31.12.05
O judeu errante
Tal como Wittgenstein e Heidegger, também Dylan teve a sua "viragem". É esse, se não estou em erro, o tema central do filme de Scorsese.
A dada altura de No Direction Home, Liam Clancy fala-nos sobre a extraordinária metamorfose sofrida por Dylan após a sua primeira visita a Nova Iorque. Nessa época, ele absorvia com sofreguidão todos os géneros musicais populares, impregnava-se deles, reelaborava-os e, nesse processo, criava uma síntese inovadora e pessoalíssima, ao mesmo tempo estranha e familiar.
Mas Dylan não conseguia ficar parado. Cada patamar que atingia era um mero degrau que deveria conduzi-lo ao seguinte. Segundo o próprio, não o fazia de forma consciente: limitava-se a seguir o seu instinto, sem sequer se sentir seguro de que aquilo que fazia era bom.
Essa constante transformação suscitou primeiro a perplexidade e depois, como não poderia deixar de ser, a desconfiança dos seus amigos e associados.
Pete Seeger viu nele o continuador da linhagem do folk esquerdista inspirado em Woody Guthrie. Essa esperança, brevemente alimentada pelo apoio de Dylan ao movimento dos direitos cívicos, cedo se esfumou. A sua adesão era puramente institiva, não racional. O cantor limitava-se a absorver o espírito do tempo e a encontrar as palavras certas para exprimi-lo.
Mas o espírito do tempo começara a já a mudar. Num ano, Dylan trocou os jeans e as camisas aos quadrados pelos blusões de cabedal, as tee-shirts e os óculos escuros, do mesmo modo que trocou os instrumentos acústicos pelos eléctricos. Ele entendeu rapidamente que, depois dos Stones e dos Beatles, a música popular nunca mais voltaria a ser a mesma.
A reacção de desapontamento e repúdio de uma boa parte dos seus anteriores fãs à viragem é excelentemente documentada no filme pelas monumentais pateadas durante a tournée inglesa e, principalmente, no festival de Newport de 66.
Testemunhamos as reacções em primeira mão do próprio Dylan, por vezes manifestamente pedrado. Apesar da segurança que procurava exibir, ele estava obviamente confuso. Para apaziguar o público, dividiu então os concertos entre uma primeira fase acústica e uma segunda eléctrica, o que provocava ainda mais descontentamento. O oportuno colapso decorrente do tão célebre quando misterioso acidente de moto pôs um ponto final nessa fase.
O retrato que Scorsese traça de Dylan é o do típico judeu errante: sem lar, sem destino, sem família, talvez mesmo sem amigos duradouros. No imaginário popular - e também no anti-semita - o judeu não reconhece nenhuma pátria e nenhuma cultura como suas. Ele transforma-se continuamente para se adaptar às circunstâncias, desenvolvendo uma espécie de cinismo que mais não é, porventura, do que uma estratégia de sobrevivência. Ele é o movimento e a instabilidade. Por instinto, não é fiel a situações, a grupos e a formas. Ele é o solitário que vagueia sem sentido.
Por mim, a viragem de Dylan não me incomodou nada. Bem pelo contrário, preferi claramente a segunda fase à primeira. Só tive pena que, depois do acidente de moto, não tivesse havido uma terceira. Até nisso, Dylan foi um símbolo da sua geração - uma geração que, vá-se lá saber porquê, se cansou demasiado depressa.
O esclarecimento que falta
Admitindo como verdadeira a alegação de que o Estado português não ofereceu nenhuma contrapartida à ENI pela desistência do seu direito de aumentar a participação no capital da Petrogal - que pensarão dessa extraordinária delapidação de património os accionistas da empresa italiana? - a pergunta seguinte será esta: estará o Ministro da Economia em condições de desmentir a existência de um acordo privado entre a ENI e o Grupo Amorim para cedência da participação deste aos italianos uma vez esgotado o período de nojo que se impôs, e que, se bem me recordo, durará apenas até 2010? E, se não está, como pode então ele gabar-se publicamente de ter evitado a tomada da Petrogal por interesses maioritariamente estrangeiros?
30.12.05
29.12.05
As secretarias corporativas de Cavaco
Como fez notar o Paulo Gorjão, quase todos os comentários à proposta de Cavaco de criação de uma Secretaria de Estado de apoio aos empresários estrangeiros incidiram exclusivamente na sua dimensão de intromissão na esfera da acção governativa. Uma excepção: o comentário da Destreza das Dúvidas, com o qual concordo inteiramente. Outra: o post seguinte, que coloquei hoje no Super-Mário.
