30.4.06

Felipão



O valor do passe de qualquer jogador sobe prontamente em flecha quando é chamado à selecção brasileira. Depois, entrado em campo, o novo internacional preocupa-se apenas em brindar o público com alguns números de circo que, uma vez registados no respectivo "showreel", serão divulgados pelo seu agente junto dos clubes europeus interessados.

Não admira, nestas condições, que tenham crescido as suspeitas em torno dos critérios que no passado recente determinaram certas convocações para a selecção brasileira.

Ora vejam. Num período de dois anos, Wanderley Luxemburgo seleccionou 91 jogadores diferentes. Emerson Leão, em apenas seis meses, chamou 62. Scolari ganhou fama de tipo sério por só ter convocado 62 futebolistas para os 18 jogos que o Brasil disputou na fase de qualificação para o Mundial de 2002.

Do que não há dúvida é que, ao fixar um núcleo duro de futebolistas e agarrar-se a ele, Scolari deu à selecção brasileira a estabilidade que lhe faltara durante anos. E foi assim que chegou à vitória no Japão.

Num clube, o treinador convive com os seus jogadores todos os dias durante meses ou anos a fio. Numa selecção, pelo contrário, só tem breves dias para fazer vingar as suas ideias. Logo, o melhor que tem a fazer é esquecer as ideias (algo mais fácil para quem não as tem), borrifar-se para as críticas dos media, rir-se da Federação e fomentar o espírito de grupo entre um pequeno número de futebolistas que merecem a sua confiança.

Não acho que Scolari seja um grande treinador. Mais esperto do que inteligente, ele preocupa-se antes de mais em exercer eficazmente o poder. Além disso, é manifestamente um calão, que não se dá sequer à maçada de ir assistir aos jogos mais importantes disputados pelos principais futebolistas portugueses. Chegado o momento, lá estarão na selecção o Postiga, o Ricardo, o Pauleta e o Costinha, seja qual for a forma em que se encontrem. Em Inglaterra, esse comportamento não seria obviamente aceitável, pelo que não me surpreende que a hipótese não o atraia.

Paradoxalmente, porém, Scolari, que foi o ultimo adepto do futebol a descobrir os méritos do Deco, tem-se revelado uma boa solução para a selecção nacional. Como é um treinador com poucas ideias, limita-se a pôr a jogar os melhores jogadores. Tendo em conta que, entre nós, a escolha não é muita, ele só pode errar mesmo no guarda-redes.

Neste contexto, a teimosia, mesmo quando pouco esclarecida, é uma virtude. Para ele, habituado a resistir às pressões para meter fulano ou sicrano no escrete, a vozearia que por cá se levantou a propósito do Ricardo não é coisa que o apoquente.

A Federação, dirigida por um grupo de nulidades encabeçadas pelo impagável Madaíl, tem medo dele, porque em Portugal se teme sempre quem fala grosso.

Depois, o jogador português tem, salvo raras excepções, mentalidade de escravo abastado. Gosta de treinadores que nunca têm dúvidas e raramente se enganam. Sente-se mais tranquilo assim, porque o que mais detesta é chatices. Manda quem pode, obedece quem deve.

O Figo preferiu resguarda-se, esquivando-se à selecção durante a fase de qualificação? Tudo bem. O treinador acolhe-o agora de braços abertos para participar na fase final do Mundial? O mister é que sabe. A nossa política é o trabalho.

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