10.5.04

Bacia hidrográfica



Ao princípio, a coisa afigura-se apenas uma metódica acumulação de fichas sobre pessoas e situações organizada por ordem cronológica.

Depois, a pouco e pouco, os factos pontuais vão-se articulando numa sucessão de eventos significantes. Pequenas nascentes dão origem a modestos cursos de água que vão engrossando com o afluxo de outros riachos até desaguarem em importantes afluentes que, finalmente, se lançam impetuosamente no grande rio.

Ao cabo das primeiras 800 páginas, os acontecimentos precipitam-se, a leitura acelera-se, torna-se imparável, quase febril, à medida que assistimos ao desenrolar do minucioso processo laboratorial que, através da correspondência, dos artigos de ocasião, dos cadernos de rascunho e dos ensaios romanescos mais ou menos falhados, conduz Proust inexoravelmente -- sabemo-lo hoje -- à atribulada redacção final de "Em busca do tempo perdido", numa luta contra-relógio contra a morte e o esquecimento.

Falo das magníficas 1.300 páginas do "Proust" de Jean-Yves Tadié, uma biografia singular para a qual Edmond White me chamou a atenção.

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