Não pára de crescer desde meados do século XX a multidão de adoradores do Sol que, chegado o Verão, acorrem às praias em busca de luz, energia e inspiração. A concentração das populações nas cidades estimula o culto pela Natureza e, em particular, pela praia, representação palpável do paraíso terrestre, onde a humanidade, sem vestuário nem preocupações, regressa por umas semanas ao estado primitivo.
À utopia do modo de vida natural acrescenta-se a da sociedade sem classes para tornar ainda mais populares as férias na praia. A nudez é inerentemente democrática: despindo os banhistas de sinais exteriores de status, neutraliza os preconceitos sociais e promove a igualdade entre os homens.
Na prática, é claro, não é bem assim. Sendo incompleta a nudez, um fato de banho de marca distingue-se doutro comprado no Continente; e as senhoras das classes superiores fazem gala de exibir na praia colares, pulseiras e demais quinquilharia. Depois, qualquer praia tem, pelo menos dois territórios de classe bem demarcados: os toldos para um lado, os guarda-sóis para o outro. Finalmente, praias não acessíveis através dos transportes públicos adquirem, só por isso, outro pedigree.
Ainda assim, a praia permanece um espaço razoavelmente imune às transformações económico-sociais do nosso mundo. Hoje, como há cinquenta anos, uma praia consiste de mar, areia, toldos, nadadores salva-vidas, vendedores de gelados e bares de praia. Dificilmente se conceberá coisa mais obsoleta.
Como é possível admitir-se em pleno século XXI – pergunto eu – que milhares e milhares de consumidores permaneçam esticados ao sol durante dias e semanas a fio sem consumirem praticamente nada? É assim que se pensa desenvolver o país?
É certo que alguns autarcas mais azougados vêm promovendo programas de hidroginástica logo pela manhã, seguidos de chill out sessions, fresbee, speedminton e body pump ao longo do dia. Tudo devidamente enquadrado por batidas musicais difundidas para todo o areal através de poderosas colunas de som. Mas tais iniciativas são claramente insuficientes para promoverem a inadiável rentabilização da orla costeira.
Se, em muitas praias, as famílias se disponibilizam a pagar o equivalente à renda de um T0 em Lisboa pelo aluguer mensal de um simples toldo, imagine-se a receita que poderia resultar da prestação de um verdadeiro serviço integrado aos veraneantes.
Não entendo, desde logo, por que não são substituidas as tradicionais cadeiras de praia por sofás ou camas mais confortáveis. Pergunto-me, além disso, por que é que os toldos não têm acesso a cerveja e refrigerantes canalizados, ou por que não se encontram equipados com televisão por cabo e acesso à internet. E, já agora, não faria sentido facilitar a circulação das pessoas instalando escadas e tapetes rolantes que evitem penosas caminhadas pelos areais? Por que há-de a revolução tecnológica deter-se à entrada das praias?
Na praia que idealizo, uma plataforma de intranet permitiria aos consumidores encomendarem directamente massagens, gelados, bolas de berlim e outros produtos e serviços. O registo numa base de dados dos pedidos dos clientes anteciparia inclusive os seus desejos futuros. Cada consumidor disporia, bem entendido, do acompanhamento personalizado de um account manager, disponível 24 horas por dia, através do qual canalizaria os seus pedidos, sugestões e reclamações.
Esta brevíssima antevisão da praia do futuro torna evidente como a praia de hoje permanece uma espécie de enclave cubano nas nossas sociedades avançadas, um espaço de absurda nostalgia pré-moderna economicamente inviável e condenado à extinção.
A praia tem – queiramos ou não - um custo de oportunidade. Se não fosse ocupada por banhistas ociosos, seria possível construir nela casas sobre as dunas, usá-la para exercícios militares ou rasgar amplas estradas marginais.
É tempo de trocarmos definitivamente o socialismo utópico pelo capitalismo científico.
(Artigo publicado no Jornal de Negócios de 20.8.08)
21.8.08
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