Seguindo a lógica de Cavaco, o Ministério da Saúde deveria integrar uma Secretaria de Estado dos doentes, outra dos médicos, outra dos enfermeiros, outra das farmácias, e por aí fora.
Um governo representativo não é formado de comissários que tutelam interesses particulares. Integra ministros responsáveis por áreas relevantes para o país que as gerem em nome do interesse colectivo.
É claro que o governo representativo é apoiado na sua acção por organismos e institutos técnicos especializados. Como, por exemplo, o Instituto do Investimento Estrangeiro, ao qual incumbe acompanhar a situação na sua área, propor medidas e executar programas. Mas não são órgãos de poder, são órgãos técnicos, precisamente para se procurar evitar que o governo seja capturado pelas corporações.
Com a sua proposta, Cavaco demonstrou que ignora a diferença entre governo representativo e governo corporativo e confunde a política com a técnica.
Nem é grande surpresa: foi durante os 10 anos do seu consulado que o corporativismo se reinstalou em Portugal. Conhecem a história do modo como a Associação Nacional de Farmácias conquistou o extraordinário poder de que hoje dispõe?
Seguindo a lógica de Cavaco, o Ministério da Saúde deveria integrar uma Secretaria de Estado dos doentes, outra dos médicos, outra dos enfermeiros, outra das farmácias, e por aí fora.
Um governo representativo não é formado de comissários que tutelam interesses particulares. Integra ministros responsáveis por áreas relevantes para o país que as gerem em nome do interesse colectivo.
É claro que o governo representativo é apoiado na sua acção por organismos e institutos técnicos especializados. Como, por exemplo, o Instituto do Investimento Estrangeiro, ao qual incumbe acompanhar a situação na sua área, propor medidas e executar programas. Mas não são órgãos de poder, são órgãos técnicos, precisamente para se procurar evitar que o governo seja capturado pelas corporações.
Com a sua proposta, Cavaco demonstrou que ignora a diferença entre governo representativo e governo corporativo e confunde a política com a técnica.
Nem é grande surpresa: foi durante os 10 anos do seu consulado que o corporativismo se reinstalou em Portugal. Conhecem a história do modo como a Associação Nacional de Farmácias conquistou o extraordinário poder de que hoje dispõe?
Alain, pedagogo da República
Alain (1886-1951), de seu verdadeiro nome Émile Chartier, não figura nos dicionários de filosofia. Ele foi apenas um modesto normando professor de liceu que se dedicou a divulgar alguns dos seus pensadores favoritos, como Descartes, Espinoza e Platão.
Destacou-se como figura dos media da época, principalmente pelos seus Propos, meditações soltas que ao longo de décadas publicou na imprensa francesa.
Talvez ninguém como ele se tenha esforçado por definir essa famosa ética republicana que por cá desperta largos sorrisos ignorantes. Se quisermos encontrar um equivalente português, o mais parecido será provavelmente António Sérgio - que, curiosamente, era monárquico.
Perceber
Tal como Cavaco, John Kay nunca ganhou o prémio Nobel, nem fez sequer investigação que o justificasse.
Todavia, é mais do que um economista razoável, pela simples razão de que dispõe de uma vasta cultura económica, coisa que não sucede com o nosso génio doméstico.
No seu artigo desta semana no FT, ele ilustra com o caso da Guinness o papel que o conhecimento tem na construção de empresas sólidas.
De passagem, fica-se também a perceber que não há boas empresas com empresários ignorante e desconfiados e que o recente surto de desenvolvimento da Irlanda tem profundas raízes no passado.
Todavia, é mais do que um economista razoável, pela simples razão de que dispõe de uma vasta cultura económica, coisa que não sucede com o nosso génio doméstico.
No seu artigo desta semana no FT, ele ilustra com o caso da Guinness o papel que o conhecimento tem na construção de empresas sólidas.
De passagem, fica-se também a perceber que não há boas empresas com empresários ignorante e desconfiados e que o recente surto de desenvolvimento da Irlanda tem profundas raízes no passado.
26.12.05
Alegria e justiça
"A alegria carece de autoridade, porque é jovem; quanto à tristeza, está sentada num trono e é demasiado respeitada. Donde concluo que é preciso resistir à tristeza, não só porque a alegria é boa, o que seria já uma espécie de razão, mas porque precisamos ser justos, e a tristeza, eloquente sempre, sempre imperiosa, nunca quer que sejamos justos."
Alain, 4.1.1912.
Alain, 4.1.1912.
