28.10.07

Memória e identidade

A memória é um dos traços definidores dos indivíduos como das sociedades. Vai daí, o modo como entendemos e avaliamos o passado não pode deixar de condicionar o nosso comportamento presente.

Todos nos sentimos tranquilos por saber que a Alemanha de hoje condena sem ambiguidades o Holocausto e lamenta as suas vítimas. Tal como todos devemos estar preocupados por jamais os Estados Unidos terem declarado o seu arrependimento pelo lançamento de bombas atómicas sobre Hiroshima e Nagasaqui.

Pretendem alguns que o efeito de tais assumpções de responsabilidade é irrelevante, mas isso não é verdade. Veja-se, por exemplo, as dificuldades que o consenso universal em relação à utilização da tortura têm criado àqueles que, hoje, procuram nos EUA justificar a sua reintrodução. Em última análise todas as tomadas de posição são reversíveis, mas é mais difícil regressar a práticas nocivas quando se estabeleceu um consenso contra elas.

É espantoso que um historiador (refiro-me a Vasco Pulido Valente) cuja obra publicada consiste basicamente em polémicas contra mortos como Afonso Costa, Pedro IV, Duque de Palmela ou Marechal de Saldanha, venha contestar a relevância da "Lei da Memória Histórica" que Zapatero quer fazer aprovar em Espanha.

Lidar com a memória histórica é não só indispensável como inevitável: se nós não o fizermos, alguém o fará por nós. Mas há maneiras certas e maneiras erradas de o fazer.

A forma errada é aquela usualmente utilizada por Vasco Pulido Valente nos seus livros, e que vem a ser o ajuste de contas selectivo e descontextualizado com actores históricos desaparecidos em nome das preferências ideológicas de cada um. Este método, para além de revelar a ignorância ou superficialidade de quem o pratica, só serve para reacender facciosismos e reanimar ódios antigos.

A forma certa consiste em avaliar o passado de forma equilibrada, sem cuidar de reescrever a história ou de incitar à vingança, mas também sem deixar de responsabilizar quem tiver de ser responsabilizado pelos crimes contra a humanidade eventualmente cometidos.

O modo como o processo tem vindo a ser conduzido em Espanha é a prova definitiva de que isso pode ser feito. Se uma parte da Igreja quer aproveitar a ocasião para reabrir velhas querelas, não nos resta outra alternativa senão condenar sem ambiguidades essa atitude.

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