhecido que o marxismo-leninismo não tem hoje nada para nos oferecer, mas sejam demasiado orgulhosos para reconhecerem que se enganaram.
Continuam, por isso, a exibir sinais exteriores de revolucionarismo no mero intuito de exibir a sua nostalgia dos tempos passados. Da fé só resta hoje a superstição, ou seja, o folclore de gestos e símbolos destituídos de qualquer significado real.
O Bloco seria, portanto, uma espécie de associação de amigos de Alex que encontra a sua base social em cidadãos maduros que hoje integram as classes profissionais bem remuneradas, mas que há trinta anos, na sua juventude, militaram mais ou menos activamente nos movimentos esquerdistas da época com origem nas universidades.
Não lhes recomendo que esqueçam o seu passado, nem sequer que dele se envergonhem, porque verdadeiramente não têm razões para isso. Tampouco lhes peço que não falem dele aos seus filhos, que, imbuídos das fantasias que os pais lhes transmitiram, constituem hoje a parte mais activa do Bloco de Esquerda.
Mas exorto-os decididamente a que cresçam, ou seja, que deixem de encarar a política como o recreio dos Louçãs, dos Fazendas ou das Dragos porque, ao fazê-lo, não estão a assumir uma atitude responsável.
Não imitem os Meninos da Terra do Nunca que, recusando-se a crescer, para sempre ficaram crianças.
Nós, o povo…
Nós, o povo, começamos a estar ainda mais fartos dos maus jornalistas que temos do que dos maus políticos que temos.
Ao fim de trinta anos, lá tivemos finalmente direito a um debate sem gritaria nem sobreposição dos discursos dos adversários.
Curiosamente, porém, os jornalistas presentes acharam que as regras de boa educação não se lhes aplicavam a eles, tendo-se permitido por várias vezes interromper as intervenções dos candidatos.
Mas ainda mais grave do que isso foi o baixíssimo nível das questões colocadas.
Gastou-se um bom quarto de hora a discutir mais uma vez as insinuações de Santana Lopes, algo que só serviu para amplificá-las e conceder-lhes tempo de antena.
Em contrapartida, em uma hora e meia não houve tempo para discutir nem a saúde, nem o ensino, nem a política europeia, nem, aliás, imensos outros temas importantes...
Que falta de nível!
Ao fim de trinta anos, lá tivemos finalmente direito a um debate sem gritaria nem sobreposição dos discursos dos adversários.
Curiosamente, porém, os jornalistas presentes acharam que as regras de boa educação não se lhes aplicavam a eles, tendo-se permitido por várias vezes interromper as intervenções dos candidatos.
Mas ainda mais grave do que isso foi o baixíssimo nível das questões colocadas.
Gastou-se um bom quarto de hora a discutir mais uma vez as insinuações de Santana Lopes, algo que só serviu para amplificá-las e conceder-lhes tempo de antena.
Em contrapartida, em uma hora e meia não houve tempo para discutir nem a saúde, nem o ensino, nem a política europeia, nem, aliás, imensos outros temas importantes...
Que falta de nível!
A banalidade do mal
Adam Smith explicou o princípio da divisão do trabalho através do célebre exemplo da fábrica de alfinetes.
Seria igualmente possível ilustrar os ganhos de eficiência da especialização e divisão do trabalho descrevendo o modo como a Solução Final foi organizada.
Uma das inevitáveis consequências da clássica divisão do trabalho é que cada um só tem que cuidar da tarefa que lhe foi cometida. O domínio da responsabilidade do indivíduo restringe-se ao cumprimento dos objectivos específicos que a organização lhe assignou: «A minha política é o trabalho».
Quanto ao resto, ele não sabe nem tem que saber de nada. Limita-se a cumprir ordens, de consciência perfeitamente tranquila, porque um bom cidadão deve limitar-se a fazer o que a pátria lhe manda sem questionar o julgamento dos seus superiores.
No seu relatório sobre o julgamento de Eichmann, Hannah Arendt inventou o conceito de «banalidade do mal» para dar conta do comportamento desses milhares de funcionários que, ao organizarem e executarem o Holocausto, se teriam limitado a «cumprir ordens».
Na minha maneira de ver, porém, a verdadeira inspiração de Arendt veio de Heidegger e não de Eichmann. Concorde-se ou não com ele, Heidegger foi um dos mais destacados filósofos do século XX. Não lhe eram conhecidas fortes convicções políticas até 1934, nem sequer sentimentos anti-semitas.
Mas Heidegger revelou-se um carreirista mesquinho. Logo que Hitler subiu ao poder, ele aliou-se aos nazis para ser nomeado reitor da universidade de Friburgo e procurou tornar-se no filósofo oficial do regime. Para o conseguir deu cobertura às perseguições a estudantes e professores judeus e católicos, incluindo o seu mentor Husserl.
Depois do final da Guerra e até à sua morte, nunca manifestou qualquer sentimento de culpa e escusou-se sempre a condenar sem ambiguidades o nazismo.
