29.11.03
Abaixo de cão
A Drª Margarida Marante entrevista o Dr. Luis Filipe Menezes na TSF. É difícil imaginar uma cena mais degradante.
Ela, mal preparada como sempre, opinativa como sempte, peremptória como sempre, ignorante como sempre, ocupa o tempo inteiro com perguntas (?) que rodam sempre à volta das ambições pessoais do entrevistado. Aqui só há lugar para a baixa política, ou seja, para a intriga mesquinha envolvendo personagens inenarráveis que nós preferiríamos nunca ter conhecido.
Ele, medíocre, manhoso, calhandreiro, mal intencionado, é para mim um dos grandes mistérios do nosso país. Este tipo, que não desempenha nem nunca desempenhou qualquer cargo político de relevo, que manifestamente não tem nada de relevante para dizer, no fundo um mero autarca de Gaia que conduz uma campanha infame e sem princípios contra o seu colega de partido Rui Rio, é constantemente requisitado pela televisão, pela rádio e pelos jornais para nos regalar com as suas opiniões.
Ao entrevistado e à entrevistadora une-os a paixão da mediocridade, que, com o seu sentido gregário altamente desenvolvido, facilmente toma conta do país e das nossas vidas.
Ela, mal preparada como sempre, opinativa como sempte, peremptória como sempre, ignorante como sempre, ocupa o tempo inteiro com perguntas (?) que rodam sempre à volta das ambições pessoais do entrevistado. Aqui só há lugar para a baixa política, ou seja, para a intriga mesquinha envolvendo personagens inenarráveis que nós preferiríamos nunca ter conhecido.
Ele, medíocre, manhoso, calhandreiro, mal intencionado, é para mim um dos grandes mistérios do nosso país. Este tipo, que não desempenha nem nunca desempenhou qualquer cargo político de relevo, que manifestamente não tem nada de relevante para dizer, no fundo um mero autarca de Gaia que conduz uma campanha infame e sem princípios contra o seu colega de partido Rui Rio, é constantemente requisitado pela televisão, pela rádio e pelos jornais para nos regalar com as suas opiniões.
Ao entrevistado e à entrevistadora une-os a paixão da mediocridade, que, com o seu sentido gregário altamente desenvolvido, facilmente toma conta do país e das nossas vidas.
28.11.03
Um link dos diabos
Decididamente, o Albergue dos Danados é um dos meus blogues preferidos. Aí está ao lado o link para selar essa predilecção.
O homem do leme é uma mulher e não está lá
Como o déficite efectivo do Orçamento do Estado português ronda os 5% (maior, portanto, que os déficites da França ou da Alemanha), a verdade é que ele é expansionista, não contraccionista.
Que sentido faz então criticar o Governo simultaneamente por centrar todos os esforços no controlo do déficite e por não controlar o déficite? O que quer afinal a oposição: que o Governo controle o déficite ou que o Governo não controle o déficite?
A questão está mal posta. O problema é que o Governo criou expectativas recessionistas, mesmo se depois a execução orçamental não as confirmou. Ora o problema é que os agentes económicos adaptaram os seus comportamentos a esses estímulos, o que os levou, designadamente, a investir menos. Logo, faz todo o sentido dizer-se que as expectativas negativas criadas pelo Governo conduziram a uma recessão mais profunda do que seria objectivamente necessário.
Agora, porém, a situação está invertida. Todos sabemos que o que o Governo diz não é para aplicar. Todos sabemos também que a França e a Alemanha, as duas economias decisivas no espaço europeu, têm as mãos livres para fazerem o que quiserem. Boas notícias, portanto: o fim da recessão está a vista.
Subsiste, porém, um problema crucial, que é o da composição da despesa pública em Portugal. Apesar de todas as declarações grandiloquentes, este Governo aumentou a despesa corrente em detrimento do investimento. Ou seja, fez exactamente o contrário do que seria aconselhável.
Ainda o orçamento acabou de ser aprovado, e já está claro para todos que se trata de um documento absolutamente destituido de visão estratégica e bom senso.
Que sentido faz então criticar o Governo simultaneamente por centrar todos os esforços no controlo do déficite e por não controlar o déficite? O que quer afinal a oposição: que o Governo controle o déficite ou que o Governo não controle o déficite?
