31.12.05
O judeu errante
Tal como Wittgenstein e Heidegger, também Dylan teve a sua "viragem". É esse, se não estou em erro, o tema central do filme de Scorsese.
A dada altura de No Direction Home, Liam Clancy fala-nos sobre a extraordinária metamorfose sofrida por Dylan após a sua primeira visita a Nova Iorque. Nessa época, ele absorvia com sofreguidão todos os géneros musicais populares, impregnava-se deles, reelaborava-os e, nesse processo, criava uma síntese inovadora e pessoalíssima, ao mesmo tempo estranha e familiar.
Mas Dylan não conseguia ficar parado. Cada patamar que atingia era um mero degrau que deveria conduzi-lo ao seguinte. Segundo o próprio, não o fazia de forma consciente: limitava-se a seguir o seu instinto, sem sequer se sentir seguro de que aquilo que fazia era bom.
Essa constante transformação suscitou primeiro a perplexidade e depois, como não poderia deixar de ser, a desconfiança dos seus amigos e associados.
Pete Seeger viu nele o continuador da linhagem do folk esquerdista inspirado em Woody Guthrie. Essa esperança, brevemente alimentada pelo apoio de Dylan ao movimento dos direitos cívicos, cedo se esfumou. A sua adesão era puramente institiva, não racional. O cantor limitava-se a absorver o espírito do tempo e a encontrar as palavras certas para exprimi-lo.
Mas o espírito do tempo começara a já a mudar. Num ano, Dylan trocou os jeans e as camisas aos quadrados pelos blusões de cabedal, as tee-shirts e os óculos escuros, do mesmo modo que trocou os instrumentos acústicos pelos eléctricos. Ele entendeu rapidamente que, depois dos Stones e dos Beatles, a música popular nunca mais voltaria a ser a mesma.
A reacção de desapontamento e repúdio de uma boa parte dos seus anteriores fãs à viragem é excelentemente documentada no filme pelas monumentais pateadas durante a tournée inglesa e, principalmente, no festival de Newport de 66.
Testemunhamos as reacções em primeira mão do próprio Dylan, por vezes manifestamente pedrado. Apesar da segurança que procurava exibir, ele estava obviamente confuso. Para apaziguar o público, dividiu então os concertos entre uma primeira fase acústica e uma segunda eléctrica, o que provocava ainda mais descontentamento. O oportuno colapso decorrente do tão célebre quando misterioso acidente de moto pôs um ponto final nessa fase.
O retrato que Scorsese traça de Dylan é o do típico judeu errante: sem lar, sem destino, sem família, talvez mesmo sem amigos duradouros. No imaginário popular - e também no anti-semita - o judeu não reconhece nenhuma pátria e nenhuma cultura como suas. Ele transforma-se continuamente para se adaptar às circunstâncias, desenvolvendo uma espécie de cinismo que mais não é, porventura, do que uma estratégia de sobrevivência. Ele é o movimento e a instabilidade. Por instinto, não é fiel a situações, a grupos e a formas. Ele é o solitário que vagueia sem sentido.
Por mim, a viragem de Dylan não me incomodou nada. Bem pelo contrário, preferi claramente a segunda fase à primeira. Só tive pena que, depois do acidente de moto, não tivesse havido uma terceira. Até nisso, Dylan foi um símbolo da sua geração - uma geração que, vá-se lá saber porquê, se cansou demasiado depressa.
O esclarecimento que falta
Admitindo como verdadeira a alegação de que o Estado português não ofereceu nenhuma contrapartida à ENI pela desistência do seu direito de aumentar a participação no capital da Petrogal - que pensarão dessa extraordinária delapidação de património os accionistas da empresa italiana? - a pergunta seguinte será esta: estará o Ministro da Economia em condições de desmentir a existência de um acordo privado entre a ENI e o Grupo Amorim para cedência da participação deste aos italianos uma vez esgotado o período de nojo que se impôs, e que, se bem me recordo, durará apenas até 2010? E, se não está, como pode então ele gabar-se publicamente de ter evitado a tomada da Petrogal por interesses maioritariamente estrangeiros?
30.12.05
29.12.05
As secretarias corporativas de Cavaco
Como fez notar o Paulo Gorjão, quase todos os comentários à proposta de Cavaco de criação de uma Secretaria de Estado de apoio aos empresários estrangeiros incidiram exclusivamente na sua dimensão de intromissão na esfera da acção governativa. Uma excepção: o comentário da Destreza das Dúvidas, com o qual concordo inteiramente. Outra: o post seguinte, que coloquei hoje no Super-Mário.
Seguindo a lógica de Cavaco, o Ministério da Saúde deveria integrar uma Secretaria de Estado dos doentes, outra dos médicos, outra dos enfermeiros, outra das farmácias, e por aí fora.
Um governo representativo não é formado de comissários que tutelam interesses particulares. Integra ministros responsáveis por áreas relevantes para o país que as gerem em nome do interesse colectivo.
É claro que o governo representativo é apoiado na sua acção por organismos e institutos técnicos especializados. Como, por exemplo, o Instituto do Investimento Estrangeiro, ao qual incumbe acompanhar a situação na sua área, propor medidas e executar programas. Mas não são órgãos de poder, são órgãos técnicos, precisamente para se procurar evitar que o governo seja capturado pelas corporações.
Com a sua proposta, Cavaco demonstrou que ignora a diferença entre governo representativo e governo corporativo e confunde a política com a técnica.
Nem é grande surpresa: foi durante os 10 anos do seu consulado que o corporativismo se reinstalou em Portugal. Conhecem a história do modo como a Associação Nacional de Farmácias conquistou o extraordinário poder de que hoje dispõe?
Seguindo a lógica de Cavaco, o Ministério da Saúde deveria integrar uma Secretaria de Estado dos doentes, outra dos médicos, outra dos enfermeiros, outra das farmácias, e por aí fora.
Um governo representativo não é formado de comissários que tutelam interesses particulares. Integra ministros responsáveis por áreas relevantes para o país que as gerem em nome do interesse colectivo.
É claro que o governo representativo é apoiado na sua acção por organismos e institutos técnicos especializados. Como, por exemplo, o Instituto do Investimento Estrangeiro, ao qual incumbe acompanhar a situação na sua área, propor medidas e executar programas. Mas não são órgãos de poder, são órgãos técnicos, precisamente para se procurar evitar que o governo seja capturado pelas corporações.
Com a sua proposta, Cavaco demonstrou que ignora a diferença entre governo representativo e governo corporativo e confunde a política com a técnica.
Nem é grande surpresa: foi durante os 10 anos do seu consulado que o corporativismo se reinstalou em Portugal. Conhecem a história do modo como a Associação Nacional de Farmácias conquistou o extraordinário poder de que hoje dispõe?
Alain, pedagogo da República
Alain (1886-1951), de seu verdadeiro nome Émile Chartier, não figura nos dicionários de filosofia. Ele foi apenas um modesto normando professor de liceu que se dedicou a divulgar alguns dos seus pensadores favoritos, como Descartes, Espinoza e Platão.
Destacou-se como figura dos media da época, principalmente pelos seus Propos, meditações soltas que ao longo de décadas publicou na imprensa francesa.
Talvez ninguém como ele se tenha esforçado por definir essa famosa ética republicana que por cá desperta largos sorrisos ignorantes. Se quisermos encontrar um equivalente português, o mais parecido será provavelmente António Sérgio - que, curiosamente, era monárquico.
Perceber
Tal como Cavaco, John Kay nunca ganhou o prémio Nobel, nem fez sequer investigação que o justificasse.
Todavia, é mais do que um economista razoável, pela simples razão de que dispõe de uma vasta cultura económica, coisa que não sucede com o nosso génio doméstico.
No seu artigo desta semana no FT, ele ilustra com o caso da Guinness o papel que o conhecimento tem na construção de empresas sólidas.
De passagem, fica-se também a perceber que não há boas empresas com empresários ignorante e desconfiados e que o recente surto de desenvolvimento da Irlanda tem profundas raízes no passado.
Todavia, é mais do que um economista razoável, pela simples razão de que dispõe de uma vasta cultura económica, coisa que não sucede com o nosso génio doméstico.
No seu artigo desta semana no FT, ele ilustra com o caso da Guinness o papel que o conhecimento tem na construção de empresas sólidas.
De passagem, fica-se também a perceber que não há boas empresas com empresários ignorante e desconfiados e que o recente surto de desenvolvimento da Irlanda tem profundas raízes no passado.
26.12.05
Alegria e justiça
"A alegria carece de autoridade, porque é jovem; quanto à tristeza, está sentada num trono e é demasiado respeitada. Donde concluo que é preciso resistir à tristeza, não só porque a alegria é boa, o que seria já uma espécie de razão, mas porque precisamos ser justos, e a tristeza, eloquente sempre, sempre imperiosa, nunca quer que sejamos justos."
Alain, 4.1.1912.
Alain, 4.1.1912.
25.12.05
Lamúrias
O que vos desejo para este ano que recomeça (...) é que não digais e também que não penseis que tudo vai de mal a pior. "Esta sede do ouro, este ardor no prazer, este esquecimento do dever, esta insolência da juventude, estes roubos e estes crimes inauditos, este impudor das paixões, estas estações loucas enfim, que quase nos trazem serões mornos no coração do inverno", eis um refrão velho como o mundo dos homens; significa somente isto: "Já não tenho nem o estômago nem a alegria dos meus vinte anos."
Alain, 4 de Janeiro de 1912.
Comercialismo?
Eu quase estaria tentado a concordar que a excessiva comercialização do Natal está a matá-lo a pouco e pouco.
Mas, depois, questiono-me se o autêntico espírito natalício não residirá precisamente nesta fantasia de abundância que faz toda a gente andar de pés no ar durante algumas semanas.
Muitos, suponho eu, imaginam o Reino dos Céus como uma combinação de centro comercial e parque temático com vista para a praia e mesmo ao lado de um estádio de futebol onde o nosso clube eternamente disputa e ganha a final da Liga do Campeões.
23.12.05
21.12.05
Quem ganhou?
As questões colocadas pelo Paulo Gorjão fazem todo o sentido.
Entretanto, eu gostaria de pegar no assunto por outro lado. Ao contrário do que as pessoas parecem pressupor, uma questão do tipo "Quem acha que ganhou o debate de hoje à noite?" é tudo menos clara.
Como se torna evidente quando ouvimos as pessoas discutir o debate, uma pergunta dessas pode ser entendida de várias maneiras. Eis algumas:
1. Quem acha que revelou maior capacidade de argumentação?
2. Quem acha que foi mais convincente?
3. Quem acha que se defendeu melhor?
4. Quem o convenceu a si?
5. Quem acha que convenceu os outros?
6. Quem conseguiu alterar a seu favor a opinião do eleitorado?
Ontem, logo após o debate, o Director do Público opinou que a vitória táctica foi de Soares, mas a vitória estratégica foi de Cavaco. Entendo perfeitamente o que ele quer dizer, mas fico a pensar como responderia JM Fernandes à sondagem realizada.
A ideia de perguntar às pessoas se mudaram de opinião em função do debate parece boa, mas tampouco funciona. Poucas pessoas estarão disponíveis para admitir que um mero debate inflectiu o seu sentido de voto, porque isso fá-las parecer algo volúveis, ou mesmo tontas. A única forma de ter alguma ideia do impacto do debate consiste em acrescentar uma outra pergunta sobre a orientação política ou eleitoral do inquirido, como de resto foi sugerido pelo Pedro Magalhães.
Além disso, é mesmo pouco provável que muita gente mude de opinião acerca de dois homens que conhece há pelo menos um quarto de século em consequência de uma troca de palavras mais acesa. Quase toda a gente sabe quem são Soares e Cavaco e quase toda a gente tem uma ideia sobre a adequação do seu perfil ao cargo de Presidente da República.
É todavia possível que um debate destes persuada alguns a ganharem confiança para declararem uma intenção de voto que até aí tinham ocultado. Estou convencido de que este é um fenómeno muito frequente, mas não tenho provas indiscutíveis do que afirmo.
Não se deve fazer às pessoas perguntas a que elas não sabem ou não querem responder. Esta é uma verdade sólida que todos os especialistas de research conhecem, mas que o público e os comentadores têm alguma dificuldade em entender.
Entretanto, eu gostaria de pegar no assunto por outro lado. Ao contrário do que as pessoas parecem pressupor, uma questão do tipo "Quem acha que ganhou o debate de hoje à noite?" é tudo menos clara.
Como se torna evidente quando ouvimos as pessoas discutir o debate, uma pergunta dessas pode ser entendida de várias maneiras. Eis algumas:
1. Quem acha que revelou maior capacidade de argumentação?
2. Quem acha que foi mais convincente?
3. Quem acha que se defendeu melhor?
4. Quem o convenceu a si?
5. Quem acha que convenceu os outros?
6. Quem conseguiu alterar a seu favor a opinião do eleitorado?
Ontem, logo após o debate, o Director do Público opinou que a vitória táctica foi de Soares, mas a vitória estratégica foi de Cavaco. Entendo perfeitamente o que ele quer dizer, mas fico a pensar como responderia JM Fernandes à sondagem realizada.
A ideia de perguntar às pessoas se mudaram de opinião em função do debate parece boa, mas tampouco funciona. Poucas pessoas estarão disponíveis para admitir que um mero debate inflectiu o seu sentido de voto, porque isso fá-las parecer algo volúveis, ou mesmo tontas. A única forma de ter alguma ideia do impacto do debate consiste em acrescentar uma outra pergunta sobre a orientação política ou eleitoral do inquirido, como de resto foi sugerido pelo Pedro Magalhães.
Além disso, é mesmo pouco provável que muita gente mude de opinião acerca de dois homens que conhece há pelo menos um quarto de século em consequência de uma troca de palavras mais acesa. Quase toda a gente sabe quem são Soares e Cavaco e quase toda a gente tem uma ideia sobre a adequação do seu perfil ao cargo de Presidente da República.
É todavia possível que um debate destes persuada alguns a ganharem confiança para declararem uma intenção de voto que até aí tinham ocultado. Estou convencido de que este é um fenómeno muito frequente, mas não tenho provas indiscutíveis do que afirmo.
Não se deve fazer às pessoas perguntas a que elas não sabem ou não querem responder. Esta é uma verdade sólida que todos os especialistas de research conhecem, mas que o público e os comentadores têm alguma dificuldade em entender.
A União Nacional segundo Cavaco
Cavaco promete não obstaculizar a acção do Governo na condição de ele não adoptar "políticas erradas". Ou seja, na condição de não adoptar as políticas de que Cavaco discorda.
Mas, como já sabemos, ele não admite que pessoas sérias dispondo da mesma informação discordem quanto ao caminho a seguir. Pessoas desonestas escolhem políticas erradas; pessoas honradas adoptam políticas correctas baseadas em consensos nacionais.
Logo, só por má-fé ou ignorância poderá o Governo adoptar "políticas erradas" e colocar-se, assim, em posição de perder a confiança de Cavaco.
Na cabeça de Cavaco não é admissível a pluralidade de ideias, excepto como um equívoco resultante de uma deficiente assimilação da matéria dada. Cabe ao mestre benevolente corrigir o aluno e mostrar-lhe o bom caminho.
E se o aluno for um "mau aluno"? Ou antes: e se o aluno persistir em pensar pela sua própria cabeça e tirar as suas próprias conclusões?
Nesse caso, assumir-se-á como um agente de bloqueio ao serviço de interesses inconfessáveis. Deverá, pois, ser denunciado e apontado à execração pública.
Não são precisos mais debates que não passam de exercícios de retórica artificiosa. As palavras só servem para enganar as pessoas. Do que se precisa é de gente de trabalho que subiu a pulso na vida e que, ao contrário dos políticos profissionais, se preocupa com o futuro dos seus filhos.
A política distrai-nos da competitividade. Se nós já sabemos sem margem para dúvidas quem é competente e lê os dossiês, para quê perder mais tempo com campanhas e eleições?
(Inserido ontem no Super-Mário.)
Mas, como já sabemos, ele não admite que pessoas sérias dispondo da mesma informação discordem quanto ao caminho a seguir. Pessoas desonestas escolhem políticas erradas; pessoas honradas adoptam políticas correctas baseadas em consensos nacionais.
Logo, só por má-fé ou ignorância poderá o Governo adoptar "políticas erradas" e colocar-se, assim, em posição de perder a confiança de Cavaco.
Na cabeça de Cavaco não é admissível a pluralidade de ideias, excepto como um equívoco resultante de uma deficiente assimilação da matéria dada. Cabe ao mestre benevolente corrigir o aluno e mostrar-lhe o bom caminho.
E se o aluno for um "mau aluno"? Ou antes: e se o aluno persistir em pensar pela sua própria cabeça e tirar as suas próprias conclusões?
Nesse caso, assumir-se-á como um agente de bloqueio ao serviço de interesses inconfessáveis. Deverá, pois, ser denunciado e apontado à execração pública.
Não são precisos mais debates que não passam de exercícios de retórica artificiosa. As palavras só servem para enganar as pessoas. Do que se precisa é de gente de trabalho que subiu a pulso na vida e que, ao contrário dos políticos profissionais, se preocupa com o futuro dos seus filhos.
A política distrai-nos da competitividade. Se nós já sabemos sem margem para dúvidas quem é competente e lê os dossiês, para quê perder mais tempo com campanhas e eleições?
(Inserido ontem no Super-Mário.)
19.12.05
Originalidades portuguesas
Aprendi há dias a razão pela qual a designação dos dias da semana - segunda, terça, quarta, etc. - segue em Portugal um princípio inteiramente distinto do adoptado nos restantes países da Europa.
Foi assim: aí pelo Século VI, um fanático que passou para a história como S. Martinho de Dume, originário da Panónia e à data bispo de Braga, decidiu que os nomes tradicionais dos dias da semana, derivados dos deuses antigos, constituíam um inaceitável resquício de paganismo. Equivaliam, por conseguinte, a uma ofensa a Cristo.