Este e milhões de outros casos ilustram na perfeição como se pode fazer o mal por mera omissão ou inércia.
Estas pessoas não foram, em geral, ameaçadas nas suas vidas nem na sua liberdade. Deixaram-se levar pela onda por preguiça, inércia, comodidade, ambição ou cobardia extrema.
Antes e depois dos acontecimentos, arranjaram sempre desculpas convenientes para não verem, não quererem saber, não se envolverem, não tomarem posição.
Morreram quase todas de consciência tranquila.
Seria igualmente possível ilustrar os ganhos de eficiência da especialização e divisão do trabalho descrevendo o modo como a Solução Final foi organizada.
Uma das inevitáveis consequências da clássica divisão do trabalho é que cada um só tem que cuidar da tarefa que lhe foi cometida. O domínio da responsabilidade do indivíduo restringe-se ao cumprimento dos objectivos específicos que a organização lhe assignou: «A minha política é o trabalho».
Quanto ao resto, ele não sabe nem tem que saber de nada. Limita-se a cumprir ordens, de consciência perfeitamente tranquila, porque um bom cidadão deve limitar-se a fazer o que a pátria lhe manda sem questionar o julgamento dos seus superiores.
No seu relatório sobre o julgamento de Eichmann, Hannah Arendt inventou o conceito de «banalidade do mal» para dar conta do comportamento desses milhares de funcionários que, ao organizarem e executarem o Holocausto, se teriam limitado a «cumprir ordens».
Na minha maneira de ver, porém, a verdadeira inspiração de Arendt veio de Heidegger e não de Eichmann. Concorde-se ou não com ele, Heidegger foi um dos mais destacados filósofos do século XX. Não lhe eram conhecidas fortes convicções políticas até 1934, nem sequer sentimentos anti-semitas.
Mas Heidegger revelou-se um carreirista mesquinho. Logo que Hitler subiu ao poder, ele aliou-se aos nazis para ser nomeado reitor da universidade de Friburgo e procurou tornar-se no filósofo oficial do regime. Para o conseguir deu cobertura às perseguições a estudantes e professores judeus e católicos, incluindo o seu mentor Husserl.
Depois do final da Guerra e até à sua morte, nunca manifestou qualquer sentimento de culpa e escusou-se sempre a condenar sem ambiguidades o nazismo.
Este e milhões de outros casos ilustram na perfeição como se pode fazer o mal por mera omissão ou inércia.
Estas pessoas não foram, em geral, ameaçadas nas suas vidas nem na sua liberdade. Deixaram-se levar pela onda por preguiça, inércia, comodidade, ambição ou cobardia extrema.
Antes e depois dos acontecimentos, arranjaram sempre desculpas convenientes para não verem, não quererem saber, não se envolverem, não tomarem posição.
Morreram quase todas de consciência tranquila.
2.2.05
Ainda Auschwitz: o método na loucura
«Are my methods unsound?», pergunta Kurtz ao capitão Willard que veio pôr termo ao seu comando no filme Apocalipse Now.
«I don’t see any method at all, sir.»
Na parábola sobre o colonialismo que Conrad criou e Coppola adaptou para o cinema, os propósitos são estimáveis, mas, algures pelo caminho, as coisas ficaram descontroladas.
Na Solução Final passou-se precisamente o contrário: os objectivos são criminosos e demenciais, mas os métodos são estritamente racionais.
Não surpreende, pois, que tivéssemos passado a desconfiar da razão.
Durante quase um século e meio, o Ocidente acreditou sem restrições na bondade da sua civilização, baseada no conhecimento científico e na técnica e destinada a espalhar a felicidade e o saber por todo o planeta.
Mas eis que, subitamente, num dos países mais civilizados do mundo, os meios da razão e do progresso foram postos ao serviço da aniquilação de um povo.
O que acima de tudo chocou no Holocausto foi a frieza metódica que presidiu à montagem de um complexo sistema industrial e logístico orientado para a transformação de seres humanos em cinzas, adoptando as mesmas técnicas de gestão que servem para fabricar automóveis ou sabonetes.
As ondas de choque provocadas pela revelação do que se passara em Auschwitz minaram os fundamentos ideológicos da modernidade.
Aprendemos a desconfiar da Razão, do Progresso, da Ciência e da Técnica, ao mesmo tempo que do Povo, da Raça e da Nação. Aprendemos a desconfiar dos grandes ideais. Aprendemos, sobretudo, a desconfiar das maiúsculas, ou seja, das abstracções grandiloquentes.
Mas o essencial é compreender que a racionalidade instrumental, que se alheia da discussão dos propósitos e apenas se interessa pelos meios, é uma forma pervertida de racionalidade. E que a razão deve antes de mais ser aplicada ao escrutínio dos valores que orientam as nossas acções individuais e colectivas.
Mas essa lição não foi aprendida, porque as nossas discussões continuam as mais das vezes a privilegiar os instrumentos em detrimento das metas.
«I don’t see any method at all, sir.»