25.12.05
Lamúrias
O que vos desejo para este ano que recomeça (...) é que não digais e também que não penseis que tudo vai de mal a pior. "Esta sede do ouro, este ardor no prazer, este esquecimento do dever, esta insolência da juventude, estes roubos e estes crimes inauditos, este impudor das paixões, estas estações loucas enfim, que quase nos trazem serões mornos no coração do inverno", eis um refrão velho como o mundo dos homens; significa somente isto: "Já não tenho nem o estômago nem a alegria dos meus vinte anos."
Alain, 4 de Janeiro de 1912.
Comercialismo?
Eu quase estaria tentado a concordar que a excessiva comercialização do Natal está a matá-lo a pouco e pouco.
Mas, depois, questiono-me se o autêntico espírito natalício não residirá precisamente nesta fantasia de abundância que faz toda a gente andar de pés no ar durante algumas semanas.
Muitos, suponho eu, imaginam o Reino dos Céus como uma combinação de centro comercial e parque temático com vista para a praia e mesmo ao lado de um estádio de futebol onde o nosso clube eternamente disputa e ganha a final da Liga do Campeões.
23.12.05
21.12.05
Quem ganhou?
As questões colocadas pelo Paulo Gorjão fazem todo o sentido.
Entretanto, eu gostaria de pegar no assunto por outro lado. Ao contrário do que as pessoas parecem pressupor, uma questão do tipo "Quem acha que ganhou o debate de hoje à noite?" é tudo menos clara.
Como se torna evidente quando ouvimos as pessoas discutir o debate, uma pergunta dessas pode ser entendida de várias maneiras. Eis algumas:
1. Quem acha que revelou maior capacidade de argumentação?
2. Quem acha que foi mais convincente?
3. Quem acha que se defendeu melhor?
4. Quem o convenceu a si?
5. Quem acha que convenceu os outros?
6. Quem conseguiu alterar a seu favor a opinião do eleitorado?
Ontem, logo após o debate, o Director do Público opinou que a vitória táctica foi de Soares, mas a vitória estratégica foi de Cavaco. Entendo perfeitamente o que ele quer dizer, mas fico a pensar como responderia JM Fernandes à sondagem realizada.
A ideia de perguntar às pessoas se mudaram de opinião em função do debate parece boa, mas tampouco funciona. Poucas pessoas estarão disponíveis para admitir que um mero debate inflectiu o seu sentido de voto, porque isso fá-las parecer algo volúveis, ou mesmo tontas. A única forma de ter alguma ideia do impacto do debate consiste em acrescentar uma outra pergunta sobre a orientação política ou eleitoral do inquirido, como de resto foi sugerido pelo Pedro Magalhães.
Além disso, é mesmo pouco provável que muita gente mude de opinião acerca de dois homens que conhece há pelo menos um quarto de século em consequência de uma troca de palavras mais acesa. Quase toda a gente sabe quem são Soares e Cavaco e quase toda a gente tem uma ideia sobre a adequação do seu perfil ao cargo de Presidente da República.
É todavia possível que um debate destes persuada alguns a ganharem confiança para declararem uma intenção de voto que até aí tinham ocultado. Estou convencido de que este é um fenómeno muito frequente, mas não tenho provas indiscutíveis do que afirmo.
Não se deve fazer às pessoas perguntas a que elas não sabem ou não querem responder. Esta é uma verdade sólida que todos os especialistas de research conhecem, mas que o público e os comentadores têm alguma dificuldade em entender.
Entretanto, eu gostaria de pegar no assunto por outro lado. Ao contrário do que as pessoas parecem pressupor, uma questão do tipo "Quem acha que ganhou o debate de hoje à noite?" é tudo menos clara.
Como se torna evidente quando ouvimos as pessoas discutir o debate, uma pergunta dessas pode ser entendida de várias maneiras. Eis algumas:
1. Quem acha que revelou maior capacidade de argumentação?
2. Quem acha que foi mais convincente?
3. Quem acha que se defendeu melhor?
4. Quem o convenceu a si?
5. Quem acha que convenceu os outros?
6. Quem conseguiu alterar a seu favor a opinião do eleitorado?
Ontem, logo após o debate, o Director do Público opinou que a vitória táctica foi de Soares, mas a vitória estratégica foi de Cavaco. Entendo perfeitamente o que ele quer dizer, mas fico a pensar como responderia JM Fernandes à sondagem realizada.
A ideia de perguntar às pessoas se mudaram de opinião em função do debate parece boa, mas tampouco funciona. Poucas pessoas estarão disponíveis para admitir que um mero debate inflectiu o seu sentido de voto, porque isso fá-las parecer algo volúveis, ou mesmo tontas. A única forma de ter alguma ideia do impacto do debate consiste em acrescentar uma outra pergunta sobre a orientação política ou eleitoral do inquirido, como de resto foi sugerido pelo Pedro Magalhães.