A questão está mal posta. O problema é que o Governo criou expectativas recessionistas, mesmo se depois a execução orçamental não as confirmou. Ora o problema é que os agentes económicos adaptaram os seus comportamentos a esses estímulos, o que os levou, designadamente, a investir menos. Logo, faz todo o sentido dizer-se que as expectativas negativas criadas pelo Governo conduziram a uma recessão mais profunda do que seria objectivamente necessário.
Agora, porém, a situação está invertida. Todos sabemos que o que o Governo diz não é para aplicar. Todos sabemos também que a França e a Alemanha, as duas economias decisivas no espaço europeu, têm as mãos livres para fazerem o que quiserem. Boas notícias, portanto: o fim da recessão está a vista.
Subsiste, porém, um problema crucial, que é o da composição da despesa pública em Portugal. Apesar de todas as declarações grandiloquentes, este Governo aumentou a despesa corrente em detrimento do investimento. Ou seja, fez exactamente o contrário do que seria aconselhável.
Ainda o orçamento acabou de ser aprovado, e já está claro para todos que se trata de um documento absolutamente destituido de visão estratégica e bom senso.
O euro e eu
Sempre fui de opinião que o euro era uma má ideia. Vamos lá: não uma ideia muito má, apenas um bocadinho má.
Mas é claro que tinha todas as condições para ir para à frente sem grandes oposições. A esquerda, em grande parte internacionalista, simpatiza com uma moeda capaz de unir todos os povos, e por isso não poderia deixar de a aprovar. Á direita, pelo seu lado, agrada retirar a política monetária do controlo de políticos eleitos, e vai daí também apoiou.
Além disso, a criação do euro casa muito bem com o projecto de construir a Europa a partir do tecto e, tanto quanto possível, fora do controlo de poderes democraticamente eleitos. É o emblema perfeito da europeização a marchas forçadas, vulgo Grande Salto em Frente.
Ora o euro estampou-se ao virar da primeira esquina, por não se ter tido em conta que a integração das economias europeias ainda não se encontrava suficientemente avançada para que os seus ciclos se encontrassem coordenados. Em Portugal, a taxa de juro deveria ser um bocadinho mais alta para ajudar a controlar o endividamento, ao passo que na Alemanha deveria ser algo mais baixa para estimular a procura. Em vez disso, temos este fato para marrecos que faz todos ficarem mal no retrato.
É claro que, a partir do momento em que há uma moeda comum, é preciso geri-la. Como não há instituições centrais que controlem as políticas económicas dos países, impoem-se então regras arbitrárias que depois não funcionam. Entretanto, a política interna é desvalorizada na medida em que os governos nacionais podem legitimamente desresponsabilizar-se argumentando que se encontram condicionados por regras impostas por Bruxelas. A democracia esvazia-se de conteúdo e os cidadãos convencem-se de que o seu voto afinal não serve para nada.
Um lindo serviço, não haja dúvida.
Agora, dizem-nos os sábios que o euro é uma realidade irreversível e que, por isso, é necessário avançar-se para um novo Pacto de Estabilidade, ou seja, é preciso repetir-se o mesmo erro outra vez. O problema é que a credibilidade do euro não depende da letra do pacto mas da convicção de que existe vontade de cumpri-lo, seja ele qual for.
Ora a verdade é que ficou claro que um pacto deste género só será cumprido se for conveniente para os poderes fácticos que dominam a União Europeia. Por outras palavras, o arranjo institucional que foi criado para o euro não merece confiança.
O que eu prevejo, por conseguinte, é que o destempero vai ascender a um novo patamar de irracionalidade.
Entretanto, o verdadeiro problema que se coloca, pelo menos para os europeistas como eu, é este: como criar instituições democráticas centrais europeias com legitimidade para conduzir políticas económicas e sociais progressivas? O mais preocupante para mim é que não só a chamada Constituição Europeia não aponta neste sentido, como reforça mesmo a tendência oposta.
Digam-me lá com franqueza: o que é que há de democrático neste super-estado europeu que se está a formar sob os nossos olhos?
Mas é claro que tinha todas as condições para ir para à frente sem grandes oposições. A esquerda, em grande parte internacionalista, simpatiza com uma moeda capaz de unir todos os povos, e por isso não poderia deixar de a aprovar. Á direita, pelo seu lado, agrada retirar a política monetária do controlo de políticos eleitos, e vai daí também apoiou.
Além disso, a criação do euro casa muito bem com o projecto de construir a Europa a partir do tecto e, tanto quanto possível, fora do controlo de poderes democraticamente eleitos. É o emblema perfeito da europeização a marchas forçadas, vulgo Grande Salto em Frente.
