27.4.12

Duas teorias

Reconheço como igualmente verosímeis duas avaliações distintas da mais recente viragem opinativa de Pacheco Pereira: a) o homem é um genuíno espírito independente; b) o homem é tolo.
Há um ano, anunciava que o desgoverno orçamental conduziria o país à ruína, exigia sangrenta austeridade, aplaudia freneticamente os pronunciamentos do Presidente da República, sofria terríveis alergias de cada vez que falava Sócrates, execrava a moleza do PEC4, queria eleições já, pedia uma intervenção estrangeira (se possível, armada), ansiava pelo governo da troika.
Agora, vomita à simples menção de Passos Coelho, cospe no PP, teme que a coligação destrua a economia e a classe média, pede moderação, condena o determinismo económico, quer organizar a resistência ao diktat alemão, desespera com a inconsequência de Cavaco, lembra quanto de magnífico se conseguiu nas últimas décadas.
Por mim, diria que qualquer das teorias acima mencionadas é compatível com a informação empírica disponível. Não vos parece?

Quanto pior, melhor

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Parece confirmar-se que a nossa única esperança reside numa rápida e dramática deterioração da situação económica na UE, capaz de provocar uma inversão de cento oitenta graus nas políticas até agora seguidas.
Esta minha opinião parece estar a ganhar cada vez mais apoiantes. Senão, reparem: Portugal mergulha numa recessão cada vez mais profunda, sem esperança de crescimento à vista; o desemprego prossegue a sua escalada imparável; finalmente, o défice não baixa e o endividamento cresce.
Apesar disso, os juros da nossa dívida descem no mercado secundário em contraste com os das dívidas espanhola e italiana, que crescem.
Como racionalizar esta evolução?
Parece-me óbvio: sendo inadmissível o incumprimento da Espanha e, ao mesmo tempo, impossível socorrê-la (dada a escassez de fundos disponíveis no FEEF), não resta outra solução senão a cedência da Alemanha e a intervenção mais directa e decidida do BCE em apoio aos países membros.
Nessas circunstâncias, Portugal e a Irlanda deixarão também de ser um problema. Já a Grécia permanece um caso distinto.
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25.4.12

O Barcelona é uma praga

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Eliminado o Barça, não sobra qualquer razão válida para eu sofrer pelo Mourinho, muito menos pelo Real.
Há duas razões para se desejar mal ao Barcelona. Primeira, trata-se de um clube detestável pelo que em si mesmo representa: o mesquinho, oportunista e torpe nacionalismo catalão.
Segunda, nunca uma equipa de futebol revelou uma tão esmagadora e inquestionável superioridade sobre toda a concorrência, ao ponto de a própria modalidade correr perigo. Não se põe crianças a jogar contra adultos, nem mulheres contra homens, nem uma seleção unicamente constituída por grandes futebolistas mundiais contra o Barça - porque, pura e simplesmente, isso não é justo.
Algo está profundamente errado quando uma equipa sistematicamente trucida com a maior descontração não só o principal rival caseiro (5-0), o campeão da Alemanha (7-0) ou o campeão da América do Sul (4-0), deixando a clara sensação que, se se esforçassem, a punição poderia ter sido ainda mais cruel. Tudo isto praticando um futebol prussiano, chato como a potassa, que ameaça rebaixar a modalidade ao nível do andebol de sete (que o meu tio Armando me perdoe por escrever isto!).
Sucede que, quando o império do Barcelona ruir (dia que, calculo, ainda virá longe), o que se lhe seguirá será ainda pior.
Mourinho terá sido o primeiro a perceber que, para derrotar o Barça, é preciso deixá-lo fazer aquilo que ele gosta e sabe fazer: permitir-lhe ter a bola, convidá-lo a trocá-la à entrada da área, montar uma defesa composta por duas linhas (uma com seis, outra com quatro jogadores), privilegiar as marcações homem a homem, ressuscitar a figura do libero (Pepe!), forçar o contacto físico, privilegiar o futebol de pontapé para a frente e muita correria e, finalmente, rezar para que o adversário tenha azar - muito azar.
O futebol pós-Barça ameaça, pois, ser superlativamente primitivo, desavergonhadamente tosco na filosofia e na prática, nos princípios e na táctica, na forma e no conteúdo. Émulos do mítico Hrubesch concorrerão a "melhor jogador do mundo".
Enquanto o pau vai e vem, resta-me a absurda opção de torcer para que o Bayern seja este ano campeão da Europa. Porca miseria!
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24.4.12

O direito ao orgulho no trabalho bem feito

Porque necessitamos afinal de empresas ou instituições? Esta é a questão que coloco no meu artigo no Negócios desta semana, a propósito da polémica suscitada pela anunciada extinção da Maternidade Alfredo Costa.
Enquanto não o lêem todo, fica aqui a conclusão:
Instituições confiáveis, como a Maternidade Alfredo Costa, demoram décadas a construir. Não se pode permitir que uma facção de bárbaros engravatados destrua de uma penada a dedicação e o esforço de gerações de profissionais justamente orgulhosos da qualidade do seu trabalho.

20.4.12

Independentes de quem?