Imagina-se quanto sangue terá custado a conversão forçada dos dias da semana. É de intolerâncias como esta que, pelos vistos, se faz a nossa identidade nacional.
(Olhem aí em cima a imagem do implacável santinho imortalizada na pedra.)
18.12.05
Burro velho não aprende línguas
Tirando um oportuno artigo de António Barreto no Público de hoje, não receberam a atenção devida as altas manobras empresariais fomentadas pelo Governo no sector da energia que esta semana vieram a público.
Trata-se de um gigantesco imbróglio conduzido sob o alto patrocínio do ministro Manuel Pinho envolvendo a Petrogal, a ENI, a Petrangol, a Petrocer, a REN, a EDP, a Nuon, a Iberdrola, o Grupo Amorim, a Argus Resources, o BES, a Fomentinvest e a Fundação Oriente. Implica, nomeadamente, compras e vendas de participações em empresas tuteladas pelo Estado e a construção de uma nova refinaria em Sines.
Estas intempestivas incursões governamentais em processos de arranjo e re-arranjo de grupos económicos portugueses são uma infeliz tradição nacional, com resultados nefastos na competividade das nossas empresas e pesados encargos para os consumidores e para o Estado.
O PS, em particular, parece que nunca aprende, nem sequer estando à vista de todos os resultados das infinitas confusões congeminadas pelo cérebro alucinado do ex-ministro Pina Moura.
Para já, é muito curioso que, ao contrário do que aconteceu com a OTA e o TGV, ninguém peça a este propósito explicações ao Governo sobre o que anda a fazer e quais os relevantes interesses nacionais em jogo.
Voltarei a este assunto com mais vagar numa próxima ocasião.
Trata-se de um gigantesco imbróglio conduzido sob o alto patrocínio do ministro Manuel Pinho envolvendo a Petrogal, a ENI, a Petrangol, a Petrocer, a REN, a EDP, a Nuon, a Iberdrola, o Grupo Amorim, a Argus Resources, o BES, a Fomentinvest e a Fundação Oriente. Implica, nomeadamente, compras e vendas de participações em empresas tuteladas pelo Estado e a construção de uma nova refinaria em Sines.
Estas intempestivas incursões governamentais em processos de arranjo e re-arranjo de grupos económicos portugueses são uma infeliz tradição nacional, com resultados nefastos na competividade das nossas empresas e pesados encargos para os consumidores e para o Estado.
O PS, em particular, parece que nunca aprende, nem sequer estando à vista de todos os resultados das infinitas confusões congeminadas pelo cérebro alucinado do ex-ministro Pina Moura.
Para já, é muito curioso que, ao contrário do que aconteceu com a OTA e o TGV, ninguém peça a este propósito explicações ao Governo sobre o que anda a fazer e quais os relevantes interesses nacionais em jogo.
Voltarei a este assunto com mais vagar numa próxima ocasião.
16.12.05
Recordar é viver
Revendo o que aqui escrevi há dois anos sobre o caso Casa Pia, encontrei o seguinte post, de que muito me orgulho, em reacção a uma coisa inqualificável que o Pacheco Pereira escreveu n'O Público. Aqui fica, só para lembrar quem disse o quê:
Tomar a sério? O artigo hoje publicado por Pacheco Pereira no Público admite duas interpretações absolutamente opostas, tanto no plano político como no plano ético.
A primeira leitura, literal e pouco inteligente, consiste em tomar à letra o que está escrito. PP pensaria de facto que Ferro tem a estrita obrigação de precisar com o maior detalhe as suas acusações sobre a tentativa de «decapitação do PS».
Este ponto de vista é difícil de aceitar. Corresponde a afirmar que uma vítima de perseguição caluniosa tem a obrigação de afrontar de peito aberto os poderes fácticos que secretamente o atacam. Numa palavra, tem de expor-se ainda mais e de facilitar-lhes os seus ataques.
Ora, quando alguém é vítima de ataques cobardes de gente que não ousa dizer o seu nome, frequentemente sabe mais, muito mais, do que está em condições de provar. Whodunnit? O próprio, se não for completamente estúpido, é capaz de, mediante o tradicional método de conjecturar quem tem simultaneamente a motivação, a ocasião e a arma do crime, identificar com razoável precisão a origem da calúnia.
Logo, tomado à letra, o texto de PP assemelha-se muito a uma provocação de inspiração policial destinada a atrair a vítima à armadilha. Como nada do que PP tem dito e feito permite supor que seja capaz de tal baixeza, esta interpretação deve ser posta de lado.
Resta então compreender o texto de PP como uma forma ardilosa de insinuar ele próprio aquilo que Ferro, pela razões atrás aduzidas, não está em condições de afirmar. Possivelmente, PP terá entendido com quem o seu partido anda metido e, muito legitimamente, não quer ser confundido nem com essa gente nem com os seus métodos.
Mas, é claro, isto é apenas uma interpretação...
Tomar a sério? O artigo hoje publicado por Pacheco Pereira no Público admite duas interpretações absolutamente opostas, tanto no plano político como no plano ético.
A primeira leitura, literal e pouco inteligente, consiste em tomar à letra o que está escrito. PP pensaria de facto que Ferro tem a estrita obrigação de precisar com o maior detalhe as suas acusações sobre a tentativa de «decapitação do PS».
Este ponto de vista é difícil de aceitar. Corresponde a afirmar que uma vítima de perseguição caluniosa tem a obrigação de afrontar de peito aberto os poderes fácticos que secretamente o atacam. Numa palavra, tem de expor-se ainda mais e de facilitar-lhes os seus ataques.
Ora, quando alguém é vítima de ataques cobardes de gente que não ousa dizer o seu nome, frequentemente sabe mais, muito mais, do que está em condições de provar. Whodunnit? O próprio, se não for completamente estúpido, é capaz de, mediante o tradicional método de conjecturar quem tem simultaneamente a motivação, a ocasião e a arma do crime, identificar com razoável precisão a origem da calúnia.
Logo, tomado à letra, o texto de PP assemelha-se muito a uma provocação de inspiração policial destinada a atrair a vítima à armadilha. Como nada do que PP tem dito e feito permite supor que seja capaz de tal baixeza, esta interpretação deve ser posta de lado.
Resta então compreender o texto de PP como uma forma ardilosa de insinuar ele próprio aquilo que Ferro, pela razões atrás aduzidas, não está em condições de afirmar. Possivelmente, PP terá entendido com quem o seu partido anda metido e, muito legitimamente, não quer ser confundido nem com essa gente nem com os seus métodos.
Mas, é claro, isto é apenas uma interpretação...
14.12.05
Justiça alfabética
Os blogues cujos títulos começam por uma das primeiras letras do alfabeto desfrutam de uma vantagem desleal em relação aos outros, dado que usualmente são colocados à cabeça nas listas de links.
(Acreditem se quiserem, mas eu só me apercebi disso muito depois de ter baptizado este blogue.)
Talvez por se sentir ele próprio injustiçado, o Lutz encontrou uma forma simples e original de compensar os blogues "mais desfavorecidos", para usar uma expressão infeliz mas corrente: linkou os blogues por ordem alfabética invertida.
Bem pensado.
(Acreditem se quiserem, mas eu só me apercebi disso muito depois de ter baptizado este blogue.)
Talvez por se sentir ele próprio injustiçado, o Lutz encontrou uma forma simples e original de compensar os blogues "mais desfavorecidos", para usar uma expressão infeliz mas corrente: linkou os blogues por ordem alfabética invertida.
Bem pensado.
Para além da espuma
Perdida a actualidade, desgastadas as imagens pela repetição ad nauseam, inoculados os preconceitos, os media zarparam prontamente para outras paragens em busca de sangue fresco.
Mas um magnífico ensaio de reflexão é tentado neste magnífico post em que o Afonso Bívar retoma a análise dos recentes motins em França.
(Uma breve nota final para modestamente sugerir que, podando algum do hermético jargão de que a prosa padece, o resultado final poderia ser muito melhorado.)
Equívocos
Um breve post que coloquei no Super-Mário suscitou este comentário perspicaz do Paulo Gorjão.
Gostaria apenas de esclarecer que nem sei, nem é relevante para o meu argumento, que papel terá ou não desempenhado o "aparelho" do PS na escolha do candidato Mário Soares.
O que eu digo (e mantenho) é que boa parte do encanto da candidatura de Alegre resulta de ele ser visto como alguém que se rebelou contra o arranjismo e o negocismo que minam o PS por dentro. Votando contra o candidato oficial do partido, os seus apoantes entendem estar a protestar contra esse estado de coisas.
Creio que se trata de mais um equívoco, mas essa já é outra questão...
(Quanta à falta de consistência do pensamento de Alegre, trata-se de um tema que merece um tratamento mais cuidado. A ver se arranjo tempo e arte...)
Gostaria apenas de esclarecer que nem sei, nem é relevante para o meu argumento, que papel terá ou não desempenhado o "aparelho" do PS na escolha do candidato Mário Soares.
O que eu digo (e mantenho) é que boa parte do encanto da candidatura de Alegre resulta de ele ser visto como alguém que se rebelou contra o arranjismo e o negocismo que minam o PS por dentro. Votando contra o candidato oficial do partido, os seus apoantes entendem estar a protestar contra esse estado de coisas.
Creio que se trata de mais um equívoco, mas essa já é outra questão...
(Quanta à falta de consistência do pensamento de Alegre, trata-se de um tema que merece um tratamento mais cuidado. A ver se arranjo tempo e arte...)
13.12.05
Uma teoria inútil?
As campanhas eleitorais são por regra conduzidas no pressuposto de que é preciso convencer os eleitores da excelência do nosso candidato. Mais precisamente: não todos os eleitores, mas apenas os indecisos.
Ora, por razões complexas, eu acredito que os verdadeiros indecisos não votam, tal como acredito que é tempo perdido convencê-los a votar.
Quanto aos numerosos cidadãos que nas sondagens se declaram "indecisos", trata-se na verdade de pessoas que - seja por vergonha, por medo, ou por outro motivo - não querem revelar a sua intenção de voto.
Assim sendo, os debates não convencem as pessoas a votar neste ou naquele candidato porque, como seria de esperar, elas já terão definido a sua posição há muito tempo. Quando muito, poderão convencê-las a revelar a sua inclinação.
Admito, porém, que uma ínfima minoria de pessoas genuinamente indecisa acabará por votar. Normalmente, essas pessoas votarão em quem acharem que vai ganhar. Não votam, pois, por convicção, mas apenas para terem a satisfação de estar do lado vencedor.
Quando uma eleição está muita apertada, elas acabam por desempenhar um papel decisivo.
Que concluír? Que, embora em teoria a persuasão desempenhe um papel marginal numa campanha, na prática não resta outra alternativa senão tentar...
Ora, por razões complexas, eu acredito que os verdadeiros indecisos não votam, tal como acredito que é tempo perdido convencê-los a votar.
Quanto aos numerosos cidadãos que nas sondagens se declaram "indecisos", trata-se na verdade de pessoas que - seja por vergonha, por medo, ou por outro motivo - não querem revelar a sua intenção de voto.
Assim sendo, os debates não convencem as pessoas a votar neste ou naquele candidato porque, como seria de esperar, elas já terão definido a sua posição há muito tempo. Quando muito, poderão convencê-las a revelar a sua inclinação.
Admito, porém, que uma ínfima minoria de pessoas genuinamente indecisa acabará por votar. Normalmente, essas pessoas votarão em quem acharem que vai ganhar. Não votam, pois, por convicção, mas apenas para terem a satisfação de estar do lado vencedor.
Quando uma eleição está muita apertada, elas acabam por desempenhar um papel decisivo.
Que concluír? Que, embora em teoria a persuasão desempenhe um papel marginal numa campanha, na prática não resta outra alternativa senão tentar...
9.12.05
"Rice satisfez Bruxelas com garantia que EUA não torturam" (Público, 9.12.05)
Este é, para mim, o título mais perturbador do ano.
Só os excessivamente ingénuos ignoram que a tortura pode ocorrer - e, por isso, uma vez por outra, ocorre mesmo - no seio das democracias liberais mais respeitadas.
Resta-nos a consolação de saber que, quando tal monstruosidade se verifica, ela só pode, por regra, ter lugar à revelia dos poderes instituídos ou nas margens do sistema.
O que agora se passou nos EUA não foi isso. Ouvimos o Director da CIA pôr em dúvida que a asfixia seja tortura. Lemos opiniões de doutos juízes americanos invocando a "guerra contra o terror" para justificar procedimentos excepcionais de interrogatório. Soubemos que o Presidente Bush se propõe vetar uma deliberação banindo explicitamente a tortura proposta na Câmara dos Representantes por John McCain, ele próprio torturado como prisioneiro de guerra no Vietname do Norte.
Foi tudo isso que tornou necessária essa extraordinária declaração de Condoleezza Rice garantindo que a América não recorre à tortura.
E nós, iremos acreditar, tendo em conta que o seu discurso parece redigido por uma equipa de advogados sabidolas que cuidou vírgula a vírgula de não mentir sem todavia dizer a verdade toda?
Esta declaração seria uma coisa normal - e até positiva - se tivesse sido arrancada à China, a Cuba ou à Coreia do Norte. Vinda dos EUA, e nos termos em que foi feita, é um embaraço para todo o mundo civilizado.
Só os excessivamente ingénuos ignoram que a tortura pode ocorrer - e, por isso, uma vez por outra, ocorre mesmo - no seio das democracias liberais mais respeitadas.
Resta-nos a consolação de saber que, quando tal monstruosidade se verifica, ela só pode, por regra, ter lugar à revelia dos poderes instituídos ou nas margens do sistema.
O que agora se passou nos EUA não foi isso. Ouvimos o Director da CIA pôr em dúvida que a asfixia seja tortura. Lemos opiniões de doutos juízes americanos invocando a "guerra contra o terror" para justificar procedimentos excepcionais de interrogatório. Soubemos que o Presidente Bush se propõe vetar uma deliberação banindo explicitamente a tortura proposta na Câmara dos Representantes por John McCain, ele próprio torturado como prisioneiro de guerra no Vietname do Norte.
Foi tudo isso que tornou necessária essa extraordinária declaração de Condoleezza Rice garantindo que a América não recorre à tortura.
E nós, iremos acreditar, tendo em conta que o seu discurso parece redigido por uma equipa de advogados sabidolas que cuidou vírgula a vírgula de não mentir sem todavia dizer a verdade toda?
Esta declaração seria uma coisa normal - e até positiva - se tivesse sido arrancada à China, a Cuba ou à Coreia do Norte. Vinda dos EUA, e nos termos em que foi feita, é um embaraço para todo o mundo civilizado.
8.12.05
A Benfíquíada
Há bem uma dúzia de anos que - Deus me perdoe! - eu não sofria pelo Benfica. Entendam-me bem: eu não alinho com a lamechice do patriotismo futebolístico. Fosse antes o adversário o Ajax, O Milan ou o Liverpool, todos eles clubes do meu coração, e ninguém me pilharia a insultar o árbitro grego por conceder demasiado tempo de desconto.
Mas, ontem, foi assim mesmo: gostei do jogo e gostei do ambiente e gostei de ver o Benfica e gostei de me entusiasmar e gostei da vitória, tal como, confesso, também gostei da derrota do Queirós, um sujeito com quem particularmente embirro.
Agora, aqui entre nós, é altura de reconhecer que o Koeman, frequentemente acusado de não ser um tipo muito esperto, deu ao Benfica uma consistência que há muito tempo ele não tinha - não, meus amigos, nem sequer, no tempo do Trapatonni. Só isso lhe permitiu ganhar a uma equipa de primeiro plano sem contar com os seus dois melhores jogadores, o Simão e o Manuel Fernandes.
Mas, ontem, foi assim mesmo: gostei do jogo e gostei do ambiente e gostei de ver o Benfica e gostei de me entusiasmar e gostei da vitória, tal como, confesso, também gostei da derrota do Queirós, um sujeito com quem particularmente embirro.
Agora, aqui entre nós, é altura de reconhecer que o Koeman, frequentemente acusado de não ser um tipo muito esperto, deu ao Benfica uma consistência que há muito tempo ele não tinha - não, meus amigos, nem sequer, no tempo do Trapatonni. Só isso lhe permitiu ganhar a uma equipa de primeiro plano sem contar com os seus dois melhores jogadores, o Simão e o Manuel Fernandes.
2.12.05
É muito difícil prever, especialmente o futuro
Na foto: Paul Samuelson em Maio último, no dia do seu 90º aniversário.
Em 1970, a 8ª edição de Economics de Paul Samuelson, durante décadas o manual de teoria económica mais utilizado em todo o mundo, previa que em 2005 o produto per capita da União Soviética ultrapassaria o dos Estados Unidos.
Mais dia menos dia, deve estar a acontecer.
Os velhos
Os velhos metem-se-nos à frente do carro a atravessar muito devagarinho a rua quando o sinal já mudou. Empatam a fila do multibanco porque metem o cartão ao contrário. Querem passar à frente no elevador. Pedem muitas explicações na repartição de finanças. Enchem as urgências dos hospitais. Chateiam o criado porque a comida está salgada. Ocupam os bancos dos jardins e dos autocarros. Falam muito de quando eram novos. Acham que no tempo deles é que as pessoas eram educadas. Teimam que a gente não sabe fazer as coisas. Têm muitos planos para o futuro. Agora, ainda por cima, candidatam-se a presidentes.
Merkel tem razão
Pois é, pois é, isto poderá estar tudo muito certo. Mas a verdade é que, embora não fosse nele que a Srª Merkerl estava a pensar, o homem que mais contribuíu para a invenção do computador foi Leibniz - um alemão, portanto.
Não só por ter aperfeiçoado a máquina de calcular de Pascal, ter feito evoluir o cálculo proposicional e ter inventado o sistema binário, mas principalmente por todos esses avanços terem sido inspirados pela ideia de projectar uma máquina capaz de pensar.