Ora o euro estampou-se ao virar da primeira esquina, por não se ter tido em conta que a integração das economias europeias ainda não se encontrava suficientemente avançada para que os seus ciclos se encontrassem coordenados. Em Portugal, a taxa de juro deveria ser um bocadinho mais alta para ajudar a controlar o endividamento, ao passo que na Alemanha deveria ser algo mais baixa para estimular a procura. Em vez disso, temos este fato para marrecos que faz todos ficarem mal no retrato.
É claro que, a partir do momento em que há uma moeda comum, é preciso geri-la. Como não há instituições centrais que controlem as políticas económicas dos países, impoem-se então regras arbitrárias que depois não funcionam. Entretanto, a política interna é desvalorizada na medida em que os governos nacionais podem legitimamente desresponsabilizar-se argumentando que se encontram condicionados por regras impostas por Bruxelas. A democracia esvazia-se de conteúdo e os cidadãos convencem-se de que o seu voto afinal não serve para nada.
Um lindo serviço, não haja dúvida.
Agora, dizem-nos os sábios que o euro é uma realidade irreversível e que, por isso, é necessário avançar-se para um novo Pacto de Estabilidade, ou seja, é preciso repetir-se o mesmo erro outra vez. O problema é que a credibilidade do euro não depende da letra do pacto mas da convicção de que existe vontade de cumpri-lo, seja ele qual for.
Ora a verdade é que ficou claro que um pacto deste género só será cumprido se for conveniente para os poderes fácticos que dominam a União Europeia. Por outras palavras, o arranjo institucional que foi criado para o euro não merece confiança.
O que eu prevejo, por conseguinte, é que o destempero vai ascender a um novo patamar de irracionalidade.
Entretanto, o verdadeiro problema que se coloca, pelo menos para os europeistas como eu, é este: como criar instituições democráticas centrais europeias com legitimidade para conduzir políticas económicas e sociais progressivas? O mais preocupante para mim é que não só a chamada Constituição Europeia não aponta neste sentido, como reforça mesmo a tendência oposta.
Digam-me lá com franqueza: o que é que há de democrático neste super-estado europeu que se está a formar sob os nossos olhos?
27.11.03
26.11.03
23.11.03
Desintoxicação
Já consigo passar todo o fim-de-semana sem sequer olhar para a primeira página do Expresso. Vá lá, façam um esforço e vão ver que também vocês são capazes.
19.11.03
O acaso e a necessidade
Porque é que Bach nunca compôs uma ópera?-Porque os seus patrões nunca lhe encomendaram uma.
É um bocado chato aceitar-se que a história da arte esteja dependente de contingências deste tipo. Mas podemos encontrar algum consolo no modo como João Sebastião conseguiu superar as adversidades.
Como não podia fazer óperas, Bach compôs oratórios. Quando lhe faltava uma orquestra, escrevia (é verdade!) um concerto para cravo solista. Se o cliente sofria de insónias, propunha-lhe umas infindáveis variações (a Ofrenda Musical) que duravam até ele cair exausto para o lado. Se a moda era a música italiana, ele fazia uns pastiches de Vivaldi. E por aí fora.
Moral da história: quando o talento é real, encontra sempre alguma maneira de se manifestar. O espírito sopra em quaisquer circunstâncias e em qualquer lugar.
É um bocado chato aceitar-se que a história da arte esteja dependente de contingências deste tipo. Mas podemos encontrar algum consolo no modo como João Sebastião conseguiu superar as adversidades.
Como não podia fazer óperas, Bach compôs oratórios. Quando lhe faltava uma orquestra, escrevia (é verdade!) um concerto para cravo solista. Se o cliente sofria de insónias, propunha-lhe umas infindáveis variações (a Ofrenda Musical) que duravam até ele cair exausto para o lado. Se a moda era a música italiana, ele fazia uns pastiches de Vivaldi. E por aí fora.
Moral da história: quando o talento é real, encontra sempre alguma maneira de se manifestar. O espírito sopra em quaisquer circunstâncias e em qualquer lugar.
Onde está o dinheiro?
A gente já sabe em que é que o governo poupou. Agora, gostaríamos de saber em que é que gastou, tendo em conta que o déficite real das contas públicas não pára de crescer.