Na parábola sobre o colonialismo que Conrad criou e Coppola adaptou para o cinema, os propósitos são estimáveis, mas, algures pelo caminho, as coisas ficaram descontroladas.
Na Solução Final passou-se precisamente o contrário: os objectivos são criminosos e demenciais, mas os métodos são estritamente racionais.
Não surpreende, pois, que tivéssemos passado a desconfiar da razão.
Durante quase um século e meio, o Ocidente acreditou sem restrições na bondade da sua civilização, baseada no conhecimento científico e na técnica e destinada a espalhar a felicidade e o saber por todo o planeta.
Mas eis que, subitamente, num dos países mais civilizados do mundo, os meios da razão e do progresso foram postos ao serviço da aniquilação de um povo.
O que acima de tudo chocou no Holocausto foi a frieza metódica que presidiu à montagem de um complexo sistema industrial e logístico orientado para a transformação de seres humanos em cinzas, adoptando as mesmas técnicas de gestão que servem para fabricar automóveis ou sabonetes.
As ondas de choque provocadas pela revelação do que se passara em Auschwitz minaram os fundamentos ideológicos da modernidade.
Aprendemos a desconfiar da Razão, do Progresso, da Ciência e da Técnica, ao mesmo tempo que do Povo, da Raça e da Nação. Aprendemos a desconfiar dos grandes ideais. Aprendemos, sobretudo, a desconfiar das maiúsculas, ou seja, das abstracções grandiloquentes.
Mas o essencial é compreender que a racionalidade instrumental, que se alheia da discussão dos propósitos e apenas se interessa pelos meios, é uma forma pervertida de racionalidade. E que a razão deve antes de mais ser aplicada ao escrutínio dos valores que orientam as nossas acções individuais e colectivas.
Mas essa lição não foi aprendida, porque as nossas discussões continuam as mais das vezes a privilegiar os instrumentos em detrimento das metas.
1.2.05
Má consciência
Este comentário do José Mário Silva é típico de quem tem problemas de consciência, porque o apoio ao processo eleitoral no Iraque é logicamente incompatível com a defesa da retirada da GNR do país.
Para se considerar que as eleições iraquianas foram em si mesmas um facto positivo não é preciso recorrer a argumentos especiosos.
Em primeiro lugar, não sei em que se baseia para dizer que a votação no triângulo sunita foi maior do que se esperava, a não ser que se refira ao que ele esperava.
Em segundo lugar, talvez vocês ainda tenham idade para se lembrar de que, em Portugal, quando os padres da aldeia mandavam as pessoas ir votar na União Nacional ou, mais tarde, no CDS, toda a gente obedecia.
Hoje existe mais abstenção nos países ocidentais porque os cidadãos estão menos enquadrados organicamente, e isso não é necessariamente uma coisa má, porque significa que, de facto, quer votem quer não votem, o fazem em consciência.
Para se considerar que as eleições iraquianas foram em si mesmas um facto positivo não é preciso recorrer a argumentos especiosos.
Em primeiro lugar, não sei em que se baseia para dizer que a votação no triângulo sunita foi maior do que se esperava, a não ser que se refira ao que ele esperava.
Em segundo lugar, talvez vocês ainda tenham idade para se lembrar de que, em Portugal, quando os padres da aldeia mandavam as pessoas ir votar na União Nacional ou, mais tarde, no CDS, toda a gente obedecia.
Hoje existe mais abstenção nos países ocidentais porque os cidadãos estão menos enquadrados organicamente, e isso não é necessariamente uma coisa má, porque significa que, de facto, quer votem quer não votem, o fazem em consciência.
É difícil - mas possível - dizer bem
Apesar do que se diz para aí, o nível desta campanha eleitoral está a ser muito superior ao de outras anteriores.
Não tanto porque os partidos estejam a fazer muito por isso - eles continuam a insistir em servir-nos figuras como o António José Seguro ou o Luís Filipe Menezes e, volta e meia, descambam para a política suja - mas principalmente porque os cidadãos parecem estar a tornar-se mais exigentes.
Muita gente sem filiação partidária tem-se feito ouvir e aproveitado para expor pontos de vista relevantes e bem fundamentados.
Agora só é preciso que esta atitude persista para além do dia das eleições. Ou seja, que os que se opuserem ao governo o façam com seriedade, e que aqueles que o apoiarem não prescindam do seu sentido crítico.
É bem verdade que cada povo tem o governo que merece.
Não tanto porque os partidos estejam a fazer muito por isso - eles continuam a insistir em servir-nos figuras como o António José Seguro ou o Luís Filipe Menezes e, volta e meia, descambam para a política suja - mas principalmente porque os cidadãos parecem estar a tornar-se mais exigentes.
Muita gente sem filiação partidária tem-se feito ouvir e aproveitado para expor pontos de vista relevantes e bem fundamentados.
Agora só é preciso que esta atitude persista para além do dia das eleições. Ou seja, que os que se opuserem ao governo o façam com seriedade, e que aqueles que o apoiarem não prescindam do seu sentido crítico.
É bem verdade que cada povo tem o governo que merece.
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