30.11.05
29.11.05
Ota revisitada
Para começar, duas precisões:
1. Por razões profissionais e familiares, creio estar bastante melhor informado sobre os projectos da Ota e do TGV do que o cidadão comum. Em geral, sempre me senti inclinado a aprová-los, o que não me impediu de ter dúvidas e de ser sensível aos argumentos contrários.
2. Apesar dessa inclinação geral, não apreciei o modo como em Julho o Governo anunciou a sua decisão, e disse-o imediatamente. Foi por isso que apoiei com todo a naturalidade o movimento iniciado pelo Paulo Gorjão exigindo não só a divulgação de todos os estudos preparatórios como ainda uma fundamentação rigorosa da decisão tomada.
Por mim, considerando tudo o que se escreveu e disse sobre o tema da Ota na última semana, creio que as explicações dadas pelo Governo esclareceram adequadamente as principais questões levantadas pela opinião pública. Naturalmente, admito que outras pessoas pensem de outro modo. Todavia, quer-me parecer que muitos peremptórios opinadores, entre os quais é forçoso incluir Miguel Beleza, Carmona Rodrigues, Marques Mendes, António Borges, Cavaco Silva e tantos outros falaram de mais do que não sabiam e deveriam agora retratar-se.
Globalmente, temos razões para estar satisfeitos, pois os blogues desempenharam um notável papel de dinamização da opinião pública. O amplo debate que rodeou o projecto da Ota só pecou por tardio, mas é um sinal seguro de que estamos a progredir em matéria de maturidade democrática.
Como hoje bem recorda o Paulo, talvez fosse de aproveitar o balanço e discutir também a sério a anunciada entrada da TAP no capital da Varig...
1. Por razões profissionais e familiares, creio estar bastante melhor informado sobre os projectos da Ota e do TGV do que o cidadão comum. Em geral, sempre me senti inclinado a aprová-los, o que não me impediu de ter dúvidas e de ser sensível aos argumentos contrários.
2. Apesar dessa inclinação geral, não apreciei o modo como em Julho o Governo anunciou a sua decisão, e disse-o imediatamente. Foi por isso que apoiei com todo a naturalidade o movimento iniciado pelo Paulo Gorjão exigindo não só a divulgação de todos os estudos preparatórios como ainda uma fundamentação rigorosa da decisão tomada.
Por mim, considerando tudo o que se escreveu e disse sobre o tema da Ota na última semana, creio que as explicações dadas pelo Governo esclareceram adequadamente as principais questões levantadas pela opinião pública. Naturalmente, admito que outras pessoas pensem de outro modo. Todavia, quer-me parecer que muitos peremptórios opinadores, entre os quais é forçoso incluir Miguel Beleza, Carmona Rodrigues, Marques Mendes, António Borges, Cavaco Silva e tantos outros falaram de mais do que não sabiam e deveriam agora retratar-se.
Globalmente, temos razões para estar satisfeitos, pois os blogues desempenharam um notável papel de dinamização da opinião pública. O amplo debate que rodeou o projecto da Ota só pecou por tardio, mas é um sinal seguro de que estamos a progredir em matéria de maturidade democrática.
Como hoje bem recorda o Paulo, talvez fosse de aproveitar o balanço e discutir também a sério a anunciada entrada da TAP no capital da Varig...
27.11.05
Jornalismo marialva
O Miguel Sousa Tavares é o moço de forcados do jornalismo português. A pega de caras é a sua especialidade, o que lhe valeu uma justa reputação de coragem na frente do bicho.
Acontece, porém, que nem sempre escolhe bem o touro. Uma em cada duas vezes arremete contra temas em que é completamente ignorante, e o resultado não é famoso. Consegue-se a mesma probabilidade de êxito atirando uma moeda ao ar.
Esta semana, ao teimar em investir sem argumentos sólidos contra o aeroporto da Ota, pôs a nú as suas fragilidades. Também há grandeza em reconhecer o erro.
Acontece, porém, que nem sempre escolhe bem o touro. Uma em cada duas vezes arremete contra temas em que é completamente ignorante, e o resultado não é famoso. Consegue-se a mesma probabilidade de êxito atirando uma moeda ao ar.
Esta semana, ao teimar em investir sem argumentos sólidos contra o aeroporto da Ota, pôs a nú as suas fragilidades. Também há grandeza em reconhecer o erro.
Paradoxos
A direita, como se sabe, não acredita no progresso.
Todavia, vive obcecada com o Produdo Nacional Bruto, o qual não é senão uma forma naturalmente imperfeita de o medir na sua dimensão exclusivamente material.
Todavia, vive obcecada com o Produdo Nacional Bruto, o qual não é senão uma forma naturalmente imperfeita de o medir na sua dimensão exclusivamente material.
Populismo é...
O Paulo cita aqui uma das mais límpidas e extremistas declarações populistas que tenho lido nos últimos tempos.
Ele aprova. Eu desaprovo.
Ele aprova. Eu desaprovo.
26.11.05
25.11.05
25 de Novembro de 1975
Faz hoje trinta anos, saí às seis da tarde do escritório na 5 de Outubro. Sabia-se das movimentações em curso, não se fazia ideia do que aquilo iria dar. As informações eram escassas. (Será preciso lembrar que não havia telemóveis?) Dirigi-me à Baixa. Chegado à Rotunda, fiz um desvio para o Rato. Encontrei lá o César, oficial miliciano do RALIS. Nessa época, o César costumava passear-se por Lisboa de Chaimite, mas nesse dia isso não era conveniente. Informou-me com ar misterioso que tínhamos uma missão importante a cumprir. O meu Fiat 127 ficou logo ali requisitado. Disse-me para esperar, e voltou uns minutos depois com três padeiros jovens que eu nunca vira antes. Metemo-nos no Fiat e rumámos ao quartel do Lumiar. Chegados lá, o César mandou-me estacionar perto do portão. Explicou-me que ia falar com o sub-comandante, no dizer dele um democrata, e deixou-nos ali, a mim e aos três padeiros. Tentei meter conversa, mas eles, nitidamente assustados, permaneceram calados como ratos. Passado algum tempo, começaram a chegar outros carros, bastante melhores do que o meu, que estacionaram à frente e atrás dele. O César voltava de vez em quando no seu passo gingão e, com uma grave pose conspirativa apropriada à gravidade do momento, garantia-nos que estava tudo a correr bem. “Tudo, o quê?” Quem perguntava era eu, aos padeiros tanto se lhes dava. O César sorriu. Tirou uma fumaça e fez-nos a terrível revelação: “Vai haver distribuição de armas. Estamos aqui para isso.” Nem precisava de se virar no assento para desfrutar do pânico dos padeiros. Eu já vivera uma cena parecida no 11 de Março, dessa vez com o Freire Antunes. Perguntei: “Também é para isso que estão aqui estes carros todos?” “Quais carros?” O César, demasiado concentrado no papel que estava a desempenhar, não tinha reparado. Fiz-lhe sinal com a cabeça. Por essa altura, alguns dos “outros” também já estranhavam a nossa presença. Entre os sujeitos que andavam de um lado para o outro no passeio em frente do quartel reconhecemos dirigentes do PRP. Eles traziam nos carros armas de repetição bem à vista. “Estamos fodidos! Estes gajos não podem ver-nos!” O César saiu do carro. A noite estava fria. A nossa respiração dentro do carro embaciou os vidros, de modo que a malta que estava cá fora não conseguia ver-nos. Não abrimos as janelas sequer para sair o fumo. Assim, estávamos a salvo. Passado algum tempo, deu-se um acontecimento inesperado: um a um, os outros carros arrancaram e foram-se embora. Ao cabo de um quarto de hora, estávamos outra vez sozinhos junto ao quartel. Quanto ao César, nem vê-lo. Esperámos. Finalmente ele lá voltou. Explicou: “Isto hoje já não dá nada. Foi decretado o recolher obrigatório a partir das dez da noite.” Percebi então o que se passara. O pessoal do PRP tivera conhecimento do recolher e optara por obedecer imediatamente. As coisas não estavam a correr bem para eles. Entretanto, já passava das dez. Estávamos em infracção. Que fazer? Adiante, que um revolucionário nunca se atrapalha. Seguimos, pois, para o centro da cidade. Logo à entrada do Campo Grande, porém, deparámo-nos com uma barreira militar que nos apontou as armas e mandou parar. Saí do carro e fui falar com o comandante do grupo: “Soube agora mesmo do recolher e vou para a minha casa, que é ali adiante.” Mentira: a minha casa era perto, mas para trás. Deram-nos autorização para seguir. Seguimos pela cidade fora tranquilamente, em pleno recolher obrigatório. Fui despejar o César e devolver os três simpáticos padeiros. Não me recordo se foram pegar ao trabalho. O país, com revolução ou sem ela, precisava de tomar o pequeno almoço no dia seguinte, que era uma 4ª feira e, portanto, dia de trabalho. Passei o resto da noite à procura de amigos. Recolhi uns aqui e outros acolá. Fui comprar frangos assados e pão quente. Ficámos a noite toda de atalaia, mas de barriga reconfortada. Disse sempre às patrulhas militares que encontrei que morava já ali adiante, e sempre me deixaram passar. Boa gente, como se vê. No dia seguinte soubemos que, como esperávamos, tinham vencido as tropas leais. Eanes apareceu pela primeira vez. Alguma coisa acabara, alguma coisa começara.
Blogue com causa
Atrasadas, como é de norma neste blogue sempre desatento às efemérides, aqui ficam as felicitações ao Causa Nossa, pelo seu segundo aniversário. Pelo peso específico dos seus promotores, o Causa Nossa marcou um ponto de viragem no debate político da blogoesfera. Que contem muitos.
Ele vem aí
O politicamente correcto é uma coisa que não existe em Portugal. Deve ser por isso que conta com tantos e tão assanhados adversários.
Agora, no momento em que um tribunal vai primeira vez julgar seis estudantes acusados de terem humilhado violentamente uma colega no decurso de uma dessas pitorescas festas populares a que carinhosamente se chama "praxes", ele ameaça fazer a sua irrupção na pacata sociedade portuguesa.
Trata-se, indiscutivelmente, de um progresso.
Agora, no momento em que um tribunal vai primeira vez julgar seis estudantes acusados de terem humilhado violentamente uma colega no decurso de uma dessas pitorescas festas populares a que carinhosamente se chama "praxes", ele ameaça fazer a sua irrupção na pacata sociedade portuguesa.
Trata-se, indiscutivelmente, de um progresso.
24.11.05
Fugindo ao assunto
É interessante - mas talvez não excessivamente surpreendente - notar como, de há uns tempos para cá, a direita portuguesa se tem vindo a revelar cada vez mais anti-europeista.
Esta inclinação manifesta-se com toda a clareza, por exemplo, quando qualquer facto negativo ocorrido no nosso Continente - seja ele as bombas em Londres, o fracasso do tratado constitucional, as eleições na Alemanha, o novo estatuto da Catalunha, ou os motins em França - é imediatamente comentado em tons apocalípticos. O mais ínfimo pretexto serve para fazer soar as trombetas do Juízo Final e justificar a sentença que condena irremediavelmente a Europa às eternas penas do Inferno. Um jornalista mais atrevido chegou há dias ao ponto de afirmar na televisão que a Europa atravessa presentemente a mais grave crise da sua História!
É preciso ver as coisas em perspectiva, com a necessária distância histórica. Afinal, a nossa classe dirigente converteu-se à pressa ao europeismo para esconjurar o susto por que passou após 1974. Ela nunca apreciara demasiado a decadente Europa, no conjunto uma região que via como demasiado condescendente, tíbia, pretensiosa e mesmo snob. Em suma, uma gente efeminada com a qual nós, heróis do mar, pouco tínhamos em comum.
Esquecido o traumatismo, normalizado o país, anestesiada a arraia miúda, voltou à crença natural que a impele a fugir à Europa para ir fazer negócios no Brasil, em Angola, em Macau, no Iraque ou nalguma longínqua cleptocracia do Leste Europeu. Que a impele, afinal, a fugir ao assunto. A fugir sempre, sempre, ao assunto - ignorando, ou fingindo ignorar, que é aqui, na Europa, que ganharemos ou perderemos o nosso futuro.
Esta inclinação manifesta-se com toda a clareza, por exemplo, quando qualquer facto negativo ocorrido no nosso Continente - seja ele as bombas em Londres, o fracasso do tratado constitucional, as eleições na Alemanha, o novo estatuto da Catalunha, ou os motins em França - é imediatamente comentado em tons apocalípticos. O mais ínfimo pretexto serve para fazer soar as trombetas do Juízo Final e justificar a sentença que condena irremediavelmente a Europa às eternas penas do Inferno. Um jornalista mais atrevido chegou há dias ao ponto de afirmar na televisão que a Europa atravessa presentemente a mais grave crise da sua História!
É preciso ver as coisas em perspectiva, com a necessária distância histórica. Afinal, a nossa classe dirigente converteu-se à pressa ao europeismo para esconjurar o susto por que passou após 1974. Ela nunca apreciara demasiado a decadente Europa, no conjunto uma região que via como demasiado condescendente, tíbia, pretensiosa e mesmo snob. Em suma, uma gente efeminada com a qual nós, heróis do mar, pouco tínhamos em comum.
Esquecido o traumatismo, normalizado o país, anestesiada a arraia miúda, voltou à crença natural que a impele a fugir à Europa para ir fazer negócios no Brasil, em Angola, em Macau, no Iraque ou nalguma longínqua cleptocracia do Leste Europeu. Que a impele, afinal, a fugir ao assunto. A fugir sempre, sempre, ao assunto - ignorando, ou fingindo ignorar, que é aqui, na Europa, que ganharemos ou perderemos o nosso futuro.
18.11.05
"The one management thinker every educated person should read”
Quando se fala da Áustria como o epicentro cultural do século XX vêm-nos usualmente à cabeça nomes como Schoenberg, Wittgenstein ou Freud. Provavelmente, não o de Peter Drucker, o teórico e professor de gestão falecido na semana passada nos EUA com 95 anos de idade.
E, no entanto, a influência de Drucker não foi inferior à de nenhum dos outros.
Uma das coisas mais surpreendentes em Peter Drucker é o facto de se tratar de um outsider, um autor dificilmente catalogável nas grandes correntes do pensamento social contemporâneo.
Economista por formação, não atribuía grande relevância à ciência económica. Não era liberal. Não era empirista. A observação dos factos apenas lhe servia de vaga inspiração para estruturar com o máximo rigor um pensamento complexo que prezava a simplicidade pedagógica. Não valorizava o famigerado método dos casos. Não lhe interessavam nem as definições nem os modelos. Não tinha em grande conta as práticas mais correntes da gestão contemporânea. Desprezava os gurus da gestão, que apelidava de charlatães. Apesar de ter trazido respeitabilidade académica à gestão troçava das pretensões científicas dos departamentos de gestão contemporâneos. Nunca foi em modas, mas permaneceu sempre actual.
Drucker propôs um postulado segundo o qual uma empresa é uma coisa que tem clientes, e acrescentou que, por conseguinte, o seu propósito essencial é criar e manter clientes. Segue-se daí, por um raciocínio quase lógico, que uma empresa tem duas, e só duas, funções essenciais: a inovação e o marketing.
Todo o seu pensamento decorre dessas verdades que tomava como axiomáticas. O conceito de marketing, a gestão por objectivos, a ideia de gestão estratégica, o papel da inovação empresarial como invenção social, o empowerment, a gestão do conhecimento e dos trabalhadores qualificados - todas essas ideias decorrem de forma necessária desse núcleo central do seu pensamento.
Para compreender o homem, recomendo as "Adventures of a Bystander". Para entender as ideias, "The Practice of Management" (de 1954) ou, pela sua actualidade para o nosso país, "Innovation and Entrepreneurship". Quem, muito compreensivelmente, não estiver para aí voltado, deve ao menos ler o excelente artigo que The Economist esta semana lhe dedica: "Trusting the teacher in the grey-flannel suit", onde Drucker é apresentado como "The one management thinker every educated person should read." E é bem verdade.
Giogione: Vénus.
Não percebo como é que o Lutz tem deixado escapar esta playmate, que Marcel Proust achava parecida com a criada de quarto de Mme Putbus.
16.11.05
Da série "Grandes Mistérios da Humanidade"
Toda a história de Portugal é, segundo alguns místicos, um mistério só decifrável por quem consegue ler directamente na mente de Deus.
Um mistério particular da nossa existência colectiva é a atenção concedida às emaranhadas elocubrações de um tonto como Vasco Pulido Valente, que se contradiz constantemente no afã de se proclamar mais esperto e original do que o vulgar povoléu.
Não estou em condições de propor uma explicação que me satisfaça inteiramente para tão estranho fenómeno. Mas conjecturo que talvez o esmagador peso do analfabetismo nos incline ao embasbacamento perante alguém que consegue expor os seus pensamentos numa prosa viva e agressiva, coisa rara num país em que até os escritores profissionais escrevem no estilo rebuscado dos amanuenses.
Como paga pela destreza no uso da língua, perdoamos-lhe a insensatez e o absurdo dos propósitos.
Enfim, é uma hipótese...
Um mistério particular da nossa existência colectiva é a atenção concedida às emaranhadas elocubrações de um tonto como Vasco Pulido Valente, que se contradiz constantemente no afã de se proclamar mais esperto e original do que o vulgar povoléu.
Não estou em condições de propor uma explicação que me satisfaça inteiramente para tão estranho fenómeno. Mas conjecturo que talvez o esmagador peso do analfabetismo nos incline ao embasbacamento perante alguém que consegue expor os seus pensamentos numa prosa viva e agressiva, coisa rara num país em que até os escritores profissionais escrevem no estilo rebuscado dos amanuenses.
Como paga pela destreza no uso da língua, perdoamos-lhe a insensatez e o absurdo dos propósitos.
Enfim, é uma hipótese...
Paulo Pedroso
Pacheco Pereira gastou hoje trinta minutos na Quadratura do Círculo a tentar desvalorizar a gravidade política do que se passou há dois anos. Quem ainda se recordar do que ele escreveu na altura facilmente entenderá porquê.
