25.2.09

"Quem tem lucro não pode despedir"

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A ideia de que as empresas que têm lucro não deveriam poder despedir é mais um daqueles absurdos em que o Bloco de Esquerda é pródigo.

De modo que à pergunta do José Castro Caldas: "Quem é capaz de discordar?", respondo sem hesitação que discordo eu.

Pensem primeiro, se estiverem para aí virados, o que entendem exactamente por uma empresa ter lucro? Que teve lucro no ano passado? Que teve lucro no trimestre passado? Que teve lucro no mês passado?

Mas uma empresa pode ter tido lucro no ano, no trimestre ou no mês passados, e apresentar prejuízo neste ano, neste trimestre ou neste mês.

Que pretende então dizer o Bloco? Que uma empresa que teve lucro no ano passado não poderá despedir no ano corrente? Como seria exactamente a lei que têm em mente se é que em mente têm algo para além do vistoso sound-bite?

Mas eu digo mais: uma empresa rentável pode prever com razoável certeza que em breve deixará de sê-lo quando toma conhecimento que dentro de 6 meses será cancelado um determinado contrato de fornecimento e que no horizonte não se perspectiva nenhuma possibilidade realista de substituí-lo por outro.

Que deverá então fazer o seu gestor? Começar imediatamente a adaptar os diversos recursos de que dispõe tendo em vista a procura futura, ou esperar que a empresa mergulhe no vermelho para só depois fazer alguma coisa? A resposta parece-me óbvia, sobretudo tendo em conta que os despedimentos demoram tempo e (muito justamente) acarretam custos para a entidade empregadora.

Mas não podem as empresas perder dinheiro durante algum tempo? Podem, e, em certas circunstâncias, talvez devam, se se acreditar que as condições adversas serão passageiras e que a perturbação que inevitavelmente resultará de um despedimento colectivo ameaçar desmoralizar os trabalhadores que ficam.

E, além disso, há ainda, naturalmente, o sentido de responsabilidade moral da empresa perante as pessoas que, apesar de sempre terem dado o seu melhor, assim serão colocadas numa situação dramática.

Vale a pena considerar ainda outra questão. A teoria económica tradicional encara o lucro apenas como o prémio do risco, mas eu tenho boas razões para acreditar que o lucro é antes de mais uma garantia de futuro.

Quero eu dizer com isto que uma empresa que não gera lucros perde a possibilidade de investir em equipamentos, em inovação e em toda a sorte de activos intangíveis, comprometendo desse modo (talvez irremediavelmente) a sua competitividade futura.

De modo que uma empresa que não despede atempadamente e aceita acumular prejuízos por tempo indeterminado pode estar a criar condições para, a prazo, acabar por encerrar as portas e arrastar na sua ruína todos e não apenas alguns dos seus trabalhadores.

Como diz Van Zeller na entrevista que José Castro Caldas cita com manifesto desrespeito pelas palavras do entrevistado: "Tem de ser visto caso a caso e não se pode atirar pedras a empresas que estão muitas vezes a fazer o melhor que sabem e a tentar proteger os trabalhadores."

Em resumo, qualquer gestor dotado de um sentido mínimo de decência deve pensar setenta vezes antes de proceder a despedimentos (sobretudo numa situação como a actual), mas pretender instituir uma lei do tipo da proposta pelo Bloco de Esquerda é algo de uma demagogia sem nome, sobretudo quando a proposta vem de quem deveria ter a obrigação de entender minimamente o que é gerir uma empresa.

É por essas e por outras que o Bloco me provoca urticária.
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6 comentários:

Anónimo disse...

Note que este tipo de afirmações foram proferidas por um sujeito doutorado em Economia e que é tido por um dos melhores economistas portugueses. O seu CV é extenso e goza de um grau de internacionalização como poucos gozam.

Temos que distinguir dois aspectos neste problema: o aspecto político e o aspecto jurídico-económico. O aspecto político aponta para um discurso de crise em que os partidos extremistas (tanto de esquerda como de direito) são pródigos nas alturas críticas como as actuais. Os partidos de extrema-esquerda dizem que querem a proibição dos despedimentos porque isso agrada à população que tem medo de perder os empregos num ano de eleições; os partidos de extrema-direita apontam as baterias aos imigrantes, na linha das seitas extremistas europeias que os sustentam doutrinalmente e procuram fazer deles tentáculos do seu poder.