Além disso, é mesmo pouco provável que muita gente mude de opinião acerca de dois homens que conhece há pelo menos um quarto de século em consequência de uma troca de palavras mais acesa. Quase toda a gente sabe quem são Soares e Cavaco e quase toda a gente tem uma ideia sobre a adequação do seu perfil ao cargo de Presidente da República.
É todavia possível que um debate destes persuada alguns a ganharem confiança para declararem uma intenção de voto que até aí tinham ocultado. Estou convencido de que este é um fenómeno muito frequente, mas não tenho provas indiscutíveis do que afirmo.
Não se deve fazer às pessoas perguntas a que elas não sabem ou não querem responder. Esta é uma verdade sólida que todos os especialistas de research conhecem, mas que o público e os comentadores têm alguma dificuldade em entender.
A União Nacional segundo Cavaco
Cavaco promete não obstaculizar a acção do Governo na condição de ele não adoptar "políticas erradas". Ou seja, na condição de não adoptar as políticas de que Cavaco discorda.
Mas, como já sabemos, ele não admite que pessoas sérias dispondo da mesma informação discordem quanto ao caminho a seguir. Pessoas desonestas escolhem políticas erradas; pessoas honradas adoptam políticas correctas baseadas em consensos nacionais.
Logo, só por má-fé ou ignorância poderá o Governo adoptar "políticas erradas" e colocar-se, assim, em posição de perder a confiança de Cavaco.
Na cabeça de Cavaco não é admissível a pluralidade de ideias, excepto como um equívoco resultante de uma deficiente assimilação da matéria dada. Cabe ao mestre benevolente corrigir o aluno e mostrar-lhe o bom caminho.
E se o aluno for um "mau aluno"? Ou antes: e se o aluno persistir em pensar pela sua própria cabeça e tirar as suas próprias conclusões?
Nesse caso, assumir-se-á como um agente de bloqueio ao serviço de interesses inconfessáveis. Deverá, pois, ser denunciado e apontado à execração pública.
Não são precisos mais debates que não passam de exercícios de retórica artificiosa. As palavras só servem para enganar as pessoas. Do que se precisa é de gente de trabalho que subiu a pulso na vida e que, ao contrário dos políticos profissionais, se preocupa com o futuro dos seus filhos.
A política distrai-nos da competitividade. Se nós já sabemos sem margem para dúvidas quem é competente e lê os dossiês, para quê perder mais tempo com campanhas e eleições?
(Inserido ontem no Super-Mário.)
Mas, como já sabemos, ele não admite que pessoas sérias dispondo da mesma informação discordem quanto ao caminho a seguir. Pessoas desonestas escolhem políticas erradas; pessoas honradas adoptam políticas correctas baseadas em consensos nacionais.
Logo, só por má-fé ou ignorância poderá o Governo adoptar "políticas erradas" e colocar-se, assim, em posição de perder a confiança de Cavaco.
Na cabeça de Cavaco não é admissível a pluralidade de ideias, excepto como um equívoco resultante de uma deficiente assimilação da matéria dada. Cabe ao mestre benevolente corrigir o aluno e mostrar-lhe o bom caminho.
E se o aluno for um "mau aluno"? Ou antes: e se o aluno persistir em pensar pela sua própria cabeça e tirar as suas próprias conclusões?
Nesse caso, assumir-se-á como um agente de bloqueio ao serviço de interesses inconfessáveis. Deverá, pois, ser denunciado e apontado à execração pública.
Não são precisos mais debates que não passam de exercícios de retórica artificiosa. As palavras só servem para enganar as pessoas. Do que se precisa é de gente de trabalho que subiu a pulso na vida e que, ao contrário dos políticos profissionais, se preocupa com o futuro dos seus filhos.
A política distrai-nos da competitividade. Se nós já sabemos sem margem para dúvidas quem é competente e lê os dossiês, para quê perder mais tempo com campanhas e eleições?
(Inserido ontem no Super-Mário.)
19.12.05
Originalidades portuguesas
Aprendi há dias a razão pela qual a designação dos dias da semana - segunda, terça, quarta, etc. - segue em Portugal um princípio inteiramente distinto do adoptado nos restantes países da Europa.
Foi assim: aí pelo Século VI, um fanático que passou para a história como S. Martinho de Dume, originário da Panónia e à data bispo de Braga, decidiu que os nomes tradicionais dos dias da semana, derivados dos deuses antigos, constituíam um inaceitável resquício de paganismo. Equivaliam, por conseguinte, a uma ofensa a Cristo.