Eisenstein e o Rato Mickey
No Festival de Cinema de Moscovo de 1935 (precisamente o primeiro de todos eles), Eisenstein, Presidente do Júri, propôs que o Grande Prémio fosse atribuido ao Rato Mickey.
Embora ele estivesse cheio de razão, é claro que o galardão foi antes para Tchapaév, um óbvio filme de regime. Mas este episódio serve para tornar claro o que Eisenstein se ralava com o realismo socialista.
Embora ele estivesse cheio de razão, é claro que o galardão foi antes para Tchapaév, um óbvio filme de regime. Mas este episódio serve para tornar claro o que Eisenstein se ralava com o realismo socialista.
O sensacionismo
«O que sente? O que sentiu? Qual é a sensação?» Perguntam ansiosos os reporteres a José Mourinho na inauguração do Estádio do Dragão, ao jornalista da TSF libertado dos seus captores, ao condutor ainda azamboado por um choque frontal.
Sabem lá eles, pobres infelizes apanhados à má fila, descrever o que sentem. Nada é menos imediato, menos elementar, menos primitivo do que a expressão de uma sensação. A verbalização das nossas sensações é-nos ensinada, pelo que, contrariamente ao que se pensa, os analfabetos são as pessoas menos indicadas para nos falarem delas.
A inteligência e a cultura são a matéria-prima das sensações; sem elas, o que há são vagas impressões, picadelas ou comichões.
É preciso ser-se um Proust para se conseguir dizer o que se sente. Mas não é certamente isso que os reporteres esperam ouvir.
Sabem lá eles, pobres infelizes apanhados à má fila, descrever o que sentem. Nada é menos imediato, menos elementar, menos primitivo do que a expressão de uma sensação. A verbalização das nossas sensações é-nos ensinada, pelo que, contrariamente ao que se pensa, os analfabetos são as pessoas menos indicadas para nos falarem delas.
A inteligência e a cultura são a matéria-prima das sensações; sem elas, o que há são vagas impressões, picadelas ou comichões.
É preciso ser-se um Proust para se conseguir dizer o que se sente. Mas não é certamente isso que os reporteres esperam ouvir.
18.11.03
The American Dream
Robert Indiana, o autor de The American Dream, trabalha ícones comerciais até os tornar irreconhecíveis: restam apenas vagas sugestões de etiquetas de preços, auto-colantes, cartazetes promocionais, emblemas, anúncios de luna-park, elementos decorativos de máquinas de jogos.
Essa matéria-prima (os signos de actividades comerciais e de lazer e não as coisas elas mesmas) é por ele transfigurada para nos dar a ver um mundo mais real do que a própria realidade. É uma espécie de realismo capitalista.
Será isto pintura anti-americana? Mais do que uma «crítica», o que eu vejo aqui é um comentário que remete para uma pluralidade de sentidos.
Soulages
Em 1962, a Fundação Gulbenkian ainda não tinha o seu edifício da Avenida de Berna. Por isso, foi no pavilhão da FIL da Junqueira que organizou a exposição «Cem anos de Pintura Francesa».
Foi aí que muitos milhares de lisboeta (e eu entre eles) tiveram a hipótese de pela primeira vez na sua vida contemplarem ao vivo e a cores telas de Monet, Manet, Degas, Pissarro, Gauguin, Toulouse-Lautrec, Seurat, Bonnard, Matisse, Léger, Bracque, Sónia e Robert Delaunay ou Vieira da Silva (representada, se não erro, por um quadro intitulado O Desastre), entre muitos outros.
A concluir tanto deslumbramento, no final da exposição, deparei-me com uma tela gigantesca de Soulages, na altura um completo desconhecido.
A pintura de Soulages vem, não pode haver dúvida, de cima para baixo. É uma voz que desce até nós, sólida, dominadora, mas também atenciosa ou prestável. Nunca esmagadora, excepto talvez no sentido de uma presença benévola que nos submerge (talvez a palavra certa seja antes: que nos invade).
Predomina o negro, completado apenas com uma sugestão de vermelho ou, mais frequente, azul. Tudo é subtileza nestas formas colossais: este elefante certamente não partiria nada numa loja de porcelanas.
É inútil acrescentar que se trata de pintura religiosa.
17.11.03
A cegueira no posto de comando
Já o disse uma vez, e repito: independentemente do modo errado como tudo começou, a guerra do Iraque é agora também a nossa guerra. Ou seja, partindo do princípio de que o regresso de Saddam ou algo parecido não é uma opção aceitável, é indispensável que as Nações Unidas e os principais aliados dos EUA se envolvam e tomem conta do assunto.
