14.9.06

Danos colaterais



A duvidosa bênção dos recursos petrolíferos, certas peculiaridades da religião islâmica, cicatrizes infectadas do período colonial, a nostalgia de um passado glorioso (em parte fantasiado) uma acentuada tendência para a auto-vitimização – todas essas e outras causas contribuíram para dificultar a transição das sociedades islâmicas para a modernidade. O conflito israelo-árabe desempenha em tudo isto, não haja dúvidas, um mero papel catalizador.

Apesar de tudo, a Turquia e a Indonésia, precisamente dois dos maiores países muçulmanos, encontram-se bem avançados na via daquilo a que, à falta de melhor palavra, designaremos por ocidentalização. Por outro lado, Marrocos, Síria, Egipto e Jordânia, entre outros, são hoje países onde predomina largamente o laicismo. Acresce que, como o revelam as sondagens de opinião, o Islão moderado é maioritário em quase todos os países. Mas também houve retrocessos traumatizantes, dos quais o mais flagrante foi o do Irão há duas décadas atrás.

Uma parte do Islão não só resiste a este movimento, como intensifica e radicaliza a sua resistência à medida que se sente mais isolado. É nesse terreno que se move a Al-Qaeda. Tal como os outros movimentos de fanáticos islâmicos, a Al-Qaeda tem como principal inimiga a crescente laicização das sociedades muçulmanas. Ao contrário delas, porém, concebeu um plano de acção à escala mundial que privilegia as acções espectaculares contra os países ocidentais como meio de demonstrar que é possível vencer.

Assim, os atentados que promove revelam antes de mais a existência de um conflito extremado no seio do próprio Islão. Quando faz explodir aviões ou comboios, o propósito principal da Al-Qaeda é recrutar adeptos para a sua causa ao mesmo tempo que põe em xeque os laicos e os moderados. Não admira que a Al-Qaeda não tenha nenhuma exigência a formular aos países ocidentais, pois o seu programa é a restauração do poder do califado no interior do Islão.

Por muito muito que isso repugne à nossa orgulhosa consciência ocidental, a Al-Qaeda está-se nas tintas para o nosso estilo de vida. As vítimas do 11 de Setembro não passaram, na verdade, de danos colaterais na luta sem quartel que divide interiormente os países muçulmanos e que hoje tem no Iraque a sua manifestação mais evidente.

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