Imagina-se quanto sangue terá custado a conversão forçada dos dias da semana. É de intolerâncias como esta que, pelos vistos, se faz a nossa identidade nacional.
(Olhem aí em cima a imagem do implacável santinho imortalizada na pedra.)
18.12.05
Burro velho não aprende línguas
Tirando um oportuno artigo de António Barreto no Público de hoje, não receberam a atenção devida as altas manobras empresariais fomentadas pelo Governo no sector da energia que esta semana vieram a público.
Trata-se de um gigantesco imbróglio conduzido sob o alto patrocínio do ministro Manuel Pinho envolvendo a Petrogal, a ENI, a Petrangol, a Petrocer, a REN, a EDP, a Nuon, a Iberdrola, o Grupo Amorim, a Argus Resources, o BES, a Fomentinvest e a Fundação Oriente. Implica, nomeadamente, compras e vendas de participações em empresas tuteladas pelo Estado e a construção de uma nova refinaria em Sines.
Estas intempestivas incursões governamentais em processos de arranjo e re-arranjo de grupos económicos portugueses são uma infeliz tradição nacional, com resultados nefastos na competividade das nossas empresas e pesados encargos para os consumidores e para o Estado.
O PS, em particular, parece que nunca aprende, nem sequer estando à vista de todos os resultados das infinitas confusões congeminadas pelo cérebro alucinado do ex-ministro Pina Moura.
Para já, é muito curioso que, ao contrário do que aconteceu com a OTA e o TGV, ninguém peça a este propósito explicações ao Governo sobre o que anda a fazer e quais os relevantes interesses nacionais em jogo.
Voltarei a este assunto com mais vagar numa próxima ocasião.
Trata-se de um gigantesco imbróglio conduzido sob o alto patrocínio do ministro Manuel Pinho envolvendo a Petrogal, a ENI, a Petrangol, a Petrocer, a REN, a EDP, a Nuon, a Iberdrola, o Grupo Amorim, a Argus Resources, o BES, a Fomentinvest e a Fundação Oriente. Implica, nomeadamente, compras e vendas de participações em empresas tuteladas pelo Estado e a construção de uma nova refinaria em Sines.
Estas intempestivas incursões governamentais em processos de arranjo e re-arranjo de grupos económicos portugueses são uma infeliz tradição nacional, com resultados nefastos na competividade das nossas empresas e pesados encargos para os consumidores e para o Estado.
O PS, em particular, parece que nunca aprende, nem sequer estando à vista de todos os resultados das infinitas confusões congeminadas pelo cérebro alucinado do ex-ministro Pina Moura.
Para já, é muito curioso que, ao contrário do que aconteceu com a OTA e o TGV, ninguém peça a este propósito explicações ao Governo sobre o que anda a fazer e quais os relevantes interesses nacionais em jogo.
Voltarei a este assunto com mais vagar numa próxima ocasião.
16.12.05
Recordar é viver
Revendo o que aqui escrevi há dois anos sobre o caso Casa Pia, encontrei o seguinte post, de que muito me orgulho, em reacção a uma coisa inqualificável que o Pacheco Pereira escreveu n'O Público. Aqui fica, só para lembrar quem disse o quê:
Tomar a sério? O artigo hoje publicado por Pacheco Pereira no Público admite duas interpretações absolutamente opostas, tanto no plano político como no plano ético.
A primeira leitura, literal e pouco inteligente, consiste em tomar à letra o que está escrito. PP pensaria de facto que Ferro tem a estrita obrigação de precisar com o maior detalhe as suas acusações sobre a tentativa de «decapitação do PS».
Este ponto de vista é difícil de aceitar. Corresponde a afirmar que uma vítima de perseguição caluniosa tem a obrigação de afrontar de peito aberto os poderes fácticos que secretamente o atacam. Numa palavra, tem de expor-se ainda mais e de facilitar-lhes os seus ataques.
Ora, quando alguém é vítima de ataques cobardes de gente que não ousa dizer o seu nome, frequentemente sabe mais, muito mais, do que está em condições de provar. Whodunnit? O próprio, se não for completamente estúpido, é capaz de, mediante o tradicional método de conjecturar quem tem simultaneamente a motivação, a ocasião e a arma do crime, identificar com razoável precisão a origem da calúnia.
Logo, tomado à letra, o texto de PP assemelha-se muito a uma provocação de inspiração policial destinada a atrair a vítima à armadilha. Como nada do que PP tem dito e feito permite supor que seja capaz de tal baixeza, esta interpretação deve ser posta de lado.
