O tema do aborto é tão doloroso e complexo que um grande número de pessoas, talvez uma significativa maioria, não sabe bem o que pensar sobre ele. É assim, por exemplo, que certas mulheres, tendo elas próprias abortado em circunstâncias que entendem justificadas, são capazes de defender o "Não" por acreditarem que "as outras" poderão fazê-lo levianamente.
Não se tratando de uma causa que mobilize os eleitores para irem votar entusiasticamente, a abstenção só não tentará, por um lado, aqueles para quem a questão é premente (mulheres jovens, sobretudo), por outro lado, aqueles que, por convicção profunda, activamente militam em favor de uma ou outra posição.
Ao contrário do que às vezes se diz, as chamadas questões concretas têm menos poder motivador do que as grandes causas. Que tipo de motivações poderão então incitar os eleitores à participação?
Argumenta-se que não está aqui em causa uma clivagem entre direita e esquerda porque tanto há gente de direita a fazer campanha pelo "Sim" como gente de esquerda a fazer campanha pelo "Não". Trata-se de um equívoco: seja qual for o tema concreto em debate, haverá sempre votantes de direita que optarão pela posição apoiada pela esquerda e vice-versa.
É interessante notar, a este propósito, que, um pouco por todo o mundo, cada um dos lados escolhe em apoio da sua opção um argumento que, sem trair o essencial daquilo em que acredita, procura antes de mais neutralizar potenciais votantes da outra alternativa. Assim, a esquerda agita a "liberdade de escolha", um tema que procura agradar à direita, tradicionalmente adepta da "responsabilidade individual". Inversamente, a direita bate-se neste contexto pelo "direito à vida" para aliciar a esquerda que tanto valoriza a bandeira da "dignidade humana".
De uma forma implícita reconhece-se, portanto, que, à partida, as alternativas em confronto correspondem bastante bem à divisão entre direita e esquerda e faz-se o que se pode para desmobilizar o lado oposto sem desunir as próprias hostes.
Acredito por isso que os adeptos do "Não" criarão problemas para si mesmos se deslocarem o foco da sua argumentação do sempre perturbador tema do "direito à vida" para aqueloutro, tipicamente de direita, do combate à carga fiscal. Gato escondido com o rabo de fora é uma boa receita para a derrota.
Quanto aos partidários do "Sim", suponho que ganharão tudo em insistir em dois - e apenas dois - argumentos:
1. A experiência demonstra que nenhuma das muitas iniciativas bem intencionadas até agora tentadas aqui e noutros países se revelou capaz de pôr cobro ao aborto clandestino, com as terríveis consequências que se conhecem para a saúde das mulheres que o praticam.
2. Nestas condições, a única forma responsável de lidar com esse problema de saúde pública é a despenalização do aborto.
Evidentemente, isto não esgota o assunto. Mas é tudo o que é preciso para proporcionar uma clara orientação política ao movimento do "Sim" e para unir o maior número possível de pessoas em torno dele.
11.1.07
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