Para falar com toda a clareza, o que os tribunais agora concluíram foi que a acusação contra Paulo Pedroso assentou numa completa fabricação.
Ainda assim, a tese dominante entre os comentadores bem-pensantes é que devemos atribuir apenas à incompetência dos investigadores a responsabilidade do sucedido. Não é fácil aceitar ingenuamente esta hipótese, tendo em conta que o resultado imediato do processo Casa Pia - se calhar, o seu único resultado - foi a decapitação do Partido Socialista.
Nestas condições, a única forma de provar que este processo não foi politicamente motivado consiste em investigar até ao fim a teia de cumplicidades que permitiu que as coisas tivessem chegado até onde chegaram.
Para falar com toda a clareza, o que os tribunais agora concluíram foi que a acusação contra Paulo Pedroso assentou numa completa fabricação.
Ainda assim, a tese dominante entre os comentadores bem-pensantes é que devemos atribuir apenas à incompetência dos investigadores a responsabilidade do sucedido. Não é fácil aceitar ingenuamente esta hipótese, tendo em conta que o resultado imediato do processo Casa Pia - se calhar, o seu único resultado - foi a decapitação do Partido Socialista.
Nestas condições, a única forma de provar que este processo não foi politicamente motivado consiste em investigar até ao fim a teia de cumplicidades que permitiu que as coisas tivessem chegado até onde chegaram.
15.11.05
One Down, One Up
Quarenta anos depois, foram finalmente editadas em CD as míticas sessões de John Coltrane gravadas no Half Note em Março e Maio de 1965.
O ponto alto é "One Down, One Up", com um solo de 28 minutos em que Coltrane, sem nunca se repetir uma só vez, arrasta o jazz para territórios desconhecidos.
Disse Elvin Jones, o baterista que, juntamente com McCoy Tyner no piano e Jimmy Garrison no baixo, completava o grupo: "I was more listening to him than trying to accompany as a drummer. I was just fascinated by this guy and the way he played. He had so many ideas."
Pró-americanismo
O maestro Lawrence Foster veio dar um abanão na sorumbática programação da Orquestra Gulbenkian, que raramente se aventurava pelo século XX adentro.
Este ano, quando ainda não se completou uma meia dúzia de concertos, já tivémos direito a Debussy, Ravel, Prokofiev, Hindemith, Bartok, Enescu, Emanuel Nunes e Boulez, sem falar do surpreendente Concerto para Violino de Luís Freitas Branco.
Educação popular
Uma coisa que todos pudémos ver foi que, à beira dos bairros pobres americanos, os franceses parecem condomínios de luxo.
Boa leitura
Hoje li o jornal que é distribuido gratuitamente no Metro de Lisboa.
Tem coisas boas: não escreve lá o Luís Delgado, nem o João Carlos Espada, nem o João Pereira Coutinho.
Tem coisas boas: não escreve lá o Luís Delgado, nem o João Carlos Espada, nem o João Pereira Coutinho.
Os insultos são para as ocasiões
Não vi o Portugal-Croácia porque, como quase sempre acontece quando joga a selecção, tinha coisas mais interessantes para fazer.
Mas foram-me servidos a posteriori alguns resumos televisivos que incluíam mais algumas ternurentas gaffes do Ricardo.
No final do jogo, Scolari denunciou os lóbis que perseguem incansavelmente o seu goleiro favorito. Porém, teve o bom-senso de acrescentar uma afirmação com a qual não posso deixar de concordar: "Se querem atacar alguém, não ataquem o Ricardo, ataquem-me a mim."
OK, então aí vai: Ó Scolari, tu és uma besta!
Mas foram-me servidos a posteriori alguns resumos televisivos que incluíam mais algumas ternurentas gaffes do Ricardo.
No final do jogo, Scolari denunciou os lóbis que perseguem incansavelmente o seu goleiro favorito. Porém, teve o bom-senso de acrescentar uma afirmação com a qual não posso deixar de concordar: "Se querem atacar alguém, não ataquem o Ricardo, ataquem-me a mim."
OK, então aí vai: Ó Scolari, tu és uma besta!
Subúrbios
As revoltas têm causas, mesmo quando não têm razões.
Cabe à política interpretá-las, dar-lhes um sentido e fazer algo com elas - se for capaz.
Nesse sentido, a política é a resposta civilizada aos surtos de irracionalidade que por vezes irrompem aqui ou ali.
O bastão, entendido como resposta final e suficiente, é a resposta bárbara à própria barbárie.
Cabe à política interpretá-las, dar-lhes um sentido e fazer algo com elas - se for capaz.
Nesse sentido, a política é a resposta civilizada aos surtos de irracionalidade que por vezes irrompem aqui ou ali.
O bastão, entendido como resposta final e suficiente, é a resposta bárbara à própria barbárie.
13.11.05
Desintegração comparada
Em França, filhos de imigrantes desenraizados deitam fogo a automóveis.
Em Inglaterra, filhos de imigrantes desenraizados fazem explodir bombas no metro.
Agora, decidam vocês qual dos dois países tem maior sucesso na sua política de integração.
Em Inglaterra, filhos de imigrantes desenraizados fazem explodir bombas no metro.
Agora, decidam vocês qual dos dois países tem maior sucesso na sua política de integração.
11.11.05
10.11.05
Estamos velhos, vírgula..
"Estamos velhos e com medo", conclui hoje Pacheco Pereira.
Velhos, estaremos - não há como desmentir o bilhete de identidade.
Mas o medo já é problema particular dele, como o prova o seu blogue cada vez mais caturra. Em chegando o Inverno, o estado geral de irritação só vai tender a piorar.
Cheguem-lhe a poltrona mais para a lareira, cubram-no com mantas, ponham-lhe ao lado o escarrador, vedem bem as janelas e, sobretudo, tranquem bem as portas. Ele anda por aí uma malandragem!
Velhos, estaremos - não há como desmentir o bilhete de identidade.
Mas o medo já é problema particular dele, como o prova o seu blogue cada vez mais caturra. Em chegando o Inverno, o estado geral de irritação só vai tender a piorar.
Cheguem-lhe a poltrona mais para a lareira, cubram-no com mantas, ponham-lhe ao lado o escarrador, vedem bem as janelas e, sobretudo, tranquem bem as portas. Ele anda por aí uma malandragem!
9.11.05
O que está em causa
Peço desculpa, mas não acompanho este raciocínio.
Se a coisa correr mal, será o fim da TAP. Nesse caso, não haverá lugar a qualquer privatização.
Em segundo lugar, o investimento financeiro não implica o interesse em investir na empresa. O primeiro está garantido por todas as formas e feitios; o segundo, está sujeito a todos os riscos.
Finalmente, a questão do novo aeroporto é razoavelmente independente da aliança entre a TAP e a Varig.
Em minha opinião, o que aqui está em causa é apenas, e só, a assunção pelo Estado de um elevado risco financeiro sem que seja claro o que tem o país a ganhar com isso.
Se a coisa correr mal, será o fim da TAP. Nesse caso, não haverá lugar a qualquer privatização.
Em segundo lugar, o investimento financeiro não implica o interesse em investir na empresa. O primeiro está garantido por todas as formas e feitios; o segundo, está sujeito a todos os riscos.
Finalmente, a questão do novo aeroporto é razoavelmente independente da aliança entre a TAP e a Varig.
Em minha opinião, o que aqui está em causa é apenas, e só, a assunção pelo Estado de um elevado risco financeiro sem que seja claro o que tem o país a ganhar com isso.
8.11.05
Bem-vindos ao maravilhoso mundo da pós-política
Com a política cada vez mais reduzida à gestão das coisas, tudo o que fica de fora, ou seja, o patético mundo dos homens, não tem o direito de exprimir-se públicamente senão através da violência como um fim em si mesma.
Eliminação progressiva da esfera pública, gestão orçamental implacável, intolerância cultural, mobilização total contra o inimigo invisível e controlo policial permanente - eis o programa de governo ideal da era pós-política.
"Exterminate all the brutes", como pedia Kurtz, o benemérito tresmalhado que perdeu a alma a lutar contra o mal.
Eliminação progressiva da esfera pública, gestão orçamental implacável, intolerância cultural, mobilização total contra o inimigo invisível e controlo policial permanente - eis o programa de governo ideal da era pós-política.
"Exterminate all the brutes", como pedia Kurtz, o benemérito tresmalhado que perdeu a alma a lutar contra o mal.
A questão
Para todos os efeitos práticos, a TAP é uma empresa do Estado. Para além disso, não tem, como se sabe, dinheiro para mandar cantar um cego.
Como pôde então envolver-se numa operação da dimensão da compra de uma parte da Varig? O que sucederá se a coisa correr mal?
Mais especificamente, o que todos nós temos o direito de saber é que garantias deu o Estado português para avalizar esta operação. Isto tornou-se ainda mais indispensável agora que se sabe que figuras gradas do PS (mais concretamente, Almeida Santos) se encontram envolvidas no negócio na qualidade de investidores privados.
Como pôde então envolver-se numa operação da dimensão da compra de uma parte da Varig? O que sucederá se a coisa correr mal?
Mais especificamente, o que todos nós temos o direito de saber é que garantias deu o Estado português para avalizar esta operação. Isto tornou-se ainda mais indispensável agora que se sabe que figuras gradas do PS (mais concretamente, Almeida Santos) se encontram envolvidas no negócio na qualidade de investidores privados.
Facciosos
Um leitor irritado com o meu post de há pouco em defesa do Vitinho escreveu-me um email exigindo que sejam igualmente investigadas as circunstâncias em que os miúdos Nuno Gomes, Sá Pinto e João Pinto deixaram de ser portistas.
Dêem-lhes tempo, dêem-lhes tempo
Não tarda muito, vai aparecer alguém a defender que a repressão dos motins em França deve ser encarada como uma nova frente da guerra contra o terrorismo.
O Público já se referiu à Intifada francesa, e Fukuyama fala da Jihad europeia...
O Público já se referiu à Intifada francesa, e Fukuyama fala da Jihad europeia...
Um tipo está sempre a aprender
Eu julgava que os motins raciais eram uma coisa relativamente frequente nos Estados Unidos, mas agora explicaram-me que o fenómeno tem as suas origens no modelo social europeu...
Assobiando para o lado
Como se não bastassem as investigações em torno de Karl Rove e Dick Cheyney relativamente à denúncia, por motivos de vingança política, da identidade de uma agente secreta da CIA, crescem também os indícios de que a Administração Bush se encontra envolvida ao mais alto nível em práticas de tortura, não só em Abu-Graib e em Guantanamo, como ainda em diversos outros países.
Cada vez se torna mais evidente, pois, que espécie de gente ocupa hoje a Casa Branca.
Nestas circunstâncias, não admira que, por estes dias, os bushistas cá da terra prefiram comentar os motins em França.
Cada vez se torna mais evidente, pois, que espécie de gente ocupa hoje a Casa Branca.
Nestas circunstâncias, não admira que, por estes dias, os bushistas cá da terra prefiram comentar os motins em França.
É preciso proteger as crianças
Todo eu tremo só de pensar nas inimagináveis pressões a que terá sido submetido o pequeno Vítor para aceitar trocar o Glorioso pelos Azuis Malvados!
Se repararem com muita atenção, ainda há no olhar deste homem vestígios do sofrimento a que foi sujeito em criança.
É urgente investigar.
31.10.05
Más educações
Eu estaria inclinado a concordar com o Rui: "estudar compensa".
Mas, por outro lado, temos que admitir que ao Vasco Pulido Valente não lhe fez bem nenhum, visto que ele nem sequer é capaz de ler um ranking, quanto mais interpretá-lo...
Mas, por outro lado, temos que admitir que ao Vasco Pulido Valente não lhe fez bem nenhum, visto que ele nem sequer é capaz de ler um ranking, quanto mais interpretá-lo...
Devagar, devagarinho e parado
Rompendo um longo silêncio de cerca de um mês, o Público, pela voz do seu Director, reafirma hoje ter indicações seguras de que dois membros do Secretariado do PS terão estado envolvidos em negociações relacionadas com o regresso de Fátima Felgueiras a Portugal.
Li e reli com atenção a prosa do Público - confusíssima e longuíssima, note-se - e não dei conta de nenhum facto novo.
Se era só para dizer que o Público mantém o que afirmou na altura, porque é que demorou tanto tempo?
Pelos vistos não são só os tribunais portugueses que são lentos. O Público segue velozmente na sua peúgada.
Entretanto, um caso que, a confirmar-se, será extremamente grave, continuará a alimentar todas as suspeições imagináveis por tempo indeterminado.
Próxima etapa: lá para Fevereiro?
Li e reli com atenção a prosa do Público - confusíssima e longuíssima, note-se - e não dei conta de nenhum facto novo.
Se era só para dizer que o Público mantém o que afirmou na altura, porque é que demorou tanto tempo?
Pelos vistos não são só os tribunais portugueses que são lentos. O Público segue velozmente na sua peúgada.
Entretanto, um caso que, a confirmar-se, será extremamente grave, continuará a alimentar todas as suspeições imagináveis por tempo indeterminado.
Próxima etapa: lá para Fevereiro?
A esperteza saloia do PSD e o referendo
Recapitulando. Em tempos que já lá vão, António Guterres cometeu uma das maiores asneiras do seu consulado, ao decidir submeter a referendo o tema da interrupção voluntária da gravidez.
O referendo não foi válido, dado não ter votado a percentagem mínima de eleitores prevista na lei e, por esse motivo, as coisas ficaram como estavam.
Embora considere um erro a decisão inicial de referendar a interrupção voluntária da gravudez, concordo que, tendo sido esse o caminho escolhido, não é agora correcto a Assembleia legislar sobre o assunto enquanto não tiver lugar um novo referendo.
Por conseguinte, fez bem Sócrates quando, na sequência da decisão do Tribunal Constitucional, optou por esperar pela próxima sessão legislativa para desencadear o processo.
Dito isto, é preciso acrescentar que, ao contrário do PS, o PSD não está a jogar limpo, persistindo nas manobras dilatórias a que tem recorrido de há dez anos a esta parte para evitar que o problema seja resolvido de uma vez por todas. A esperteza saloia é a única arte em que Marques Mendes verdadeiramente se sente à vontade.
Nesse sentido, seria bom que fosse avisado de que, se o PSD não abandonar essa atitude - e há-de haver sempre pretextos para adiar uma e outra vez o referendo - o PS poderá nalgum momento ver-se forçado a mudar de ideias, aprovando uma nova lei na Assembleia da República sem mais demoras.
O referendo não foi válido, dado não ter votado a percentagem mínima de eleitores prevista na lei e, por esse motivo, as coisas ficaram como estavam.
Embora considere um erro a decisão inicial de referendar a interrupção voluntária da gravudez, concordo que, tendo sido esse o caminho escolhido, não é agora correcto a Assembleia legislar sobre o assunto enquanto não tiver lugar um novo referendo.
Por conseguinte, fez bem Sócrates quando, na sequência da decisão do Tribunal Constitucional, optou por esperar pela próxima sessão legislativa para desencadear o processo.
Dito isto, é preciso acrescentar que, ao contrário do PS, o PSD não está a jogar limpo, persistindo nas manobras dilatórias a que tem recorrido de há dez anos a esta parte para evitar que o problema seja resolvido de uma vez por todas. A esperteza saloia é a única arte em que Marques Mendes verdadeiramente se sente à vontade.
Nesse sentido, seria bom que fosse avisado de que, se o PSD não abandonar essa atitude - e há-de haver sempre pretextos para adiar uma e outra vez o referendo - o PS poderá nalgum momento ver-se forçado a mudar de ideias, aprovando uma nova lei na Assembleia da República sem mais demoras.
30.10.05
Encontros de Outono
Les beaux esprits se rencontrent. Mesmo que, às vezes, só de nariz tapado.
Esta recomendação assemelha-se bastante a uma ofensa, não acham?
Esta recomendação assemelha-se bastante a uma ofensa, não acham?
28.10.05
Nós e Israel
O incitamento a varrer Israel do mapa mostra que o actual Presidente do Irão ou é fanático, ou é estúpido, ou é simultaneamente fanático e estúpido. Inclino-me para a terceira hipótese.
Admito que estas declarações serão predominantemente para consumo interno, mas isso não nos dá o direito de subestimá-las.
Por isso, também eu pergunto: porque se calou o Governo portguês?
Admito que estas declarações serão predominantemente para consumo interno, mas isso não nos dá o direito de subestimá-las.
Por isso, também eu pergunto: porque se calou o Governo portguês?
27.10.05
O cavaquismo é o sistema em que vivemos
A partir de meados dos anos 80, com a adesão à UE, começou a chover dinheiro em Portugal.
O cavaquismo foi o sistema que organizou a contento a distribuição desses dinheiros, incluindo alguns que sobraram para caridade.
A sua ideia central, podemos hoje entendê-lo melhor à distância, era conseguir fazer entrar o país na modernidade sem pôr em causa a sua ancestral tacanhez.
Assim, a tradicional estrutura de poder económico-social, articulando sabiamente os pequenos e médios poderes locais com as grandes empresas encostadas à sombra do Estado, foi ciosamente reconstituída com alguns arranjos mínimos.
Seria de esperar que a abertura à concorrência externa, as reprivatizações, a expansão do investimento estrangeiro e o grande aumento da escolaridade tivessem conduzido a um crescimento espectacular da produtividade. Nada disso aconteceu.
Os grupos económicos concentraram a sua actividade em sectores protegidos da concorrência externa: finança, imobiliário, obras públicas, telecomunicações, grande retalho e auto-estradas, por exemplo. As PMEs receberam fortunas em subvenções provenientes da Europa para finalidades de interesse altamente duvidoso.
No essencial, muito pouco de essencial mudou. Muito em particular, os governos de Cavaco Silva foram de uma ineficácia total e absoluta nos domínios da justiça, da saúde e do ensino, já para não falar da reforma administrativa. Para complicar ainda mais as coisas, inventaram maravilhas como a progressão automática nas carreiras dos funcionários públicos e uma miríade de sub-sistemas especiais de privilégios que hoje estamos a descobrir.