Resta então compreender o texto de PP como uma forma ardilosa de insinuar ele próprio aquilo que Ferro, pela razões atrás aduzidas, não está em condições de afirmar. Possivelmente, PP terá entendido com quem o seu partido anda metido e, muito legitimamente, não quer ser confundido nem com essa gente nem com os seus métodos.
Mas, é claro, isto é apenas uma interpretação...
Tomar a sério? O artigo hoje publicado por Pacheco Pereira no Público admite duas interpretações absolutamente opostas, tanto no plano político como no plano ético.
A primeira leitura, literal e pouco inteligente, consiste em tomar à letra o que está escrito. PP pensaria de facto que Ferro tem a estrita obrigação de precisar com o maior detalhe as suas acusações sobre a tentativa de «decapitação do PS».
Este ponto de vista é difícil de aceitar. Corresponde a afirmar que uma vítima de perseguição caluniosa tem a obrigação de afrontar de peito aberto os poderes fácticos que secretamente o atacam. Numa palavra, tem de expor-se ainda mais e de facilitar-lhes os seus ataques.
Ora, quando alguém é vítima de ataques cobardes de gente que não ousa dizer o seu nome, frequentemente sabe mais, muito mais, do que está em condições de provar. Whodunnit? O próprio, se não for completamente estúpido, é capaz de, mediante o tradicional método de conjecturar quem tem simultaneamente a motivação, a ocasião e a arma do crime, identificar com razoável precisão a origem da calúnia.
Logo, tomado à letra, o texto de PP assemelha-se muito a uma provocação de inspiração policial destinada a atrair a vítima à armadilha. Como nada do que PP tem dito e feito permite supor que seja capaz de tal baixeza, esta interpretação deve ser posta de lado.
Resta então compreender o texto de PP como uma forma ardilosa de insinuar ele próprio aquilo que Ferro, pela razões atrás aduzidas, não está em condições de afirmar. Possivelmente, PP terá entendido com quem o seu partido anda metido e, muito legitimamente, não quer ser confundido nem com essa gente nem com os seus métodos.
Mas, é claro, isto é apenas uma interpretação...
14.12.05
Justiça alfabética
Os blogues cujos títulos começam por uma das primeiras letras do alfabeto desfrutam de uma vantagem desleal em relação aos outros, dado que usualmente são colocados à cabeça nas listas de links.
(Acreditem se quiserem, mas eu só me apercebi disso muito depois de ter baptizado este blogue.)
Talvez por se sentir ele próprio injustiçado, o Lutz encontrou uma forma simples e original de compensar os blogues "mais desfavorecidos", para usar uma expressão infeliz mas corrente: linkou os blogues por ordem alfabética invertida.
Bem pensado.
(Acreditem se quiserem, mas eu só me apercebi disso muito depois de ter baptizado este blogue.)
Talvez por se sentir ele próprio injustiçado, o Lutz encontrou uma forma simples e original de compensar os blogues "mais desfavorecidos", para usar uma expressão infeliz mas corrente: linkou os blogues por ordem alfabética invertida.
Bem pensado.
Para além da espuma
Perdida a actualidade, desgastadas as imagens pela repetição ad nauseam, inoculados os preconceitos, os media zarparam prontamente para outras paragens em busca de sangue fresco.
Mas um magnífico ensaio de reflexão é tentado neste magnífico post em que o Afonso Bívar retoma a análise dos recentes motins em França.
(Uma breve nota final para modestamente sugerir que, podando algum do hermético jargão de que a prosa padece, o resultado final poderia ser muito melhorado.)
Equívocos
Um breve post que coloquei no Super-Mário suscitou este comentário perspicaz do Paulo Gorjão.
Gostaria apenas de esclarecer que nem sei, nem é relevante para o meu argumento, que papel terá ou não desempenhado o "aparelho" do PS na escolha do candidato Mário Soares.
O que eu digo (e mantenho) é que boa parte do encanto da candidatura de Alegre resulta de ele ser visto como alguém que se rebelou contra o arranjismo e o negocismo que minam o PS por dentro. Votando contra o candidato oficial do partido, os seus apoantes entendem estar a protestar contra esse estado de coisas.
Creio que se trata de mais um equívoco, mas essa já é outra questão...
(Quanta à falta de consistência do pensamento de Alegre, trata-se de um tema que merece um tratamento mais cuidado. A ver se arranjo tempo e arte...)
Gostaria apenas de esclarecer que nem sei, nem é relevante para o meu argumento, que papel terá ou não desempenhado o "aparelho" do PS na escolha do candidato Mário Soares.