Uma das principais dificuldades (não a única, certamente), é que Bush deseja antes de mais evitar perder a face. Isso coloca-nos perante um cenário muito negativo: daqui até às eleições americanas e à eventual queda de Bush, se nada inverter o curso dos acontecimentos, nem os aliados do EUA vão querer comprometer-se com tropas no terreno, nem a ONU vai querer assumir a direcção política da operação.
O resultado será a degradação da situação militar, desembocando muito provavelmente numa guerra civil generalizada, que é aquilo que os adeptos de Saddam estão a tentar provocar.
Neste momento, as principais potências agem como se não estivessem conscientes deste perigo. Em particular, os aliados europeus dos EUA comportam-se como se tivesse alguma importância continuarmos infindavelmente a discutir se houve ou não justificação para a «guerra preventiva».
Grossa asneira.
Uma das principais dificuldades (não a única, certamente), é que Bush deseja antes de mais evitar perder a face. Isso coloca-nos perante um cenário muito negativo: daqui até às eleições americanas e à eventual queda de Bush, se nada inverter o curso dos acontecimentos, nem os aliados do EUA vão querer comprometer-se com tropas no terreno, nem a ONU vai querer assumir a direcção política da operação.
O resultado será a degradação da situação militar, desembocando muito provavelmente numa guerra civil generalizada, que é aquilo que os adeptos de Saddam estão a tentar provocar.
Neste momento, as principais potências agem como se não estivessem conscientes deste perigo. Em particular, os aliados europeus dos EUA comportam-se como se tivesse alguma importância continuarmos infindavelmente a discutir se houve ou não justificação para a «guerra preventiva».
Grossa asneira.
16.11.03
India Song
Não é que os géneros não possam influenciar-se mutuamente, mas fazer um filme com ideias literárias é má ideia; tal como é má ideia, acrescento já, fazer um romance com ideias cinematográficas.
Talvez se conseguisse fazer com isto um bom trailer. Tenho reparado que a maior parte dos filmes ficam melhores no trailers, recolhem só o sumo e deitam fora a palha, às vezes com horas de duração, que só serve para justificar os 4,5 euros do bilhete.
Até já me ocorreu que os trailers são uma forma de arte cuja importância ainda está à espera de ser reconhecida, se calhar pelas civilizações vindouras. Parafraseando o Pacheco Pereira, um dia hei-de voltar a isto.
Talvez se conseguisse fazer com isto um bom trailer. Tenho reparado que a maior parte dos filmes ficam melhores no trailers, recolhem só o sumo e deitam fora a palha, às vezes com horas de duração, que só serve para justificar os 4,5 euros do bilhete.
Até já me ocorreu que os trailers são uma forma de arte cuja importância ainda está à espera de ser reconhecida, se calhar pelas civilizações vindouras. Parafraseando o Pacheco Pereira, um dia hei-de voltar a isto.
15.11.03
Enigma esclarecido
Está finalmente esclarecida a missão da GNR no Iraque: proteger os repórteres portugueses presentes no Iraque para cobrir a presença da GNR no Iraque.
14.11.03
Dicionário das ideias feitas
«Realmente, o Ferro não devia ter deixado enredar o PS no escândalo da Casa Pia.»
Isto é o que eu ouço onde quer que vá: nas cervejarias, nos táxis, nas retretes dos cinemas, nos consultórios dos dentistas, nos táxis, nas missas de sétimo dia, nos trottoirs do Intendente, nas tertúlias intelectuais, nas paragens dos autocarros, nas bancadas dos campos de futebol, nas festas de casamento, nos seminários de gestão, nas filas para o confessionário, nas assembleias gerais das sociedades anónimas.
Se Flaubert voltasse cá abaixo, lá teria que acrescentar a frasezinha ao seu Dicionário das Ideias Feitas.
Esta insidiosa inteligência omnipresente e impessoal que a todos nos governa é a prova provada de que ninguém está a pensar. A todos estes peremptórios, eu gostaria apenas de perguntar (mas não é preciso responder) o que é que eles acham que Ferro deveria ter feito (ou deixado de fazer) para evitar «enredar o PS no escândalo da Casa Pia».
Vá, voltem lá às vossas ocupações e esqueçam o assunto. Mas, primeiro, prometam-me que não voltam a dizer tolices sem pensar.