Quando já estava tudo farto dos cavaquistas, veio o guterrismo que, mau grado as boas intenções iniciais, acabou por não ser mais que a continuação do cavaquismo por outros meios.
E é nisto que ainda hoje estamos, ou seja, no sistema instaurado sob a égide do professor Cavaco Silva. Talvez ele, que nos trouxe para cá, saiba como se sai daqui.
Acham?
O cavaquismo foi o sistema que organizou a contento a distribuição desses dinheiros, incluindo alguns que sobraram para caridade.
A sua ideia central, podemos hoje entendê-lo melhor à distância, era conseguir fazer entrar o país na modernidade sem pôr em causa a sua ancestral tacanhez.
Assim, a tradicional estrutura de poder económico-social, articulando sabiamente os pequenos e médios poderes locais com as grandes empresas encostadas à sombra do Estado, foi ciosamente reconstituída com alguns arranjos mínimos.
Seria de esperar que a abertura à concorrência externa, as reprivatizações, a expansão do investimento estrangeiro e o grande aumento da escolaridade tivessem conduzido a um crescimento espectacular da produtividade. Nada disso aconteceu.
Os grupos económicos concentraram a sua actividade em sectores protegidos da concorrência externa: finança, imobiliário, obras públicas, telecomunicações, grande retalho e auto-estradas, por exemplo. As PMEs receberam fortunas em subvenções provenientes da Europa para finalidades de interesse altamente duvidoso.
No essencial, muito pouco de essencial mudou. Muito em particular, os governos de Cavaco Silva foram de uma ineficácia total e absoluta nos domínios da justiça, da saúde e do ensino, já para não falar da reforma administrativa. Para complicar ainda mais as coisas, inventaram maravilhas como a progressão automática nas carreiras dos funcionários públicos e uma miríade de sub-sistemas especiais de privilégios que hoje estamos a descobrir.
Quando já estava tudo farto dos cavaquistas, veio o guterrismo que, mau grado as boas intenções iniciais, acabou por não ser mais que a continuação do cavaquismo por outros meios.
E é nisto que ainda hoje estamos, ou seja, no sistema instaurado sob a égide do professor Cavaco Silva. Talvez ele, que nos trouxe para cá, saiba como se sai daqui.
Acham?
Amaral, o conformado
Há escassas semanas, Luciano Amaral pedia abertamente que, uma vez eleito, Cavaco Presidente se empenhasse em mudar o "regime".
Quando Cavaco tornou claro que não tencionava fazê-lo, mostrou-se desapontado.
Hoje, no DN, ficamos a saber que já superou a desilusão adolescente. Venha de lá então esse Cavaco Silva semi-presidencialista, cooperante com o Governo, dialogante, social-democrata e tudo...
É o que acontece quando a direita se sente encostada à parede.
Quando Cavaco tornou claro que não tencionava fazê-lo, mostrou-se desapontado.
Hoje, no DN, ficamos a saber que já superou a desilusão adolescente. Venha de lá então esse Cavaco Silva semi-presidencialista, cooperante com o Governo, dialogante, social-democrata e tudo...
É o que acontece quando a direita se sente encostada à parede.
Três candidatos
No plano puramente simbólico, o quadro geral das eleições presidenciais está perfeitamente definido.
Soares ocupa o território da política.
Cavaco, o da economia.
Alegre, o da cultura.
Nas actuais condições de alarme económico generalizado, o espaço de Cavaco Silva é inevitavelmente sólido.
Nas actuais condições de desprestígio da política, o espaço natural de Soares é perigoso.
Nas actuais condições de desorientação ideológica, o espaço de Alegre estimula o sonho.
Soares ocupa o território da política.
Cavaco, o da economia.
Alegre, o da cultura.
Nas actuais condições de alarme económico generalizado, o espaço de Cavaco Silva é inevitavelmente sólido.
Nas actuais condições de desprestígio da política, o espaço natural de Soares é perigoso.
Nas actuais condições de desorientação ideológica, o espaço de Alegre estimula o sonho.
23.10.05
22.10.05
Pequeno mundo
Os tribunais funcionam devagar e não fazem justiça. Os polícias ameaçam fazer greve e os juízes fazem mesmo. Os doentes esperam eternidades por uma operação. As farmacêuticas conspiram para manter artificialmente elevados os preços dos medicamentos. Os miúdos acabam o ensino obrigatório sem saberem escrever e contar decentemente. Os patos bravos destroem livremente a paisagem. A floresta arde ano após ano sem surpresa perante a impotência dos poderes públicos. Crianças entregues à guarda do Estado são abusadas durante anos a fio. As televisões promovem diariamente a estupidez. A burocracia desfaz-nos a paciência. A corrupção toma conta do dia a dia dos negócios.
A acreditar no seu discurso de candidatura, porém, a única coisa que rala Cavaco é a economia e as finanças públicas.
Como se explica uma coisa dessas?
É que a economia e as finanças públicas traçam os limites do pequeno mundo mental em que ele se move. Fora disso, quase nada sabe, e, sobretudo, quase nada lhe interessa.
A acreditar no seu discurso de candidatura, porém, a única coisa que rala Cavaco é a economia e as finanças públicas.
Como se explica uma coisa dessas?
É que a economia e as finanças públicas traçam os limites do pequeno mundo mental em que ele se move. Fora disso, quase nada sabe, e, sobretudo, quase nada lhe interessa.
Debicando os fígados de Prometeu
A cartilha reaccionária consente ser resumida em apenas dois artigos de fé:
1. Este mundo é um vale de lágrimas feio, porco e mau, mas, no essencial, é impossível mudá-lo para melhor.
2. Quando se procura mudá-lo para melhor, o resultado final é ainda pior que a situação de partida.
No seu artigo estampado no Público de ontem e reproduzido no Abrupto, retoma essas teses sob uma forma contemporânea.
O que alega é que, apesar dos progressos da ciência e da medicina modernas, estamos hoje ainda mais expostos aos perversos ataques da Natureza, na medida em que as mutações vão tornando os virús cada vez mais resistentes aos antídotos que inventámos para combatê-los.
Será impressão minha, ou não haverá aqui um secreto regozijo perante a eventualidade dos milhões de mortes que a gripe das aves alegadamente poderá causar?
E morrerão as vítimas mais felizes por saberem que o seu sacrifício corroborá as teses do reverendo Malthus de que, pelos vistos, Pacheco Pereira comunga?
1. Este mundo é um vale de lágrimas feio, porco e mau, mas, no essencial, é impossível mudá-lo para melhor.
2. Quando se procura mudá-lo para melhor, o resultado final é ainda pior que a situação de partida.
No seu artigo estampado no Público de ontem e reproduzido no Abrupto, retoma essas teses sob uma forma contemporânea.
O que alega é que, apesar dos progressos da ciência e da medicina modernas, estamos hoje ainda mais expostos aos perversos ataques da Natureza, na medida em que as mutações vão tornando os virús cada vez mais resistentes aos antídotos que inventámos para combatê-los.
Será impressão minha, ou não haverá aqui um secreto regozijo perante a eventualidade dos milhões de mortes que a gripe das aves alegadamente poderá causar?
E morrerão as vítimas mais felizes por saberem que o seu sacrifício corroborá as teses do reverendo Malthus de que, pelos vistos, Pacheco Pereira comunga?
21.10.05
Pilares da economia
Têm estado atentos às investigações de eventuais operações de fraude fiscal e branqueamento de capitais conduzidas à sombra de importantes instituições bancárias?
A pouco e pouco vamos começando a perceber quais são as verdadeiras causas do miserável estado em que se encontra a economia portuguesa.
A pouco e pouco vamos começando a perceber quais são as verdadeiras causas do miserável estado em que se encontra a economia portuguesa.
20.10.05
Intelligentzia
Há apenas três mesitos, os inteligentes de serviço explicaram-nos que, com a saída de Campos e Cunha, o governo abandonara o seu programa de contenção da despesa pública.
Uma dessas cabeças, segundo a qual o "verdadeiro teste" seria o OGE para 2006, limpa-se agora alegando que, afinal, o "verdadeiro teste" será o OGE para 2007. Sempre ganha um anito para pensar no que terá que inventar a seguir.
Uma dessas cabeças, segundo a qual o "verdadeiro teste" seria o OGE para 2006, limpa-se agora alegando que, afinal, o "verdadeiro teste" será o OGE para 2007. Sempre ganha um anito para pensar no que terá que inventar a seguir.
16.10.05
O cão mordeu o homem
A vitória do Benfica no Dragão ao fim de 14 anos seria, em circunstâncias normais, uma notícia surpresa.
Excepto que, tendo sido anunciada pelo próprio Adriaanse dois dias antes, na verdade não houve surpresa nenhuma.
O holandês voltou a aplicar a táctica que tem usado com tanto sucesso na sua já longa carreira: o 4-0-6, com a peculiaridade de os 4 de trás também serem uns zeros.
Aconteceu que Koeman, num golpe de génio, optou por colocar 11 jogadores em campo, uma decisão arguta, traiçoeira e inteiramente inesperada.
Desta vez, os prognósticos puderam ser adiantados ainda antes do princípio do jogo. Tudo se limitou afinal a isto: o cão mordeu o homem.
Excepto que, tendo sido anunciada pelo próprio Adriaanse dois dias antes, na verdade não houve surpresa nenhuma.
O holandês voltou a aplicar a táctica que tem usado com tanto sucesso na sua já longa carreira: o 4-0-6, com a peculiaridade de os 4 de trás também serem uns zeros.
Aconteceu que Koeman, num golpe de génio, optou por colocar 11 jogadores em campo, uma decisão arguta, traiçoeira e inteiramente inesperada.
Desta vez, os prognósticos puderam ser adiantados ainda antes do princípio do jogo. Tudo se limitou afinal a isto: o cão mordeu o homem.
Um mestre-escola na Presidência
A perspectiva de um mestre-escola poder chegar a Belém traz em grande alvoroço o Portugal dos Pequeninos.
15.10.05
Vamos lá a saber
É indispensável que Cavaco se pronuncie sobre estas declarações de Morais Sarmento.
Diversos políticos e comentadores que se apresentam como apoiantes de Cavaco Silva têm vindo a dizer coisas semelhantes, tornando manifesto o propósito de usar a Presidência da República para subverter o regime constitucional.
Ou bem que Cavaco se distancia destas posições, ou bem que, calando-se, consente ser essa de facto a sua agenda oculta.
Temos todos o direito de saber o que pretende ele com a sua candidatura presidencial. Fico à espera que os jornalistas façam as perguntas que se impõem.
Diversos políticos e comentadores que se apresentam como apoiantes de Cavaco Silva têm vindo a dizer coisas semelhantes, tornando manifesto o propósito de usar a Presidência da República para subverter o regime constitucional.
Ou bem que Cavaco se distancia destas posições, ou bem que, calando-se, consente ser essa de facto a sua agenda oculta.
Temos todos o direito de saber o que pretende ele com a sua candidatura presidencial. Fico à espera que os jornalistas façam as perguntas que se impõem.
14.10.05
Agora ou nunca
Aos benfiquistas tanto se lhes dá, porque o que mais os excita no futebol é a arbitragem, mas, se o Simão e o Nuno Gomes estiverem em dia sim (os outros nove servem principalmente para distrair o adversário) o seu clube tem este fim de semana uma oportunidade única de golear o FC Porto no Dragão.
Concluí isto depois de saber que, segundo o Adriaanse, a sua equipa tem de jogar como se o adversário não existisse. O futebol onanista é, pelos vistos, uma modalidade muito popular na Holanda.
Elogio das rotundas
Acreditem se quiserem, mas a verdade é que eu estava a projectar escrever um post a dizer isto mesmo. E até o título era igual.
Moral da história: quando se deixa para amanhã o que se pode fazer hoje, pode acontecer que, com um bocado de sorte, alguém o faça por nós.
Moral da história: quando se deixa para amanhã o que se pode fazer hoje, pode acontecer que, com um bocado de sorte, alguém o faça por nós.
13.10.05
Coerências
Pacheco Pereira criticou, com toda a razão, a excessiva cobertura televisiva das eleições de Amarante, Gondomar, Felgueiras e Oeiras.
Mas, ao mesmo tempo, opinou que Sócrates deveria ter ido a Felgueiras.
Para quê? Para envolver o primeiro-ministro numa arruaça? Mas que grande momento de televisão não teria sido!
Ora, boa noite!
Mas, ao mesmo tempo, opinou que Sócrates deveria ter ido a Felgueiras.
Para quê? Para envolver o primeiro-ministro numa arruaça? Mas que grande momento de televisão não teria sido!
Ora, boa noite!
As causas das coisas
Uma análise original das últimas autárquicas, onde é capaz de haver algo de verdade.
12.10.05
11.10.05
Que fazer?
Se o PP não apresentar um candidato às próximas eleições presidenciais, corre o risco de desaparecer da cena política e, por conseguinte, ser condenado à irrelevância nos próximos anos.
Por outro lado, se o PP apresentar um candidato às próximas eleições presidenciais, corre o risco de ser cilindrado e, por conseguinte, ser condenado à irrelevância nos próximos anos.
Damned if you do, damned if you don't.
Que fazer?
Para provar que o PSD não pode fazer nada sem ele, o PP não precisa de ter um bom resultado. Basta-lhe impedir que Cavaco o tenha, designadamente na primeira volta. Ora, para lograr esse propósito, tirar-lhe 3% dos votos é absolutamente suficiente para estragar-lhe a vida.
Depois, na segunda volta, logo se verá...
O problema é que, mesmo assim, o mais provável é que Cavaco ganhe na segunda volta. Ora, nessas circunstâncias, com Cavaco em Belém durante 10 anos a tutelar o PSD, o PP pode dizer adeus a qualquer nova grande coligação à direita num horizonte longo.
A questão, porém, é que o mesmo acontecerá se Cavaco ganhar e o PP não apresentar candidato. De Cavaco, o PP não pode esperar nada. Quer apresente candidato, quer prescinda de o fazer.
Logo, apresentar candidato é uma estratégia recomendável para o PP, dado que, faça o que fizer, nunca poderá contar com a benevolência de Cavaco.
Conclui-se, então, que o PP pode fazer uma de duas coisas:
a) Apresentar um candidato que, ao contrário de Cavaco, proponha abertamente a mudança do regime.
b) Usar a ameaça de apresentar candidato para conseguir posições de destaque na candidatura de Cavaco.
A alternativa b) tem, porém, dois grandes inconvenientes. Primeiro, como se sabe, Cavaco não cede a pressões... Segundo, uma candidatura com um peso significativo do PP desloca-se para a direita e faz Cavaco perder votos.
Por outro lado, se o PP apresentar um candidato às próximas eleições presidenciais, corre o risco de ser cilindrado e, por conseguinte, ser condenado à irrelevância nos próximos anos.
Damned if you do, damned if you don't.
Que fazer?
Para provar que o PSD não pode fazer nada sem ele, o PP não precisa de ter um bom resultado. Basta-lhe impedir que Cavaco o tenha, designadamente na primeira volta. Ora, para lograr esse propósito, tirar-lhe 3% dos votos é absolutamente suficiente para estragar-lhe a vida.
Depois, na segunda volta, logo se verá...
O problema é que, mesmo assim, o mais provável é que Cavaco ganhe na segunda volta. Ora, nessas circunstâncias, com Cavaco em Belém durante 10 anos a tutelar o PSD, o PP pode dizer adeus a qualquer nova grande coligação à direita num horizonte longo.
A questão, porém, é que o mesmo acontecerá se Cavaco ganhar e o PP não apresentar candidato. De Cavaco, o PP não pode esperar nada. Quer apresente candidato, quer prescinda de o fazer.
Logo, apresentar candidato é uma estratégia recomendável para o PP, dado que, faça o que fizer, nunca poderá contar com a benevolência de Cavaco.
Conclui-se, então, que o PP pode fazer uma de duas coisas:
a) Apresentar um candidato que, ao contrário de Cavaco, proponha abertamente a mudança do regime.
b) Usar a ameaça de apresentar candidato para conseguir posições de destaque na candidatura de Cavaco.
A alternativa b) tem, porém, dois grandes inconvenientes. Primeiro, como se sabe, Cavaco não cede a pressões... Segundo, uma candidatura com um peso significativo do PP desloca-se para a direita e faz Cavaco perder votos.
Nobel para Strangelove
A Teoria dos Jogos recorre a modelos matemáticos de elevada complexidade para estudar os fenómenos de conflito.
Todavia, os livros de Thomas Schelling - um especialista do tema a quem, juntamente com Aumann, foi ontem atribuído o Nobel da Economia - podem ser lidos por qualquer pessoa capaz de seguir um raciocínio complexo.
Melhor ainda, a parte mais original das investigações de Schelling sobre as jogadas estratégicas que visam alterar as expectativas das partes em conflito é apresentada e discutida no filme "Dr. Strangelove - Or How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb" de Stanley Kubrick.
Se já viu o filme, reveja-o agora, porque esta é uma oportunidade única de discutir com os amigos a teoria dos jogos.
Além disso, recomendo vivamente dois livros de Schelling: "The Strategy of Conflict", sobre as jogadas estratégicas, com grande aplicação à estratégia política e militar; e "Micromotives and Macrobehavior", onde se mostra como pequenos desvios do comportamento dos indivíduos em relação à norma podem conduzir a resultados desastrosos em larga escala, uma perspectiva muito útil para a compreensão de uma grande variedade de problemas, incluindo a degradação do ambiente natural ou a discriminação social, racial e sexual.
Ideia para uma micro-causa
Que tal lançar-se uma campanha para obrigar o Scolari a pôr o Ricardo fora da selecção?
Antes que seja demasiado tarde...
10.10.05
Vencidos e vencedores
As vitórias retumbantes de Isaltino e Valentim também significam, não o esqueçamos, que segue o seu curso a cisão no interior do PSD.
Por outro lado, a candidatura de Cavaco à Presidência pode ser vista como uma tentativa in extremis de reconciliar a família social-democrata desavinda.