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A independência dos bancos centrais tornou-se com o passar do tempo num dogma que quase ninguém se atreve a questionar. A experiência dos anos recentes, porém, obriga-nos a interrogar de quem são afinal eles independentes.

Ainda bem que Daron Acemoglu e Simon Johnson ousam partir a louça toda num artigo provocativo que vale a pena ler na íntegra:
Declaring the central bank independent doesn’t move it outside the orbit of politics.

Monetary policy has an impact on inflation, output and employment. But it also has a major impact on stock market prices. Any central banker raising interest rates is reducing stock market values and thus eroding the bonuses of top bankers and other chief executives.

Those people will lobby, asserting that higher interest rates will undermine the economy and cause us to plummet into recession, or worse.

In principle, the Fed could stand up to the bankers, pushing back against all specious arguments. In practice, unfortunately, the New York Fed and the Board of Governors are quite deferential to financial-sector “experts.” Bankers are persuasive; many are smart people, armed with fancy models, and they offer very nice income-earning opportunities to former central bankers.
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19.4.12

Economia e pseudociência

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Ocorreu-me uma experiência que poderia ajudar a revelar o estado da ciência económica tal como é ensinada e propagada.

Começava-se por entregar a um qualquer matemático um reputado manual de microeconomia e pedia-se-lhe para assinalar eventuais erros que lá encontrasse. O volume seria com toda a probabilidade devolvido sem mácula, eventualmente acompanhado de comentários apreciativos em relação ao rigor lógico dos raciocínios utilizados.

A seguir, transitaria para um especialista de economia da organização (economia industrial em linguagem antiga). Muitas passagens viriam riscadas ou marcadas com pontos de interrogação.

Fase seguinte, mais difícil ainda: submissão ao olhar crítico de alguém versado em economia comportamental. Desconfio que aumentaria drasticamente a quantidade e a dureza das observações críticas.

A concluir, o livro seria submetido ao crivo de um especialista em comportamento do consumidor - e seria o completo massacre.

Numa estimativa benévola, acredito que mais de metade do conteúdo do manual seria classificado como redonda e comprovadamente falso à luz do estado da investigação contemporânea.

A microeconomia é uma pseudociência, o mesmo podendo dizer-se daquela parte da macroeconomia assente em fundamentos microeconómicos.

Infelizmente, o essencial do ensino pré-graduado e da síntese que é servida ao grande público assenta em produtos fabricados com ingredientes deteriorados dessas desgraçadas proveniências.

Quando à parte sã da investigação económica – a mais substancial dela, note-se – jamais chega ao conhecimento da opinião pública, não contribuindo por isso para torná-la mais informada.
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13.4.12

E por que não fazer outsourcing?

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Os trabalhadores explorados deste país, humilhados quotidianamente por uma coligação que junta meninos copo-de-leite do PP e tiranetes casca-grossa do PSD, têm por fim uma voz que exprime eloquentemente a sua revolta todas as 5as feiras na Quadratura do Círculo.

Não me refiro obviamente ao sorumbático António Costa, com o seu eterno sorriso de bonzo tranquilo, mas a Pacheco Pereira. Depois de ter feito tudo o que estava ao seu alcance para derrubar Sócrates e pôr lá Passos, Pacheco explica agora semanalmente ao povo com a mesma convicção que este governo não deixará pedra sobre pedra se o deixarem prosseguir tranquilamente a obra de destruição a que há 10 meses se abalançou.

Costa acredita que há toda a vantagem em o PS votar a favor da regra do estrangulamento orçamental, ajudando o país a adiantar-se aos seus parceiros da União. Pacheco contra-argumenta, por palavras suas, que, "lá fora", isso apenas reforçará a ideia de que somos uma nação de parvos com cujo sentimento ninguém precisa de preocupar-se.

Ocorreu-me ontem que, se o PS se sente demasiado cansado para fazer oposição, poderia talvez subcontratar a tarefa ao Pacheco Pereira. Ou então, no mínimo, tomariam boa nota dos argumentos que ele usa e repeti-los-iam, como papagaios bem comportados, quando não soubessem o que dizer - ou seja, quase sempre.
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11.4.12

A crise como oportunidade

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Pessoas tão proficientes no uso da língua chinesa como Jorge Jesus no da portuguesa asseguram-nos que, na exótica fala do Império do Meio, a palavra "crise" também significa "oportunidade".
O artifício retórico não poderia, por isso, deixar de contribuir para engrossar o arsenal de dislates da actual maioria. Infelizmente para ela, trata-se de mais uma treta sem fundamento.
A oportunidade que se arriscam por isso a perder é, apenas e só, a de estarem calados.
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O capital não tem pátria, ou talvez tenha

Faz-me impressão o à-vontade com que entre nós se ignora as eventuais consequências da aquisição de empresas portuguesas por proprietários estrangeiros.

É verdade que, na maioria dos casos, não há nada a perder e muito a ganhar com a troca.

Mas nem sempre é assim.

A nacionalidade dos detentores da propriedade de uma empresa conta - e muito - como Adam Smith bem sabia.

Que circunstâncias poderão eventualmente tornar uma tal operação nociva para o país? É esse o tema do meu artigo desta semana no Negócios.