28.2.12

Krugman e os salários portugueses

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Não assisti à conferência de Paul Krugman, nem ouvi a entrevista que ontem passou num canal de televisão. Porém, durante o dia ouvi na TSF a extraordinária afirmação de que Krugman defendera a baixa dos salários como forma de aumentar a produtividade, um absoluto contra-senso.

Há pouco consegui finalmente ler no Negócios a excelente entrevista conduzida por Pedro Santos Guerreiro e Vítor Gonçalves, e eis o que encontrei sobre o assunto:
"No mínimo, os salários portugueses têm que crescer mais lentamente que no resto da Europa. Na prática, seria necessário algum abrandamento. De uma forma ou de outra, terá que haver um ajuste substancial."

"Considero que tem que ser feito um ajustamento. Obviamente, gostava de vê-lo pela parte da produtividade em vez de pelos salários. Mas não há forma de isso acontecer com garantias. Eu preferiria até que esse ajustamento fosse alcançado com os salários alemães a subirem em vez de serem os salários portugueses a caírem. É a análise relativa que interessa. Logo, se conseguirem persuadir a Frau Merkel a fazê-lo, seria óptimo. Caso contrário, tem de haver aqui um ajustamento."

"Gosto de fazer um pequeno exercício de aritmética. Se dissermos que cerca de 20 ou 30% de redução nos salários da Europa do sul em relação aos alemães terá de acontecer, faz toda a diferença saber se isso ocorre com uma redução de 3% anual nos salários do sul da Europa, com uma subida de alguns pontos percentuais na Alemanha, ou se acontece através da manutenção ou subida dos salários do sul da Europa, enquanto os salários alemães sobem 5 ou 6%. É uma enorme diferença a nível do desemprego que irá existir na Europa do sul, a nível de dinâmica da dívida..."
Noutro lugar do jornal, Eva Gaspar e Pedro Romano sintetizam corretamente: "O essencial da resposta deveria vir dos actores com mais capacidade para fazer a diferença, com salários mais altos para os trabalhadores alemães e uma política monetária mais inflacionista. Se assim fosse, o ajustamento necessário na periferia seria menos doloroso, mas essa via [sic] ainda menos provável."

Em sítio algum Krugman recomenda que os salários sejam baixados em Portugal. Porém, ele acredita que, na impossibilidade de uma desvalorização cambial, é necessário um reajustamento relativamente aos salários alemães e afirma taxativamente que a melhor solução seria a subida dos salários alemães (estagnados há vários anos) e alguma inflação na Europa.

Caso isso não aconteça, então poderá ser inevitável a redução nominal dos salários portugueses. É isto uma recomendação? De forma alguma.

Terá Krugman razão? A desvalorização interna não é, em minha opinião, uma alternativa à desvalorização externa. Por outro lado, não há futuro para Portugal na zona euro caso ela não sofra uma profunda reforma. Desvalorização interna sem reforma do euro será para nós um beco sem saída.

Do que não pode haver dúvida é que, com razão ou sem ela, o pobre Krugman tem direito à sua opinião. Não está certo que lhe atribuam coisas que não pensa.
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2 comentários:

ups disse...

Não deixa de me fazer alguma confusão esta ideia de que tem de existir uma Europa rica e outra pobre. Uns (Alemães) têm que ter obrigatoriamente mais poder de compra que outros (Portugueses). É Portugal um pais que não trabalha assim tanto que não mereca poder aceder aos meus mercados de consumo que os Alemães?

João Pinto e Castro disse...

A produtividade tem quase nada a ver com trabalhar-se mais ou menos, e tudo a ver com os equipamentos utilizados, a organização do trabalho e o tipo de bens produzidos.