Por outro lado, a candidatura de Cavaco à Presidência pode ser vista como uma tentativa in extremis de reconciliar a família social-democrata desavinda.
As fontes
Quem argumenta deve procurar fazê-lo com um mínimo de lógica. Ora, do que eu gostaria era que o amigo Crítico me explicasse como é que a revelação dos nomes dos dois membros do Secretariado do PS que alegadamente negociaram com Fátima Felgueiras poderia pôr em risco as tais fontes da notícia.
É que, note bem, se a notícia for verdadeira, os dois membros saberão perfeitamente o que fizeram e saberão a quem terão falado do caso. Logo, desconfiarão já de quem poderá ter contado a história ao Público. Em que é que a publicação dos nomes os ajudará a identificar o informador? Não percebo, e aposto que o Crítico também não.
Não estará o Crítico já arrependido de ter escrito o que escreveu?
É que, note bem, se a notícia for verdadeira, os dois membros saberão perfeitamente o que fizeram e saberão a quem terão falado do caso. Logo, desconfiarão já de quem poderá ter contado a história ao Público. Em que é que a publicação dos nomes os ajudará a identificar o informador? Não percebo, e aposto que o Crítico também não.
Não estará o Crítico já arrependido de ter escrito o que escreveu?
O chimpanzé sueco
Tendo em conta o medíocre desempenho dos fundos de investimento portugueses nos últimos anos, a resposta a esta questão é que, muito provavelmente, o pedreiro ganharia, desde que seleccionásse os títulos de uma forma aleatória.
Em linguagem técnica, chama-se a isso, sem ofensa, o método do "chimpanzé sueco".
Em linguagem técnica, chama-se a isso, sem ofensa, o método do "chimpanzé sueco".
Endogamia
O descontentamento de uma parte não negligenciável da população contra a política do governo funciona como circunstância agravante.
Mas o eleitor comum não afasta ou recusa um autarca capaz apenas por se dar o caso de ele ser membro do partido no poder.
À segunda banhada consecutiva em apenas quatro anos, é altura de se reconhecer que o fulcro do problema é que o PS não tem candidatos autárquicos à altura para nos propor.
O PS é, de há anos a esta parte, o mais fechado dos partidos portugueses. Os seus militantes vivem em circuito fechado: fora das sedes, ninguém os conhece. Assim, o mais provável é que os favoritos do aparelho não passem de uns medíocres cá fora.
Vendo as coisas com realismo, o PS está a morrer porque é incapaz de se reproduzir. Perguntem-se onde está a próxima geração de políticos socialistas, e a resposta é que, ou não existem, ou são demasiado maus para querermos conhecê-los.
A endogamia do PS produziu monstros. Acontece que os eleitores, com toda a razão, não gostam deles.
Mas o eleitor comum não afasta ou recusa um autarca capaz apenas por se dar o caso de ele ser membro do partido no poder.
À segunda banhada consecutiva em apenas quatro anos, é altura de se reconhecer que o fulcro do problema é que o PS não tem candidatos autárquicos à altura para nos propor.
O PS é, de há anos a esta parte, o mais fechado dos partidos portugueses. Os seus militantes vivem em circuito fechado: fora das sedes, ninguém os conhece. Assim, o mais provável é que os favoritos do aparelho não passem de uns medíocres cá fora.
Vendo as coisas com realismo, o PS está a morrer porque é incapaz de se reproduzir. Perguntem-se onde está a próxima geração de políticos socialistas, e a resposta é que, ou não existem, ou são demasiado maus para querermos conhecê-los.
A endogamia do PS produziu monstros. Acontece que os eleitores, com toda a razão, não gostam deles.
9.10.05
Será normal?
Conversa da treta: "Ai, e tal, porque as eleições decorreram em absoluta normalidade democrática..."
Realidade: Tanto quanto me lembro, foi esta a primeira vez que ocorreram erros em larga escala na impressão de boletins de voto. Mais grave ainda, o STAPE permaneceu engasgado até às dez da noite.
Diga-me, doutor, será normal este desleixo em questões de tamanha importância?
Realidade: Tanto quanto me lembro, foi esta a primeira vez que ocorreram erros em larga escala na impressão de boletins de voto. Mais grave ainda, o STAPE permaneceu engasgado até às dez da noite.
Diga-me, doutor, será normal este desleixo em questões de tamanha importância?
Já estou melhor, obrigado
A derrota de Carrilho em Lisboa é uma muito boa notícia.
Primeiro, pelo personagem em si mesmo. Se o eleitorado lisboeta não o tivesse travado agora, a sua ambição não conheceria limites. Pela prepotência que exibiu enquanto mero candidato, podemos adivinhar o que sucederia se se apanhasse no poder.
Depois, e principalmente, pelo que representa, ou seja, pela forma vazia de fazer política pela televisão e para a televisão. Não tenham dúvidas: quem o escolheu para candidato do PS à Presidência da Câmara de Lisboa fê-lo porque achava que ele teria o apoio dos media.
Eu andava meio enojado. Mas agora já me sinto um bocadinho melhor, obrigado.
Primeiro, pelo personagem em si mesmo. Se o eleitorado lisboeta não o tivesse travado agora, a sua ambição não conheceria limites. Pela prepotência que exibiu enquanto mero candidato, podemos adivinhar o que sucederia se se apanhasse no poder.
Depois, e principalmente, pelo que representa, ou seja, pela forma vazia de fazer política pela televisão e para a televisão. Não tenham dúvidas: quem o escolheu para candidato do PS à Presidência da Câmara de Lisboa fê-lo porque achava que ele teria o apoio dos media.
Eu andava meio enojado. Mas agora já me sinto um bocadinho melhor, obrigado.
Digam lá
Como eu próprio lancei esse desafio ao Público no passado dia 29 de Setembro, faz todo o sentido que, seguindo o apelo do Bloguítica, aqui pergunte mais uma vez:
PODE O JORNAL «PÚBLICO» SFF ESCLARECER COM QUEM É QUE FÁTIMA FELGUEIRAS MANTEVE CONTACTOS NO SECRETARIADO NACIONAL DO PS? QUANDO É QUE ESSES CONTACTOS TIVERAM LUGAR? QUEM É QUE INFORMOU JAIME GAMA PREVIAMENTE DA LIBERTAÇÃO DE FÁTIMA FELGUEIRAS?
PODE O JORNAL «PÚBLICO» SFF ESCLARECER COM QUEM É QUE FÁTIMA FELGUEIRAS MANTEVE CONTACTOS NO SECRETARIADO NACIONAL DO PS? QUANDO É QUE ESSES CONTACTOS TIVERAM LUGAR? QUEM É QUE INFORMOU JAIME GAMA PREVIAMENTE DA LIBERTAÇÃO DE FÁTIMA FELGUEIRAS?
Margens de dúvida
Quando o debate político tende a ser substituído pela discussão das sondagens - certos jornalistas chegam quase ao ponto de perguntar aos candidatos: "Se as sondagens mostram que vai perder, porque é que insiste?" - torna-se indispensável que todos nós, e principalmente aqueles que assumem a responsabilidade de divulgá-las ou discuti-las, entendam bem as suas virtudes e limitações.
É também por isso que o Pedro Magalhães deve ser felicitado pelo contributo ímpar que o seu blogue deu para a elevação do debate em torno destas eleições autárquicas, agora prestes a chegar ao fim.
É também por isso que o Pedro Magalhães deve ser felicitado pelo contributo ímpar que o seu blogue deu para a elevação do debate em torno destas eleições autárquicas, agora prestes a chegar ao fim.
O que já sabemos sobre o caso Media Capital
Tenho estado atento ao caso da eventual tomada de controlo do grupo Media Capital - e, logo, da TVI - pelo grupo Prisa.
Um tal Van Zeller, administrador não-executivo que as trocas e baldrocas em torno do capital da empresa ocorridas nos últimos 10 anos não haviam conseguido tirar do sério, alegou publicamente perversas manobras políticas para se demitir. Chamado a depor, confessou que de facto não sabia nada. Para ser mais claro: admitiu que não sabia o que estava a dizer.
Depois, um membro da AACS queixou-se de estar a ser pressionado por um ministro que terá lembrado os prazos para a entrega de um parecer. É de facto, intolerável.
Por outro lado, Cintra Torres, um comentador muito dado à politiquice, usa regularmente a sua coluna no Público para desfiar as mais fantásticas acusações contra a alegada conspiração socialista tendo em vista a tomada de poder na TVI.
Finalmente, Marques Mendes não perde uma oportunidade para alertar os portugueses contra o risco da ocupação da nossa televisão pelos espanhóis.
Que posso, para já concluir? Por um lado, que, quanto ao envolvimento do PS e do Governo no negócio, ainda é preciso esperar para ver se essa acusação tem algum fundamento. Por outro lado, que não existe qualquer dúvida quanto à existência de manobras do PSD para impedi-lo.
Um tal Van Zeller, administrador não-executivo que as trocas e baldrocas em torno do capital da empresa ocorridas nos últimos 10 anos não haviam conseguido tirar do sério, alegou publicamente perversas manobras políticas para se demitir. Chamado a depor, confessou que de facto não sabia nada. Para ser mais claro: admitiu que não sabia o que estava a dizer.
Depois, um membro da AACS queixou-se de estar a ser pressionado por um ministro que terá lembrado os prazos para a entrega de um parecer. É de facto, intolerável.
Por outro lado, Cintra Torres, um comentador muito dado à politiquice, usa regularmente a sua coluna no Público para desfiar as mais fantásticas acusações contra a alegada conspiração socialista tendo em vista a tomada de poder na TVI.
Finalmente, Marques Mendes não perde uma oportunidade para alertar os portugueses contra o risco da ocupação da nossa televisão pelos espanhóis.
Que posso, para já concluir? Por um lado, que, quanto ao envolvimento do PS e do Governo no negócio, ainda é preciso esperar para ver se essa acusação tem algum fundamento. Por outro lado, que não existe qualquer dúvida quanto à existência de manobras do PSD para impedi-lo.
8.10.05
Santa Claus is coming to town
Este ano, com a ajuda do Google Earth, é que o Pai Natal vai saber mesmo quem foram os meninos que se portaram mal.
A rainha guerreira
Raramente concordo com o que escreve. Mas valorizo na Joana a vasta cultura, o cuidado posto na argumentação e o facto de usualmente falar daquilo que entende. Em contrapartida, desgosta-me algum facciosismo.
Há algum tempo tive ocasião de lhe dizer como aprecio o seu blogue, mas acho que ela não acreditou. Agora, que o Semiramis completou o seu segundo aniversário, aqui ficam os meus parabéns.
Há algum tempo tive ocasião de lhe dizer como aprecio o seu blogue, mas acho que ela não acreditou. Agora, que o Semiramis completou o seu segundo aniversário, aqui ficam os meus parabéns.
7.10.05
Recordar é viver
Há algo de comovente na atitude daqueles sujeitos que, detestando um blogue, não conseguem deixar passar um dia sem lá irem religiosamente depositar um insulto na caixa dos comentários. E que saudades eu tenho dessas torpes homenagens, desde que a minha misteriosamente se finou!
6.10.05
A falência da indignação
Francisco José Viegas no JN de hoje:
"A vida política precisa de um pouco de racionalidade, evidentemente. De contrário, qualquer um teria o direito de desatar à gargalhada depois de ver Bárbara Guimarães e Carilho distribuindo rosas em Lisboa. Coisas sérias: se Isaltino ganhar em Oeiras, se Fátima Felgueiras regressar à câmara, se Valentim Loureiro se mantiver em Gondomar, isso não significa que esse risco de racionalidade foi pisado. Significa, sim, que a justiça andou mal e que não andou a tempo. Podemos indignar-nos, sim, mas a indignação banalizou-se e é conveniente que sejam mesmo os tribunais a tomar as decisões que alguns gostariam de tomar nas ruas. Até lá, aguentem-nos. Votem neles, ou não. É a vida."
Certíssimo.
"A vida política precisa de um pouco de racionalidade, evidentemente. De contrário, qualquer um teria o direito de desatar à gargalhada depois de ver Bárbara Guimarães e Carilho distribuindo rosas em Lisboa. Coisas sérias: se Isaltino ganhar em Oeiras, se Fátima Felgueiras regressar à câmara, se Valentim Loureiro se mantiver em Gondomar, isso não significa que esse risco de racionalidade foi pisado. Significa, sim, que a justiça andou mal e que não andou a tempo. Podemos indignar-nos, sim, mas a indignação banalizou-se e é conveniente que sejam mesmo os tribunais a tomar as decisões que alguns gostariam de tomar nas ruas. Até lá, aguentem-nos. Votem neles, ou não. É a vida."
Certíssimo.
Fuga aos impostos
Toda a gente o diz. Muita gente o escreve. Mas não conheço nenhuma prova séria de que a fuga ao fisco seja em Portugal mais grave no que na generalidade dos restantes países europeus.
Por isso julgo fantasiosa a ideia, popular em meios de esquerda, segundo a qual o combate à evasão fiscal pode ser um instrumento central de combate ao desequilíbrio das contas públicas.
Hoje em dia, só conheço duas formas importantes de se evitar pagar impostos:
a) Recorrer aos subterfúgios permitidos pela lei;
b) Aderir ao crime organizado.
A quem souber de outras - mas souber mesmo! - rogo esclarecimentos.
Por isso julgo fantasiosa a ideia, popular em meios de esquerda, segundo a qual o combate à evasão fiscal pode ser um instrumento central de combate ao desequilíbrio das contas públicas.
Hoje em dia, só conheço duas formas importantes de se evitar pagar impostos:
a) Recorrer aos subterfúgios permitidos pela lei;
b) Aderir ao crime organizado.
A quem souber de outras - mas souber mesmo! - rogo esclarecimentos.
5.10.05
O desejo de ser falado
"A ambição, o interesse, o desejo de fazer falar de mim triunfaram; e a guerra foi decidida." Assim explicou Frederico da Prússia a guerra contra Maria Teresa, rainha da Boémia e da Hungria.
Voltaire, que o persuadira a eliminar esta frase do manuscrito, explica nas suas Memórias porque se arrependeu de o ter feito:
"Uma confissão tão rara deveria passar à posteridade, e servir para fazer ver em que se baseiam quase todas as guerras. Nós, gente de letras, poetas, historiadores, declamadores de academia, celebramos essas proezas: e eis que um rei que as faz as condena."
Hoje, em sociedades em que reina a democracia, os "Presidentes da Guerra" não podem dar-se ao luxo de uma confissão destas, mas acredito que os motivos permanecem, no essencial os mesmos.
5 de Outubro
Se o anti-clericalismo nos parece hoje absurdo, é porque já ninguém faz ideia do que foi o clericalismo.
Em todos os países de tradição católica, a democracia liberal só conseguiu triunfar ao cabo de uma luta prolongada contra o poder hegemónico da Igreja. Como ele se encontrava estreitamente associado à monarquia, isso implicou a implantação da República.
Com isso ganharam também os próprios católicos, dado que, agora, é comparativamente muito menos provável que alguém use a sua religião como mero instrumento para alcançar o poder e subir na vida.
Em todos os países de tradição católica, a democracia liberal só conseguiu triunfar ao cabo de uma luta prolongada contra o poder hegemónico da Igreja. Como ele se encontrava estreitamente associado à monarquia, isso implicou a implantação da República.
Com isso ganharam também os próprios católicos, dado que, agora, é comparativamente muito menos provável que alguém use a sua religião como mero instrumento para alcançar o poder e subir na vida.
4.10.05
Crime e castigo
Devem as empresas que exploram as auto-estradas compensar os utentes pelos incómodos causados por obras prolongadas baixando os preços das portagens?
O António Amaral acha que não, dado que essa medida faria crescer a procura, o que agravaria ainda mais os problemas de circulação. Eis um argumento interessante.
Se o nível de serviço da auto-estrada em reparação baixa, afirma ele que isso afasta alguns automobilistas e que, por conseguinte, a empresa concessionária é penalizada pela consequente quebra de receitas. Logo, ela terá um incentivo para completar as obras no mais curto prazo possível.
A questão está, pois, em saber duas coisas:
a) Se a procura se reduz de facto significativamente no curto prazo em resposta à degradação das condições de circulação;
b) Se a procura aumentaria sigificativamente em resultado da proposta descida do preço.
A primeira questão pode ser esclarecida analisando as receitas da concessionária. A segunda exige estudos da elasticidade da procura em relação ao preço.
Tem António Amaral dados de facto sobre o assunto? Se tiver, e se corroborarem o seu ponto de vista, eu calo-me. Todavia, o que tenho lido sobre o assunto faz-me crer que, em ambos os casos, a elasticidade da procura deverá ser elevada no longo prazo, mas insignificante no curto, que é aquele que nos interessa.
Se assim for, forçoso será reconhecer que, por um lado, a concessionária não tem um forte incentivo para concluir com celeridade as obras de reparação; e que, por outro, a redução do preço não piorará a situação de partida.
Se me permitem, eu gostaria de chamar agora a atenção para o outro lado do problema. Num mercado competitivo, se uma empresa degrada a qualidade do seu serviço, não tem mesmo outra solução senão baixar o preço de venda enquanto não conseguir resolver o problema. O simples facto de isso não suceder no caso das auto-estradas mostra que há aqui uma falha do mercado.
O que me incomoda no argumento do António Amaral é o facto de ele não admitir nem por um momento que as empresas que falham nas suas obrigações de serviço público devam ser penalizadas. É assim que o liberalismo de princípio se transforma às vezes numa mera ideologia interesseira de defesa dos poderosos.
E, se teme que a baixa do preço possa ter efeitos perversos prejudiciais para os utentes que mais necessitam de circular com rapidez, porque não considera em alternativa a aplicação de uma multa cujo montante reverta a favor do Estado?
O António Amaral acha que não, dado que essa medida faria crescer a procura, o que agravaria ainda mais os problemas de circulação. Eis um argumento interessante.