O que eu digo (e mantenho) é que boa parte do encanto da candidatura de Alegre resulta de ele ser visto como alguém que se rebelou contra o arranjismo e o negocismo que minam o PS por dentro. Votando contra o candidato oficial do partido, os seus apoantes entendem estar a protestar contra esse estado de coisas.
Creio que se trata de mais um equívoco, mas essa já é outra questão...
(Quanta à falta de consistência do pensamento de Alegre, trata-se de um tema que merece um tratamento mais cuidado. A ver se arranjo tempo e arte...)
13.12.05
Uma teoria inútil?
As campanhas eleitorais são por regra conduzidas no pressuposto de que é preciso convencer os eleitores da excelência do nosso candidato. Mais precisamente: não todos os eleitores, mas apenas os indecisos.
Ora, por razões complexas, eu acredito que os verdadeiros indecisos não votam, tal como acredito que é tempo perdido convencê-los a votar.
Quanto aos numerosos cidadãos que nas sondagens se declaram "indecisos", trata-se na verdade de pessoas que - seja por vergonha, por medo, ou por outro motivo - não querem revelar a sua intenção de voto.
Assim sendo, os debates não convencem as pessoas a votar neste ou naquele candidato porque, como seria de esperar, elas já terão definido a sua posição há muito tempo. Quando muito, poderão convencê-las a revelar a sua inclinação.
Admito, porém, que uma ínfima minoria de pessoas genuinamente indecisa acabará por votar. Normalmente, essas pessoas votarão em quem acharem que vai ganhar. Não votam, pois, por convicção, mas apenas para terem a satisfação de estar do lado vencedor.
Quando uma eleição está muita apertada, elas acabam por desempenhar um papel decisivo.
Que concluír? Que, embora em teoria a persuasão desempenhe um papel marginal numa campanha, na prática não resta outra alternativa senão tentar...
Ora, por razões complexas, eu acredito que os verdadeiros indecisos não votam, tal como acredito que é tempo perdido convencê-los a votar.
Quanto aos numerosos cidadãos que nas sondagens se declaram "indecisos", trata-se na verdade de pessoas que - seja por vergonha, por medo, ou por outro motivo - não querem revelar a sua intenção de voto.
Assim sendo, os debates não convencem as pessoas a votar neste ou naquele candidato porque, como seria de esperar, elas já terão definido a sua posição há muito tempo. Quando muito, poderão convencê-las a revelar a sua inclinação.
Admito, porém, que uma ínfima minoria de pessoas genuinamente indecisa acabará por votar. Normalmente, essas pessoas votarão em quem acharem que vai ganhar. Não votam, pois, por convicção, mas apenas para terem a satisfação de estar do lado vencedor.
Quando uma eleição está muita apertada, elas acabam por desempenhar um papel decisivo.
Que concluír? Que, embora em teoria a persuasão desempenhe um papel marginal numa campanha, na prática não resta outra alternativa senão tentar...
9.12.05
"Rice satisfez Bruxelas com garantia que EUA não torturam" (Público, 9.12.05)
Este é, para mim, o título mais perturbador do ano.
Só os excessivamente ingénuos ignoram que a tortura pode ocorrer - e, por isso, uma vez por outra, ocorre mesmo - no seio das democracias liberais mais respeitadas.
Resta-nos a consolação de saber que, quando tal monstruosidade se verifica, ela só pode, por regra, ter lugar à revelia dos poderes instituídos ou nas margens do sistema.
O que agora se passou nos EUA não foi isso. Ouvimos o Director da CIA pôr em dúvida que a asfixia seja tortura. Lemos opiniões de doutos juízes americanos invocando a "guerra contra o terror" para justificar procedimentos excepcionais de interrogatório. Soubemos que o Presidente Bush se propõe vetar uma deliberação banindo explicitamente a tortura proposta na Câmara dos Representantes por John McCain, ele próprio torturado como prisioneiro de guerra no Vietname do Norte.
Foi tudo isso que tornou necessária essa extraordinária declaração de Condoleezza Rice garantindo que a América não recorre à tortura.
E nós, iremos acreditar, tendo em conta que o seu discurso parece redigido por uma equipa de advogados sabidolas que cuidou vírgula a vírgula de não mentir sem todavia dizer a verdade toda?
Esta declaração seria uma coisa normal - e até positiva - se tivesse sido arrancada à China, a Cuba ou à Coreia do Norte. Vinda dos EUA, e nos termos em que foi feita, é um embaraço para todo o mundo civilizado.
Só os excessivamente ingénuos ignoram que a tortura pode ocorrer - e, por isso, uma vez por outra, ocorre mesmo - no seio das democracias liberais mais respeitadas.
