1. Por razões profissionais, visito com frequência empresas dos mais variados sectores de actividade. Por toda a parte, só vejo mulheres a trabalhar, a tal ponto que já me perguntei: onde param os homens? Os homens estão ocupados a mandar, pois há mulheres em toda a parte, menos nos centros nucleares do poder. Reparem, por exemplo, que não há mulheres nos postos do comando dos sítios que verdadeiramente interessam: não há mulheres nem na Política, nem nos Media, nem na Banca, nem no Exército, nem na Polícia, nem no Futebol, nem na Igreja.
2. Aqueles a quem estas coisas não ralam, dizem-nos que é só uma questão de tempo, porque a evolução natural, por si mesma, há-de resolver esse assunto. Ora a evolução natural transformou o macaco em homo sapiens. Mas foi a evolução artificial que nos trouxe da tribo até à sociedade moderna demo-liberal. O Afeganistão é tão ou mais natural do que a Suécia, mas lá as mulheres não têm direitos alguns. Não há nada de natural na igualdade de direitos entre os dois sexos.
3. É curioso notar que os que argumentam que a igualdade virá "naturalmente" são muitas vezes os mesmos que ainda há dias achavam "natural" que Larry Summers, o reitor de Harvard recém-deposto, tivesse reduzido drasticamente a proporção de mulheres contratadas para ensinar naquela universidade.
4. Uma mulher que afirma nunca se ter sentido discriminada ou é distraída, ou é inocente, ou é mentirosa. A qual dessas categorias pertencerá a deputada Regina Bastos do PSD?
5. Afirmar que as mulheres têm hoje direitos e oportunidades iguais aos dos homens e que, por conseguinte, os cargos políticos estarão, se assim o desejarem, ao seu alcance, é desconhecer como e quando se formam os grupos que competem pelo poder. Basta estar-se atento para se perceber que as solidariedades entre os homens se formam muito cedo na vida, às vezes desde os bancos da escola, e que as mulheres são prematuramente excluídas desses pactos não escritos. Numa sociedade como a nossa, onde a lealdade pessoal se sobrepõe a todas as restantes, esse é um facto marcante.
6. Já nem preciso recordar, como muito bem o fez a deputada Teresa Caeiro do PP, que toda a organização da política está feita sem ter em conta as responsabilidades familiares e sociais que as mulheres são forçadas a assumir em virtude do arcaismo social vigente. Toda a gente sabe que, em igualdade de habilitações para um cargo, as mulheres são usualmente preteridas em favor dos homens.
7. Segundo José Manuel Fernandes, as quotas de mulheres nas listas de deputados são uma forma de "engenharia social" equivalente ao genocídio organizado por Pol Pot e explica-nos que esse "pecado" consiste em "tentar mudar a sociedade por via legislativa". Ora a tentativa de mudar a sociedade por via legislativa deu-nos coisas pavorosas como, por exemplo, a obrigatoriedade de conduzir à direita. Se acham que essa lei não mudou a sociedade, tentem imaginar como seria ela se tal regra não existisse. Devia haver limites para o disparate quando se pretende discutir um assunto com um mínimo de seriedade.
8. A direita moderna, de cariz agressivamente revolucionário, não tem o direito de criticar a "engenharia social" - um tradicional e respeitável argumento conservador contra as transformações radicais da sociedade - porque ela mesma não defende outra coisa. Pois o que é a tentativa de construir nações e impor regimes pretensamente democráticos em países como o Iraque senão "engenharia social" da mais cega e absurda? E que outro nome poderemos dar ao programa de desmantelamento do Estado social que ela propõe?
9. Do que eu gostava era de ver esses mesmos políticos do PSD e do PP que se opõem às quotas parlamentares para as mulheres combaterem com a mesma veemência as quotas de nacionalidades para comissários e funcionários da Comissão Europeia. Porque será que nesse caso não se aplica o argumento segundo o qual o único critério de escolha deve ser o da competência?
10. Há dias, um destacado jornalista do Público escreveu que "discriminação positiva" é uma expressão que encerra uma contradição nos termos. Se me permite, sugiro-lhe que consulte um dicionário para saber o que quer dizer "discriminação" e, já agora, também o que quer dizer "positivo". A isto chegámos!
31.3.06
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