No aspecto político económico, pouco mais há a acrescentar ao que disse. O lucro consiste na diferença entre as receitas realizadas e os custos suportados durante um certo período, fornecendo a situação líquida da sociedade. De uma maneira geral, reporta-se ao ano anterior. Aqui se nota desde já a falácia: uma sociedade que tenha uma situação positiva no ano anterior (ou seja com lucro) pode terminar com uma situação negativa este ano se não cortar nos custos - em última instância entrar em falência. Logo, se ume empresa que tiver tido lucro no ano anterior entrar em dificuldades este ano e não despedir (por hipótese) 10% da força de trabalho para conter os custos, pode entrar em falência e perder 100% dos postos de trabalho. Esta doutrina não só é economicamente insustentável como iria trazer custos incomportáveis para a Segurança Social para evitar situações de miséria (já para não falar nos prejuízos para o país das empresas falidas).

Mas o despedimento traz custos e muito bem! Sucede que os problemas sociais que um despedimento livre podem trazer à sociedade em virtude da dificuldade de reinserção profissional de vários grupos (em particular por culpa do sistema educativo português que pouco evoluiu desde a reforma do Marquês de Pombal) aconselham limitações ao despedimento. Nstes termos, o empregador pode recorrer ao lay-off (suspender os contratos de trabalho) e cortar nos custos externalizando-os para a Segurança Social. O Cod. do Trabalho permite fazer este procedimento com muita facilidade. Enquanto o trabalhador está na seg. social pode frequentar cursos de formação profissional ou procurar outro emprego. Assim se consegue um equilibrio entre a proteção social, a transição profissional e a necessidade de cortar nos custos para assegurar a sobrevivência das empresas.

Impressiona-me que aquele tipo de discurso venha de um economista: já conseguiu convencer-me a não votar no partido dele pois apenas uma mentalidade muito perversa pode dizer uma coisa daquele género!

Francisco Clamote disse...

O Louçã tem desculpa. A demagogia de que dá provas é garantia do seu (dele) emprego!

Anónimo disse...

O Prof. Dr. FL ilustra bem a diferença entre os teóricos (ensinam) e os práticos (executam).

JPC e os dois comentadores têm toda a razão, mas que as palavras do Prof. Dr. Fl soam como "música para os ouvidos", isso soam!

É a versão urbana e sofisticada do mais popular "os ricos que paguem a crise"!

... mas lembram-se quando as empresas faziam anúncios com gráficos de crescimento de vendas e de emprego ?

E quando o "bom empresário" (não se falava em gestor) era aquele que fazia crescer mais e não aquele que mais cortava nos custos ?

Anónimo "do 1º ao 7º (...)"

AC disse...

"De modo que uma empresa que não despede atempadamente e aceita acumular prejuízos por tempo indeterminado pode estar a criar condições para, a prazo, acabar por encerrar as portas e arrastar na sua ruína todos e não apenas alguns dos seus trabalhadores."

Eu me pergunto se a intenção não seria exatamente conduzir as empresas à falência e assim, como se diz, "apressar o processo revolucionário" ou qualquer coisa semelhante.

NC disse...

Creio que há ainda outra acepção que pode ser dada ao slogan do partido de frei Louçã. É a de que empresas que dão lucro não devem fechar, mantendo-se assim os postos de emprego possíveis. Ou seja, ainda que um empresário tenha um retorno inferior ao esperado para a classe de risco do sector de actividade em que se insere, ele deve manter a sua empresa aberta.

Nesse caso tratar-se ia de um "apelo" a uma visão mais a longo prazo e à não-ganância empresarial. Esta postura já seria menos extremista que a que se interpreta à primeira vista do cartaz. Mas duvido que seja essa a mensagem que se quis transmitir...

Anónimo disse...

Não sei se as palavras de Francisco Louçã fazem sentido ou não. Sei que as políticas actuais, nacionais e globais, conduziram à criação de uma classe abastada (nem sei se o senhor João Pinto e Castro pertence a essa classe) que tudo faz para manter o estado de coisas. Percebo que não haverá mudanças enquanto continuarem a dominar o mundo com os seus ideiais de produção, consumo e maximização de lucros.