Resta-nos a consolação de saber que, quando tal monstruosidade se verifica, ela só pode, por regra, ter lugar à revelia dos poderes instituídos ou nas margens do sistema.
O que agora se passou nos EUA não foi isso. Ouvimos o Director da CIA pôr em dúvida que a asfixia seja tortura. Lemos opiniões de doutos juízes americanos invocando a "guerra contra o terror" para justificar procedimentos excepcionais de interrogatório. Soubemos que o Presidente Bush se propõe vetar uma deliberação banindo explicitamente a tortura proposta na Câmara dos Representantes por John McCain, ele próprio torturado como prisioneiro de guerra no Vietname do Norte.
Foi tudo isso que tornou necessária essa extraordinária declaração de Condoleezza Rice garantindo que a América não recorre à tortura.
E nós, iremos acreditar, tendo em conta que o seu discurso parece redigido por uma equipa de advogados sabidolas que cuidou vírgula a vírgula de não mentir sem todavia dizer a verdade toda?
Esta declaração seria uma coisa normal - e até positiva - se tivesse sido arrancada à China, a Cuba ou à Coreia do Norte. Vinda dos EUA, e nos termos em que foi feita, é um embaraço para todo o mundo civilizado.
8.12.05
A Benfíquíada
Há bem uma dúzia de anos que - Deus me perdoe! - eu não sofria pelo Benfica. Entendam-me bem: eu não alinho com a lamechice do patriotismo futebolístico. Fosse antes o adversário o Ajax, O Milan ou o Liverpool, todos eles clubes do meu coração, e ninguém me pilharia a insultar o árbitro grego por conceder demasiado tempo de desconto.
Mas, ontem, foi assim mesmo: gostei do jogo e gostei do ambiente e gostei de ver o Benfica e gostei de me entusiasmar e gostei da vitória, tal como, confesso, também gostei da derrota do Queirós, um sujeito com quem particularmente embirro.
Agora, aqui entre nós, é altura de reconhecer que o Koeman, frequentemente acusado de não ser um tipo muito esperto, deu ao Benfica uma consistência que há muito tempo ele não tinha - não, meus amigos, nem sequer, no tempo do Trapatonni. Só isso lhe permitiu ganhar a uma equipa de primeiro plano sem contar com os seus dois melhores jogadores, o Simão e o Manuel Fernandes.
Mas, ontem, foi assim mesmo: gostei do jogo e gostei do ambiente e gostei de ver o Benfica e gostei de me entusiasmar e gostei da vitória, tal como, confesso, também gostei da derrota do Queirós, um sujeito com quem particularmente embirro.
Agora, aqui entre nós, é altura de reconhecer que o Koeman, frequentemente acusado de não ser um tipo muito esperto, deu ao Benfica uma consistência que há muito tempo ele não tinha - não, meus amigos, nem sequer, no tempo do Trapatonni. Só isso lhe permitiu ganhar a uma equipa de primeiro plano sem contar com os seus dois melhores jogadores, o Simão e o Manuel Fernandes.
2.12.05
É muito difícil prever, especialmente o futuro
Na foto: Paul Samuelson em Maio último, no dia do seu 90º aniversário.
Em 1970, a 8ª edição de Economics de Paul Samuelson, durante décadas o manual de teoria económica mais utilizado em todo o mundo, previa que em 2005 o produto per capita da União Soviética ultrapassaria o dos Estados Unidos.
Mais dia menos dia, deve estar a acontecer.
Os velhos
Os velhos metem-se-nos à frente do carro a atravessar muito devagarinho a rua quando o sinal já mudou. Empatam a fila do multibanco porque metem o cartão ao contrário. Querem passar à frente no elevador. Pedem muitas explicações na repartição de finanças. Enchem as urgências dos hospitais. Chateiam o criado porque a comida está salgada. Ocupam os bancos dos jardins e dos autocarros. Falam muito de quando eram novos. Acham que no tempo deles é que as pessoas eram educadas. Teimam que a gente não sabe fazer as coisas. Têm muitos planos para o futuro. Agora, ainda por cima, candidatam-se a presidentes.
Merkel tem razão
Pois é, pois é, isto poderá estar tudo muito certo. Mas a verdade é que, embora não fosse nele que a Srª Merkerl estava a pensar, o homem que mais contribuíu para a invenção do computador foi Leibniz - um alemão, portanto.
Não só por ter aperfeiçoado a máquina de calcular de Pascal, ter feito evoluir o cálculo proposicional e ter inventado o sistema binário, mas principalmente por todos esses avanços terem sido inspirados pela ideia de projectar uma máquina capaz de pensar.
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