19.10.07

O Tratado de Lisboa e a democracia que falta

1. Sou europeista e federalista convicto, e é por isso que não concordo com o rumo que a União Europeia está a tomar.

2. Procuraram vender-nos o tratado constitucional com o argumento de que, com 27 países, a União Europeia não poderia continuar a funcionar nos mesmos moldes que no passado. Está hoje claro que a alegação era falsa: com maiores ou menores dificuldades, a União Europeia funcionou perfeitamente nos últimos anos.

3. Um tratado constitucional é exactamente o tipo de questão que jamais deveria ser objecto de referendo. Como as experiências da França e da Holanda o comprovaram, não só pouca gente entende o que está em causa como é muito fácil formar uma coligação negativa dos mais variados interesses e pontos de vista particulares para boicotar activamente qualquer debate racional. Pior ainda: tendo vencido o não, é impossível tirar-se uma conclusão inquestionável sobre o que de facto foi rejeitado pelos eleitores.

4. Acontece, porém, que os governantes de vários países prometeram o referendo do tratado aos seus povos. Nestas circunstâncias, a recusa a cumprir o prometido reveste-se de extrema gravidade. É por isso - e só por isso - que sou favorável à realização da anunciada consulta popular.

5. A pouco e pouco, os países têm vindo a ceder soberania e capacidade de decisão à União. Desse modo, o poder foge progressivamente ao controlo dos eleitorados. Há democracia nos países, mas não ao nível das instituições comunitárias, onde as políticas são de facto decididas. Que espécie de democracia é então esta em que vivemos?

6. Que podem os povos fazer quando discordam de um determinada orientação política? O voto nas eleições nacionais de pouco serve, porque as políticas são definidas "lá fora". Restam a indignação, a agitação e a acção directa, porventura violenta. É essa situação que alimenta o populismo.

7. A crise da democracia representativa não tem a ver com as falhas ocorridas ao nível local, mas sim com a ausência de autênticas instituições de democracia representativa ao nível europeu.

8. A degenerescência democrática europeia é a política que interessa aos poderes instituídos, designadamente aos económicos, porque, desse modo, não há qualquer força capaz de lhes fazer frente. Só há legislação europeia para proteger os negócios e a liberdade empresarial, mas não há legislação europeia para proteger as vítimas desse processo. Logo, os direitos sociais são e serão corroídos em cada dia que passa.

9. A instituição de um poder supra-nacional democrático federal é a única política de esquerda que hoje faz sentido. Tudo o resto é tricô político para ajudar a passar o tempo. Mais tarde ou mais cedo, esta luta terá que ser travada, mas para isso é preciso começar por quebrar os consensos europeistas e passar ao assunto que verdadeiramente interessa.

10. Escusado será dizer que o Tratado de Lisboa esquiva quase todas as questões relevantes. De positivo fica apenas a promessa do eventual aumento dos poderes do Parlamento Europeu, mas falta saber se ela se concretizará.

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