Se o nível de serviço da auto-estrada em reparação baixa, afirma ele que isso afasta alguns automobilistas e que, por conseguinte, a empresa concessionária é penalizada pela consequente quebra de receitas. Logo, ela terá um incentivo para completar as obras no mais curto prazo possível.
A questão está, pois, em saber duas coisas:
a) Se a procura se reduz de facto significativamente no curto prazo em resposta à degradação das condições de circulação;
b) Se a procura aumentaria sigificativamente em resultado da proposta descida do preço.
A primeira questão pode ser esclarecida analisando as receitas da concessionária. A segunda exige estudos da elasticidade da procura em relação ao preço.
Tem António Amaral dados de facto sobre o assunto? Se tiver, e se corroborarem o seu ponto de vista, eu calo-me. Todavia, o que tenho lido sobre o assunto faz-me crer que, em ambos os casos, a elasticidade da procura deverá ser elevada no longo prazo, mas insignificante no curto, que é aquele que nos interessa.
Se assim for, forçoso será reconhecer que, por um lado, a concessionária não tem um forte incentivo para concluir com celeridade as obras de reparação; e que, por outro, a redução do preço não piorará a situação de partida.
Se me permitem, eu gostaria de chamar agora a atenção para o outro lado do problema. Num mercado competitivo, se uma empresa degrada a qualidade do seu serviço, não tem mesmo outra solução senão baixar o preço de venda enquanto não conseguir resolver o problema. O simples facto de isso não suceder no caso das auto-estradas mostra que há aqui uma falha do mercado.
O que me incomoda no argumento do António Amaral é o facto de ele não admitir nem por um momento que as empresas que falham nas suas obrigações de serviço público devam ser penalizadas. É assim que o liberalismo de princípio se transforma às vezes numa mera ideologia interesseira de defesa dos poderosos.
E, se teme que a baixa do preço possa ter efeitos perversos prejudiciais para os utentes que mais necessitam de circular com rapidez, porque não considera em alternativa a aplicação de uma multa cujo montante reverta a favor do Estado?
Dilema para economistas
Muita gente já ouviu falar do dilema do prisioneiro, uma situação altamente perturbadora estudada pela teoria dos jogos dado mostrar que, em certas circunstâncias razoavelmente comuns, a atitude mais racional de indivíduos preocupados com o seu bem-estar pessoal consiste em fazer batota e prejudicar os seus semelhantes.
Isto cria alguns problemas à teoria económica dominante, a qual sugere que, mesmo que cada qual só se preocupe consigo mesmo, o resultado final pode ser benéfico para toda a gente. Pelo contrário, o dilema do prisioneiro leva-nos a crer que o egoísmo generalizado conduzirá toda a gente à ruína.
Felizmente, prova-se que, quando o jogo do dilema do prisioneiro é jogado repetidamente, é possível, mas não seguro, o surgimento de formas espontâneas de cooperação entre os participantes que os impelem a superar o egoísmo estreito.
Acontece que três investigadores (Frank, Lovich e Regan) conceberam uma experiência destinada a testar a hipótese segundo a qual os economistas se comportam de uma forma mais egoísta do que pessoas com outros backgrounds quando jogam repetidamente o dilema do prisioneiro.
Ora o facto é que a experiência validou a hipótese: os economistas são, por conseguinte, mais egoístas do que as outras pessoas.
Dito isto, resta saber se eles se dedicaram ao estudo da economia porque são naturalmente egoístas, ou se se tornaram egoístas por terem estudado economia.
Que eu saiba, este assunto ainda não foi investigado. Cá por mim, porém, inclino-me para a segunda alternativa.
Isto cria alguns problemas à teoria económica dominante, a qual sugere que, mesmo que cada qual só se preocupe consigo mesmo, o resultado final pode ser benéfico para toda a gente. Pelo contrário, o dilema do prisioneiro leva-nos a crer que o egoísmo generalizado conduzirá toda a gente à ruína.
Felizmente, prova-se que, quando o jogo do dilema do prisioneiro é jogado repetidamente, é possível, mas não seguro, o surgimento de formas espontâneas de cooperação entre os participantes que os impelem a superar o egoísmo estreito.
Acontece que três investigadores (Frank, Lovich e Regan) conceberam uma experiência destinada a testar a hipótese segundo a qual os economistas se comportam de uma forma mais egoísta do que pessoas com outros backgrounds quando jogam repetidamente o dilema do prisioneiro.
Ora o facto é que a experiência validou a hipótese: os economistas são, por conseguinte, mais egoístas do que as outras pessoas.
Dito isto, resta saber se eles se dedicaram ao estudo da economia porque são naturalmente egoístas, ou se se tornaram egoístas por terem estudado economia.
Que eu saiba, este assunto ainda não foi investigado. Cá por mim, porém, inclino-me para a segunda alternativa.
1.10.05
Raio de elites
Durante anos a fio, os comentadores explicaram pacientemente ao povo o conceito da presunção da inocência. Ninguém pode ser considerado culpado, disseram, enquanto não for julgado e condenado em tribunal.
Agora, os mesmos comentadores pretendem que o povo confirmará a sua alegada perversidade se eleger candidatos autárquicos arguidos em processos-crime.
Por outras palavras, pretendem que os eleitores decidam o que os tribunais não decidiram. Por outras palavras ainda, pretendem que os eleitores declarem com o seu voto a culpa dos candidatos arguidos.
Mas nem essa responsabilidade incumbe aos eleitores, nem o critério de alguém ser arguido deve ser essencial para a escolha de um titular de um cargo público.
Se aceitarmos como bom e válido em todas as circunstâncias o princípio de que quem for arguido num processo não tem o direito de candidatar-se a um cargo público, criaremos as condições para que os órgãos de investigação criminal possam passar a determinar quem irá dirigir os destinos do país.
Num Estado de Direito, os tribunais condenam e os cidadãos votam. Não são os cidadãos que condenam e as polícias que votam.
Agora, os mesmos comentadores pretendem que o povo confirmará a sua alegada perversidade se eleger candidatos autárquicos arguidos em processos-crime.
Por outras palavras, pretendem que os eleitores decidam o que os tribunais não decidiram. Por outras palavras ainda, pretendem que os eleitores declarem com o seu voto a culpa dos candidatos arguidos.
Mas nem essa responsabilidade incumbe aos eleitores, nem o critério de alguém ser arguido deve ser essencial para a escolha de um titular de um cargo público.
Se aceitarmos como bom e válido em todas as circunstâncias o princípio de que quem for arguido num processo não tem o direito de candidatar-se a um cargo público, criaremos as condições para que os órgãos de investigação criminal possam passar a determinar quem irá dirigir os destinos do país.
Num Estado de Direito, os tribunais condenam e os cidadãos votam. Não são os cidadãos que condenam e as polícias que votam.
30.9.05
Porque sim
Seja por que misteriosa razão for, cerca de metade dos portugueses que tencionam votar nas presidenciais querem ver Cavaco Silva em Belém.
Trata-se, pois, daquilo a que se pode chamar um candidato consensual.
Tal como as celebridades são principalmente célebres por serem conhecidas, Cavaco será eventualmente Presidente porque os seus compatriotas estão convencidos de que assim será.
Quem disfruta à partida de uma posição tão vantajosa não deve arriscá-la com declarações fracturantes, susceptíveis de lançarem a confusão e de inspirarem receios na sua base de apoio.
Qualquer intenção de reformar o sistema - como querem tantos dos seus apoiantes - deve ser silenciada. A estratégia mais inteligente é, nas presentes circunstâncias, a defesa.
Cavaco candidatar-se-á porque sim. Algumas banalidades bem embrulhadas bastarão para compor um discurso ganhador.
Com isto, suscitará inevitavelmente a irritação dos exaltados que, na sua entourage, apostavam tudo no golpe constitucional.
Para dar expressão a essa ala, é possível que Portas avance. Isso permitir-lhe-á satisfazer a vaidade pessoal, mas não creio que prejudique as chances de eleição de Cavaco, embora possa forçá-lo à segunda volta.
Trata-se, pois, daquilo a que se pode chamar um candidato consensual.
Tal como as celebridades são principalmente célebres por serem conhecidas, Cavaco será eventualmente Presidente porque os seus compatriotas estão convencidos de que assim será.
Quem disfruta à partida de uma posição tão vantajosa não deve arriscá-la com declarações fracturantes, susceptíveis de lançarem a confusão e de inspirarem receios na sua base de apoio.
Qualquer intenção de reformar o sistema - como querem tantos dos seus apoiantes - deve ser silenciada. A estratégia mais inteligente é, nas presentes circunstâncias, a defesa.
Cavaco candidatar-se-á porque sim. Algumas banalidades bem embrulhadas bastarão para compor um discurso ganhador.
Com isto, suscitará inevitavelmente a irritação dos exaltados que, na sua entourage, apostavam tudo no golpe constitucional.
Para dar expressão a essa ala, é possível que Portas avance. Isso permitir-lhe-á satisfazer a vaidade pessoal, mas não creio que prejudique as chances de eleição de Cavaco, embora possa forçá-lo à segunda volta.
Simplifiquemos
A confirmar-se que Cavaco Silva não tem concorrência à altura, o melhor seria contratá-lo por ajuste directo.
A direita e a cultura
Anda certa direita muito atarefada a procurar superar uma relação alegadamente complexada com a cultura.
Num artigo publicado no DN de hoje, Pedro Lomba faz-nos o compte-rendu de um heróico debate das "Noites à Direita", no decurso do qual, assevera-nos ele, a tese marxista "foi desmistificada". Muito folgo.
Mas borra a pintura na conclusão da sua prosa auto-confiante, quando afirma:
Isso mesmo, em casa, onde não podem incomodar ninguém. (Como as mulheres, não é verdade?) A cultura é uma coisa muito bonita, mas convém que haja recato.
Moral da história: Ninguém consegue desmentir os seus instintos.
Num artigo publicado no DN de hoje, Pedro Lomba faz-nos o compte-rendu de um heróico debate das "Noites à Direita", no decurso do qual, assevera-nos ele, a tese marxista "foi desmistificada". Muito folgo.
Mas borra a pintura na conclusão da sua prosa auto-confiante, quando afirma:
"Quando estas [as utopias] faliram, os intelectuais voltaram para casa. Onde estão melhor."
Isso mesmo, em casa, onde não podem incomodar ninguém. (Como as mulheres, não é verdade?) A cultura é uma coisa muito bonita, mas convém que haja recato.
Moral da história: Ninguém consegue desmentir os seus instintos.
O fim do mundo
Aqui há uns anos, as barracas acabaram oficialmente em Portugal.
Não passou muito tempo desde então, mas basta passar na 2ª Circular de Lisboa, ali junto ao Aeroporto, para constatar que elas estão de volta.
Imagino o que não será em zonas mais recônditas dos subúrbios, convenientemente escondidas dos olhares da classe média que circula de carro.
Estes novos bairros de lata têm novos habitantes. São na sua quase totalidade imigrantes remetidos por uma legislação iníqua para a semi-ilegalidade. Não têm praticamente nenhuns direitos. Acima de tudo, não votam; logo, não contam.
Temos que olhar para isto de frente.
Não passou muito tempo desde então, mas basta passar na 2ª Circular de Lisboa, ali junto ao Aeroporto, para constatar que elas estão de volta.
Imagino o que não será em zonas mais recônditas dos subúrbios, convenientemente escondidas dos olhares da classe média que circula de carro.
Estes novos bairros de lata têm novos habitantes. São na sua quase totalidade imigrantes remetidos por uma legislação iníqua para a semi-ilegalidade. Não têm praticamente nenhuns direitos. Acima de tudo, não votam; logo, não contam.
Temos que olhar para isto de frente.
O dilema dos prisioneiros
Porque é que o desemprego é mais baixo nos EUA do que na Europa?
Mas será mesmo?
Certas circunstâncias usualmente não consideradas podem ter um impacto considerável sobre os níveis do desemprego.
Por exemplo: nos EUA, cerca de 2% da população está na cadeia fechada a sete chaves. Por conseguinte, embora se encontre excluída do mercado de trabalho, não figura nas estatísticas de desemprego.
Na Europa, excluindo países bárbaros como Portugal e a Rússia, a taxa equivalente ronda os 0,1%.
Logo, esta disparidade nas políticas de combate ao crime explica qualquer coisa como 1,9 pontos percentuais da diferença entre as taxas de desemprego nos EUA e na Europa.
Agora imaginem vocês o que sairá mais barato ao Estado: pagar um subsídio a 1,9% de desempregados, ou suportar o seu alojamento e alimentação em estabelecimentos prisionais suportados pelos contribuintes?
Diferentes perspectivas sobre o que deve ser o Estado Social...
Mas será mesmo?
Certas circunstâncias usualmente não consideradas podem ter um impacto considerável sobre os níveis do desemprego.
Por exemplo: nos EUA, cerca de 2% da população está na cadeia fechada a sete chaves. Por conseguinte, embora se encontre excluída do mercado de trabalho, não figura nas estatísticas de desemprego.
Na Europa, excluindo países bárbaros como Portugal e a Rússia, a taxa equivalente ronda os 0,1%.
Logo, esta disparidade nas políticas de combate ao crime explica qualquer coisa como 1,9 pontos percentuais da diferença entre as taxas de desemprego nos EUA e na Europa.
Agora imaginem vocês o que sairá mais barato ao Estado: pagar um subsídio a 1,9% de desempregados, ou suportar o seu alojamento e alimentação em estabelecimentos prisionais suportados pelos contribuintes?
Diferentes perspectivas sobre o que deve ser o Estado Social...
29.9.05
Vitórias morais
Eu não vi o jogo de ontem à noite. Não preciso de ver o que consigo perfeitamente imaginar.
Estúpidos
Estúpidos, rematados estúpidos. Pois que outro nome se há-de dar a essa metade dos portugueses que se compromete a dar o seu voto a alguém que não só não se sabe o que quer como nem sequer manifestou ainda a sua intenção de se candidatar a Presidente da República?
PS - Acabo de ver esta mesma ideia expressa aqui, embora numa linguagem mais polida.
PS - Acabo de ver esta mesma ideia expressa aqui, embora numa linguagem mais polida.
Batatas americanas e cebolas europeias
Todos nós aprendemos (ou deveríamos ter aprendido) na escola que não faz sentido somar batatas com cebolas.
Todavia é exactamente isso que se faz quando se calcula o Produto Nacional Bruto - desde logo razão bastante para ficarmos alerta. Vai daí, os economistas inventaram certas técnicas engenhosas e razoavelmente consensuais para resolverem o problema a contento.
As coisas tornam-se mais complicadas, porém, quando se comparam os PNB de vários países e as respectivas taxas de crescimento.
Por exemplo, "toda a gente" sabe que, na última década, a ecomomia americana tem crescido de forma consistentemente mais rápida do que a economia europeia. O que, todavia "toda a gente" ignora é que isso só começou a acontecer desde que os EUA alteraram o método de estimativa do seu PNB.
O novo método procura ter em conta que, hoje em dia, certos bens (computadores, por exemplo) aumentam continuamente de qualidade sem aumentarem de preço. Como isso implica uma melhoria do bem-estar dos consumidores, esse ganho deveria ser estimado e somado ao PNB. É isso que os EUA começaram a fazer de há uma década para cá.
Em teoria, parece tudo certo. A verdade, porém, é que esse método de cálculo conduz a taxas de crescimento praticamente duplas das obtidas pelo método anterior.
Consequência: como a Europa não usa o mesmo método, parece que o seu PNB cresce muito mais devagar. Se ambas as regiões o calculassem do mesmo modo, as diferenças seriam insignificantes.
Moral da história? Tirem-na vocês.
Todavia é exactamente isso que se faz quando se calcula o Produto Nacional Bruto - desde logo razão bastante para ficarmos alerta. Vai daí, os economistas inventaram certas técnicas engenhosas e razoavelmente consensuais para resolverem o problema a contento.
As coisas tornam-se mais complicadas, porém, quando se comparam os PNB de vários países e as respectivas taxas de crescimento.
Por exemplo, "toda a gente" sabe que, na última década, a ecomomia americana tem crescido de forma consistentemente mais rápida do que a economia europeia. O que, todavia "toda a gente" ignora é que isso só começou a acontecer desde que os EUA alteraram o método de estimativa do seu PNB.
O novo método procura ter em conta que, hoje em dia, certos bens (computadores, por exemplo) aumentam continuamente de qualidade sem aumentarem de preço. Como isso implica uma melhoria do bem-estar dos consumidores, esse ganho deveria ser estimado e somado ao PNB. É isso que os EUA começaram a fazer de há uma década para cá.
Em teoria, parece tudo certo. A verdade, porém, é que esse método de cálculo conduz a taxas de crescimento praticamente duplas das obtidas pelo método anterior.
Consequência: como a Europa não usa o mesmo método, parece que o seu PNB cresce muito mais devagar. Se ambas as regiões o calculassem do mesmo modo, as diferenças seriam insignificantes.
Moral da história? Tirem-na vocês.
27.9.05
24.9.05
Jornalismo zero
Em post-scriptum ao editorial de hoje d'O Público, Amílcar Correia indica que nas páginas 8 e 9 do jornal poderá ser encontrada "mais informação que vem confirmar que dirigentes socialistas tinham conhecimento prévio dos planos de regresso de Fátima Felgueiras e que levaram à sua libertação".
Pacientemente consultadas as referidas páginas, nada encontrei senão novas insinuações carentes de fundamentação.
Se O Público quer manter a sua história, a única coisa que tem a fazer é revelar quem são os dois membros do secretariado nacional do PS que terão mantido conversações com Fátima Felgueiras com vista à preparação do seu regresso. Caso não o faça, teremos que concluir que as afirmações do jornal foram gratuitas e irresponsáveis.
Que me recorde, nunca O Público desceu tão baixo.
Pacientemente consultadas as referidas páginas, nada encontrei senão novas insinuações carentes de fundamentação.
Se O Público quer manter a sua história, a única coisa que tem a fazer é revelar quem são os dois membros do secretariado nacional do PS que terão mantido conversações com Fátima Felgueiras com vista à preparação do seu regresso. Caso não o faça, teremos que concluir que as afirmações do jornal foram gratuitas e irresponsáveis.
