Ainda a bola não tinha propriamente cruzado a linha de baliza e já por toda a cidade se erguia, em perfeito uníssono, um súbito clamor que a todos envolvia e a todos abalava, um desabafo de milhões de peitos até aí oprimidos pela angústia.
Eu, que vivo a dois passos de Alvalade, estou habituado a escutar os golos do Sporting, mas desta vez não foi nada assim. Pareceu-se mais com um fenómeno natural, algo como um tremor de terra ou o rugido de um animal ferido que ameaça emergir das profundidades.
Uma nação é uma entidade abstracta, da qual se pode até duvidar legitimamente que tenha existência real fora das exaltadas fábulas patrióticas. Mas, no domingo, pelas nove da noite, ela tornou-se subitamente material e concreta, porque pudemos todos ouvir a sua voz.
As pessoas desgrudaram dos televisores e acorreram estupidamente às janelas, sem saberem exactamente porquê e para quê, acenar umas às outras sem receio do ridículo e, quem sabe?, tentar ver o corpo daquela voz.
Olha, o vizinho da frente do terceiro andar afinal também é boa pessoa, vejam como ele se ri, nunca o tinha visto tão bem disposto, ele que é usualmente tão carrancudo. Apenas o meu cão permanece alheio a este absurdo movimento de irmanação colectiva e ladra, confuso com o alarido que, no dicionário dele, só pode significar agressividade descontrolada. Algo de muito mau deve estar para acontecer, estou certo que é isso que ele pensa.
É lindo, e é assustador. Em suma, se formos capazes de vê-lo assim, um grande momento filosófico.
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