8.9.06

Nukes



O Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, assinado em 1968 e prorrogado em 1993, foi sem dúvida uma boa ideia. Infelizmente:

1. Os EUA não cumpriram a sua parte do acordo, instalando bombas atómicas em vários países da NATO.

2. O Estado de Israel, que possui armas atómicas há uns bons 20 anos, jamais foi instado pelos seus aliados a assiná-lo.

3. A Coreia do Norte, que o subscrevera, mudou depois de ideias e possui hoje bombas atómicas.

4. A Índia e o Paquistão sempre recusaram o acordo. Ambos possuem armas nucleares. Na sua última visita à Índia, Bush não só prometeu assistência à Índia no seu programa de desenvolvimento nuclear como aceitou que ela produza mais bombas atómicas. Ninguém pressiona o Paquistão para que se desarme.

De modo que, no presente momento, a situação é mais ou menos esta: se um país for aliado dos EUA, pode ter bombas atómicas; se não for, não pode.

Convém lembrar que, nos termos do tratado: "Nothing in this Treaty shall be interpreted as affecting the inalienable right of all the Parties to the Treaty to develop research, production and use of nuclear energy for peaceful purposes without discrimination and in conformity with articles I and II of this Treaty." Logo, nem o Irão nem qualquer outro país pode ser impedido de desenvolver programas nucleares pacíficos.

Argumenta-se, porém, que um país rico em petróleo como o Irão não precisa de energia nuclear para nada. Este argumento vale tanto como afirmar-se que um país vinícola não deve organizar campanhas contra o alcoolismo. Se o Irão acredita que o preço do petróleo vai continuar a aumentar, será mais inteligente exportá-lo que consumi-lo.

Acresce que não foi até ao momento encontrado pelos inspectores internacionais qualquer indício de que o Irão possua um programa para o desenvolvimento de armamento nuclear. Se o Irão decidisse agora enveredar por esse caminho, necessitaria de um período de seis a dez anos para ter as primeiras bombas atómicas.

Disto isto, a questão seguinte é esta: poderemos confiar que o Irão não vai dotar-se nos próximos anos de armamento nuclear? A meu ver, não podemos. Em primeiro lugar, por causa da genericamente inflamada retórica belicista que Teerão diariamente alardeia. Em segundo lugar, e principalmente, pelas explícitas ameaças dirigidas contra o Estado de Israel.

Que fazer, então? Comentadores de gatilho ligeiro recomendam sanções pesadas como mero prolegómeno a um ataque militar contra as instalações nucleares iranianas. Quais os méritos dessa alternativa? Em primeiro lugar, tendo em conta que o governo iraniano está prevenido contra essa eventualidade, não é seguro que ela produza o resultado desejado. Em contrapartida, é seguro que, aparentando dar razão aos que afirmam ser a bomba atómica indispensável à segurança do país, ela tornará a vida mais difícil para as forças reformistas do país.

Como a pura e simples invasão do Irão não se afigura viável, resta, para já, a via das sanções, embora não se deva esperar demasiado da sua eficácia.

Imaginemos, então, que se concretiza o pior cenário, e que, apesar de todos os esforços em contrário da comunidade internacional, o Irão cria de facto um arsenal nuclear. Felizmente, a Guerra Fria ensinou-nos como lidar com essa situação. Um sistema de ameaças credíveis conducente à Destruição Mútua Assegurada deu provas de constituir uma estratégia dissuassora eficaz. Funcionou com a União Soviética, nada faz supor que não funcione com o Irão.

Em última origem, o factor crucial será a evolução interna do Irão. Sabemos que a invasão do Iraque aumentou a popularidade do sector radical e esvaziou para já as esperanças dos reformistas. Mas o Irão é uma sociedade muito mais complexa e desenvolvida do que o Iraque, dotada de uma classe média poderosa e de uma elite cultural sofisticada e influente. Tem melhores condições para evoluir para um Estado de Direito, primeiro, e para uma sociedade democrática, depois, do que qualquer outro país da região à excepção do Líbano.

Em vez de pensarmos em impor a democracia a quem não está para aí virado, deveríamos antes cuidar de ajudar, se possível com discrição, todas as forças susceptíveis de favorecerem a abertura do país. Sem esquecer, como bem sabem os médicos, que a forma mais elementar de fazer bem consiste em começar por não fazer mal.

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