Que me recorde, nunca O Público desceu tão baixo.
23.9.05
22.9.05
"There's no such thing as society"
Num raro assomo de profundidade filosófica, a Srª Thatcher pronunciou certa vez a frase em epígrafe.
Algumas pessoas (aqui, por exemplo), usualmente dadas ao individualismo metodológico, acreditam na existência das entidades individuais, mas negam a das colectivas. Assim, fará sentido falar-se de "eleitores", mas não de "eleitorado", o qual não passaria de uma colecção de eleitores individuais.
Sem entrar em detalhes, convém assinalar que, de Wittgenstein para cá, a filosofia analítica se encarregou de questionar que espécie de realidade pode de facto ser atribuída a uma coisa aparentemente tão óbvia como um eleitor individual, e isso porque também ele é constituído de diversas partes integrantes relevantes para a sua unidade.
Uma versão mais sofisticada desta discussão consiste em fazer notar que, mesmo que se reconheça a existência real de certas entidades colectivas, não fará sentido falar-se de escolhas do eleitorado no mesmo sentido em que se fala de escolhas de um eleitor. E este argumento parece muito convincente até ao momento em que somos confrontados com dados empíricos sobre o comportamento dos indivíduos que só podem ser explicados pelo facto de que, na verdade, os indivíduos não fazem escolhas nenhumas. Por outras palavras, é tão questionável a ideia de que os eleitores fazem escolhas como aqueloutra de que o eleitorado opta por isto ou por aquilo.
Em que ficamos então?
Na minha qualidade de adepto do pragmatismo americano, comungo do relativismo ontológico de W. V. Quine. Por outras palavras, estou disposto a aceitar provisoriamente a existência de quaisquer entidades que pareçam ser relevantes para explicar uma dada situação, sejam elas quarks, demónios ou eleitorados. Nessas condições, posso mesmo reconhecer utilidade - e, logo, realidade - a uma entidade em certas circunstâncias, mas não noutras.
Dito isto, o problema (real) de se atribuírem vontades ou intenções a um eleitorado é outro. Todos sabemos que, através do voto, os cidadãos não podem pronunciar-se especificamente sobre este ou aquele ponto particular do programa de um partido. Ao votarem nele, limitam-se a dar-lhe uma caução global em resultado de complexos mecanismos de avaliação cuja explicação nos escapa. Por conseguinte, do facto de alguém ter votado no SPD nas últimas eleições alemãs não se segue necessariamente que seja favorável à Agenda 2010, por exemplo.
Para complicar ainda mais as coisas, mesmo quando, como é o caso em referendos, os eleitores se pronunciam sobre uma única questão, sabemos que o resultado da consulta depende das regras específicas da votação, sendo que não existe uma regra que possa ser indiscutivelmente considerada mais justa do que as alternativas. Até já houve um sujeito (Ken Arrow) que ganhou um prémio Nobel da Economia por demonstrar isto.
Por conseguinte, quando dizemos que o eleitorado se pronunciou neste ou naquele sentido, estamos apenas a formular uma opinião (ou uma hipótese), não a enunciar um facto objectivo e inquestionável. Com alguma sorte, pode ser que a evolução posterior dos acontecimentos ajude a esclarecer se essa opinião estava ou não correcta. Mas nem isso é certo.
Desde que isto esteja claro, não será muito grave dizer-se que o eleitorado "recusou", "rejeitou", "condenou", "aprovou", "escolheu", "receou", "desejou","sentiu", "desconfiou de" ou "enviou uma mensagem a ".
Mas é verdade que, demasiadas vezes, se usa e abusa de expressões deste tipo para manipular a percepção pública do que aconteceu ou está a acontecer. E, nesse sentido, partilho em absoluto da preocupação do Pedro Magalhães.
Algumas pessoas (aqui, por exemplo), usualmente dadas ao individualismo metodológico, acreditam na existência das entidades individuais, mas negam a das colectivas. Assim, fará sentido falar-se de "eleitores", mas não de "eleitorado", o qual não passaria de uma colecção de eleitores individuais.
Sem entrar em detalhes, convém assinalar que, de Wittgenstein para cá, a filosofia analítica se encarregou de questionar que espécie de realidade pode de facto ser atribuída a uma coisa aparentemente tão óbvia como um eleitor individual, e isso porque também ele é constituído de diversas partes integrantes relevantes para a sua unidade.
Uma versão mais sofisticada desta discussão consiste em fazer notar que, mesmo que se reconheça a existência real de certas entidades colectivas, não fará sentido falar-se de escolhas do eleitorado no mesmo sentido em que se fala de escolhas de um eleitor. E este argumento parece muito convincente até ao momento em que somos confrontados com dados empíricos sobre o comportamento dos indivíduos que só podem ser explicados pelo facto de que, na verdade, os indivíduos não fazem escolhas nenhumas. Por outras palavras, é tão questionável a ideia de que os eleitores fazem escolhas como aqueloutra de que o eleitorado opta por isto ou por aquilo.
Em que ficamos então?
Na minha qualidade de adepto do pragmatismo americano, comungo do relativismo ontológico de W. V. Quine. Por outras palavras, estou disposto a aceitar provisoriamente a existência de quaisquer entidades que pareçam ser relevantes para explicar uma dada situação, sejam elas quarks, demónios ou eleitorados. Nessas condições, posso mesmo reconhecer utilidade - e, logo, realidade - a uma entidade em certas circunstâncias, mas não noutras.
Dito isto, o problema (real) de se atribuírem vontades ou intenções a um eleitorado é outro. Todos sabemos que, através do voto, os cidadãos não podem pronunciar-se especificamente sobre este ou aquele ponto particular do programa de um partido. Ao votarem nele, limitam-se a dar-lhe uma caução global em resultado de complexos mecanismos de avaliação cuja explicação nos escapa. Por conseguinte, do facto de alguém ter votado no SPD nas últimas eleições alemãs não se segue necessariamente que seja favorável à Agenda 2010, por exemplo.
Para complicar ainda mais as coisas, mesmo quando, como é o caso em referendos, os eleitores se pronunciam sobre uma única questão, sabemos que o resultado da consulta depende das regras específicas da votação, sendo que não existe uma regra que possa ser indiscutivelmente considerada mais justa do que as alternativas. Até já houve um sujeito (Ken Arrow) que ganhou um prémio Nobel da Economia por demonstrar isto.
Por conseguinte, quando dizemos que o eleitorado se pronunciou neste ou naquele sentido, estamos apenas a formular uma opinião (ou uma hipótese), não a enunciar um facto objectivo e inquestionável. Com alguma sorte, pode ser que a evolução posterior dos acontecimentos ajude a esclarecer se essa opinião estava ou não correcta. Mas nem isso é certo.
Desde que isto esteja claro, não será muito grave dizer-se que o eleitorado "recusou", "rejeitou", "condenou", "aprovou", "escolheu", "receou", "desejou","sentiu", "desconfiou de" ou "enviou uma mensagem a ".
Mas é verdade que, demasiadas vezes, se usa e abusa de expressões deste tipo para manipular a percepção pública do que aconteceu ou está a acontecer. E, nesse sentido, partilho em absoluto da preocupação do Pedro Magalhães.
É preciso conservar a compostura
O Sporting esteve 18 anos sem ganhar o campeonato. A direita anda há 30 anos a tentar levar um candidato seu a Belém.
Percebe-se a euforia, agora que se vislumbra uma séria possibilidade de isso poder vir a acontecer.
Todavia, convém manter a cabeça fria.
Pacheco Pereira, por exemplo, tem idade e estatuto para não escrever tonterias como a que assina hoje n'O Público a propósito de uma sondagem semi-humorística do Expresso que pretende evidenciar as forças e fraquezas de cada um dos candidatos.
Cavaco, o "confiável", a tomar conta das finanças? Soares, o "nonchalant", a deixar andar?
Ora, ora, meus amigos, trabalhem melhor esse argumentário, senão ainda vão ter dissabores. É muito fácil recordar que foi precisamente um governo presidido por Soares que teve que limpar a confusão deixada por Cavaco na sua pródiga passagem pelo Ministério das Finanças no governo da AD.
Vamos partir do princípio que foi só um lapso de memória de Pacheco Pereira, que na altura até já era crescidinho. Acontece aos melhores...
Percebe-se a euforia, agora que se vislumbra uma séria possibilidade de isso poder vir a acontecer.
Todavia, convém manter a cabeça fria.
Pacheco Pereira, por exemplo, tem idade e estatuto para não escrever tonterias como a que assina hoje n'O Público a propósito de uma sondagem semi-humorística do Expresso que pretende evidenciar as forças e fraquezas de cada um dos candidatos.
Cavaco, o "confiável", a tomar conta das finanças? Soares, o "nonchalant", a deixar andar?
Ora, ora, meus amigos, trabalhem melhor esse argumentário, senão ainda vão ter dissabores. É muito fácil recordar que foi precisamente um governo presidido por Soares que teve que limpar a confusão deixada por Cavaco na sua pródiga passagem pelo Ministério das Finanças no governo da AD.
Vamos partir do princípio que foi só um lapso de memória de Pacheco Pereira, que na altura até já era crescidinho. Acontece aos melhores...
Contrates
O que o mapa eleitoral alemão revela não é nem a oposição entre Leste e Oeste, nem a oposição entre Norte e Sul.
É a oposição entre as cidades e os campos. Como nos EUA. Como cá.
É a oposição entre as cidades e os campos. Como nos EUA. Como cá.
21.9.05
20.9.05
O drama alemão
Tendo em conta que Schroeder provocou a convocação de eleições antecipadas para encostar à parede aqueles que, no SPD, se opunham ao seu programa de reformas;
Tendo em conta que a CDU não discorda de nenhuma dessas reformas;
Tendo em conta que o FDP deseja claramente essas e muitas outras reformas de cariz liberal;
Tendo em conta tudo isso, parece evidente que 80% do eleitorado alemão se pronunciou a favor da implementação imediata da Agenda 2010.
Sendo assim, qual é o problema?
O verdadeiro problema, para José Manuel Fernandes e para outros que pensam como ele, é que George Bush não terá uma amiga à frente do governo da República Federal. Esse é que é o drama.
Tendo em conta que a CDU não discorda de nenhuma dessas reformas;
Tendo em conta que o FDP deseja claramente essas e muitas outras reformas de cariz liberal;
Tendo em conta tudo isso, parece evidente que 80% do eleitorado alemão se pronunciou a favor da implementação imediata da Agenda 2010.
Sendo assim, qual é o problema?
O verdadeiro problema, para José Manuel Fernandes e para outros que pensam como ele, é que George Bush não terá uma amiga à frente do governo da República Federal. Esse é que é o drama.
19.9.05
Falta de pachorra
É cómica esta tendência dos portugueses para a dramatização extrema e para verem "impasses" e "bloqueios" por toda a parte. Por outras palavras: esta tendência para se carpirem em vez de fazerem algo para superar os problemas que ocorrem.
Mais cómico ainda é constatar-se que este método se aplica inclusive a temas de que estão muito arredados, de que pouco sabem e que, muito provavelmente, menos ainda lhes interessam, como é o caso dos resultados das recentes eleições alemãs.
E que tal escutar antes, num registo completamente distinto, o que um alemão sensato tem para nos dizer?
Mais cómico ainda é constatar-se que este método se aplica inclusive a temas de que estão muito arredados, de que pouco sabem e que, muito provavelmente, menos ainda lhes interessam, como é o caso dos resultados das recentes eleições alemãs.
E que tal escutar antes, num registo completamente distinto, o que um alemão sensato tem para nos dizer?
Desventuras da verdade
José Manuel Fernandes perdeu as eleições na Alemanha. Inconformado, escreveu isto n'O Público de hoje:
Notem bem: as opiniões de JMF e das pessoas que pensam como ele sobre uma dada situação político-económica não são apenas opiniões a ter em conta. São "a verdade".
Por conseguinte, as eleições não servem para os eleitores escolherem o rumo que entendem ser o melhor para o seu país. Servem para sufragar ou contraditar a verdade.
Este reiterado recurso à expressão "política de verdade" traz água no bico. No fundo, o que quer sugerir é que as restantes opiniões e políticas não são, no fundo, legítimas. São "políticas de mentira".
Se estivesse menos irritado, JMF teria notado que, ao contrário do que pretende, o programa eleitoral da CDU não era de forma alguma reformista. E que, pelo contrário, o FDP, o único partido que de facto propôs reformas liberais, foi aquele cuja votação mais cresceu.
A democracia não é tão má como a pintam.
O resultado das eleições alemãs de ontem - o mais inconclusivo do pós-guerra - mostra até que ponto é difícil conquistar o eleitorado com base num plataforma reformista e falando verdade, designadamente sobre os impostos.
Notem bem: as opiniões de JMF e das pessoas que pensam como ele sobre uma dada situação político-económica não são apenas opiniões a ter em conta. São "a verdade".
Por conseguinte, as eleições não servem para os eleitores escolherem o rumo que entendem ser o melhor para o seu país. Servem para sufragar ou contraditar a verdade.
Este reiterado recurso à expressão "política de verdade" traz água no bico. No fundo, o que quer sugerir é que as restantes opiniões e políticas não são, no fundo, legítimas. São "políticas de mentira".
Se estivesse menos irritado, JMF teria notado que, ao contrário do que pretende, o programa eleitoral da CDU não era de forma alguma reformista. E que, pelo contrário, o FDP, o único partido que de facto propôs reformas liberais, foi aquele cuja votação mais cresceu.
A democracia não é tão má como a pintam.
Não é um trabalho, mas alguém tem que fazê-lo
A universal aflição com a nomeação de Oliveira Martins para o Tribunal de Contas admite como pacífica a ideia de que essa instituição serve para alguma coisa.
Não serve, excepto para produzir notícias para os jornais.
Logo, seria mais útil que os ilustres opinantes concentrassem antes os seus esforços a sugerir o que deveria ser feito para alterar o actual, e lamentável, estado de coisas.
Não serve, excepto para produzir notícias para os jornais.
Logo, seria mais útil que os ilustres opinantes concentrassem antes os seus esforços a sugerir o que deveria ser feito para alterar o actual, e lamentável, estado de coisas.
18.9.05
Bruxware
Quando algo no nosso computador não funciona correctamente, pedimos ajuda a um informático.
E que faz ele? Desliga-o e volta a ligá-lo.
Se o problema persiste, desinstala o programa e volta a instalá-lo.
Se nem assim consegue resolvê-lo, recomenda uma nova versão do Windows, quando não um novo computador.
Ou seja, eles não sabem verdadeiramente o que se passa, nem entendem qual a sua causa. Por isso recorrem a um método que equivale a consertar uma televisão dando-lhe umas pancadas com o punho.
Começo a acreditar que, no fundo, a informática é como a bruxaria: às vezes funciona, outras vezes não.
E desconfio que, quando os informáticos já não sabem mais o que fazer, vêm à noite ao escritório às escondidas para fazer umas rezas e esconjurar o mau olhado.
E que faz ele? Desliga-o e volta a ligá-lo.
Se o problema persiste, desinstala o programa e volta a instalá-lo.
Se nem assim consegue resolvê-lo, recomenda uma nova versão do Windows, quando não um novo computador.
Ou seja, eles não sabem verdadeiramente o que se passa, nem entendem qual a sua causa. Por isso recorrem a um método que equivale a consertar uma televisão dando-lhe umas pancadas com o punho.
Começo a acreditar que, no fundo, a informática é como a bruxaria: às vezes funciona, outras vezes não.
E desconfio que, quando os informáticos já não sabem mais o que fazer, vêm à noite ao escritório às escondidas para fazer umas rezas e esconjurar o mau olhado.
Mais uma pirueta
Revelando mais uma vez o seu pouco notado, mas indesmentível, oportunismo político, Vasco "Pulido Valente" passa-se hoje definitivamente para o outro lado. Depois de ter feito coro com Alberto João Jardim a exigir a mudança do regime, ei-lo a sustentar agora que é perigoso pôr em causa os privilégios das autoridades.
A degradação do nível de argumentação é manifesta. Vejam como ele se desdiz na mesma frase:
Pois o caso, precisamente, é que o estatuto social não só não depende do vencimento e dos privilégios, como inclusive é suposto compensar as limitações de ambos.
O que esse estatuto não dispensa, como V"PV" aliás nota linhas abaixo, é uma "ética própria" que, precisamente, deve assegurar a prevalência do espírito de serviço público e contribuir para imunizar esses (e outros) sectores do funcionalismo público contra comportamentos egoistas que minam o prestígio das corporações em que se integram.
É por isso que, no próprio interesse da preservação do seu estatuto social, nem os juízes, nem os militares, nem os polícias devem sucumbir à tentação de se comportarem como meros assalariados.
PS - Note-se como, no artigo de hoje, V"PV" grafa "Europa" entre aspas, mas destaca autoridade com itálico. Sabe-a toda, o velho matreiro.
A degradação do nível de argumentação é manifesta. Vejam como ele se desdiz na mesma frase:
"Como se irá convencer esta gente, a autoridade, que vive em grande parte do seu estatuto social, que deve de repente empobrecer e perder privilégios (...)?"
Pois o caso, precisamente, é que o estatuto social não só não depende do vencimento e dos privilégios, como inclusive é suposto compensar as limitações de ambos.
O que esse estatuto não dispensa, como V"PV" aliás nota linhas abaixo, é uma "ética própria" que, precisamente, deve assegurar a prevalência do espírito de serviço público e contribuir para imunizar esses (e outros) sectores do funcionalismo público contra comportamentos egoistas que minam o prestígio das corporações em que se integram.
É por isso que, no próprio interesse da preservação do seu estatuto social, nem os juízes, nem os militares, nem os polícias devem sucumbir à tentação de se comportarem como meros assalariados.
PS - Note-se como, no artigo de hoje, V"PV" grafa "Europa" entre aspas, mas destaca autoridade com itálico. Sabe-a toda, o velho matreiro.
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