Isto é o que eu ouço onde quer que vá: nas cervejarias, nos táxis, nas retretes dos cinemas, nos consultórios dos dentistas, nos táxis, nas missas de sétimo dia, nos trottoirs do Intendente, nas tertúlias intelectuais, nas paragens dos autocarros, nas bancadas dos campos de futebol, nas festas de casamento, nos seminários de gestão, nas filas para o confessionário, nas assembleias gerais das sociedades anónimas.
Se Flaubert voltasse cá abaixo, lá teria que acrescentar a frasezinha ao seu Dicionário das Ideias Feitas.
Esta insidiosa inteligência omnipresente e impessoal que a todos nos governa é a prova provada de que ninguém está a pensar. A todos estes peremptórios, eu gostaria apenas de perguntar (mas não é preciso responder) o que é que eles acham que Ferro deveria ter feito (ou deixado de fazer) para evitar «enredar o PS no escândalo da Casa Pia».
Vá, voltem lá às vossas ocupações e esqueçam o assunto. Mas, primeiro, prometam-me que não voltam a dizer tolices sem pensar.
Eu, outros
Admira-se o Flor de Obsessão que o Barnabé junte num mesmo blogue «anarquistas, sociais-democratas, ex-comunistas e liberais de esquerda».
Que diria então de mim, que consigo reunir numa mesma pessoa todas essas tendências e ainda algumas outras, eventualmente inconfessáveis.
Que se lixe a coerência!
Que diria então de mim, que consigo reunir numa mesma pessoa todas essas tendências e ainda algumas outras, eventualmente inconfessáveis.
Que se lixe a coerência!
Deus está nos detalhes
Num filme de cujo nome não me recordo, o Mastroianni vai a um ensaio de orquestra visitar o filho que é percussionista.
Depois de bater os pratos no momento azado, o filho vem até à plateia ter com ele e diz-lhe: «Vamos tomar um café, mas temos que ser rápidos: daqui a dez minutos entro outra vez». Na conversa que se segue, Mastroianni tenta convencer o filho, que o ouve com mal disfarçada condescendência, que ele é o melhor da orquestra e que todos os outros estão a aproveitar-se do seu trabalho.
Psicologicamente falando, o percussionista é o aristocrata da orquestra. Enquanto os operários se esfalfam a dar ao arco ou a soprar até perder o fôlego, ele contempla o afã da oficina a seus pés com ar enfadado, do alto do seu posto de controlo e, de vez em quando digna-se bater o timbale ou sacudir os ferrinhos. E, lá no fundo, por detrás da sua fingida indiferença, ele está bem consciente de que essas fugazes intervenções fazem toda a diferença.
Nem toda a gente se apercebe disso, mas os grandes músicos, esses, sabem-no bem.
Quando Toscannini dirigiu a orquestra do festival de Bayreuth, interrompeu a dada altura o ensaio para interpelar o percussionista: «Então o timbale? Porque não tocou o timbale?»
«Mas, maestro, segundo a partitura, o timbale não toca aqui!»
Toscannini não quis acreditar. Pediu para ver a partitura do percussionista, mas era verdade: não estava previsto ali nenhum toque de timbale. Todos os outros músicos lhe asseveraram de que estavam fartos de tocar aquela ópera e que, de facto, o timbale nunca entrava naquele momento.
Toscannini foi consultar a edição impressa: não estava lá nada. Foi ver edições antigas: também não. Procurou a primeira edição: nada.
Desesperado, vasculhou o arquivo de Bayreuth em busca do original manuscrito por Wagner e, quando chegou à página pretendida, pôde finalmente sorrir: «Eu sabia! Eu sabia que aqui tinha que entrar o timbale!»
Depois de bater os pratos no momento azado, o filho vem até à plateia ter com ele e diz-lhe: «Vamos tomar um café, mas temos que ser rápidos: daqui a dez minutos entro outra vez». Na conversa que se segue, Mastroianni tenta convencer o filho, que o ouve com mal disfarçada condescendência, que ele é o melhor da orquestra e que todos os outros estão a aproveitar-se do seu trabalho.
Psicologicamente falando, o percussionista é o aristocrata da orquestra. Enquanto os operários se esfalfam a dar ao arco ou a soprar até perder o fôlego, ele contempla o afã da oficina a seus pés com ar enfadado, do alto do seu posto de controlo e, de vez em quando digna-se bater o timbale ou sacudir os ferrinhos. E, lá no fundo, por detrás da sua fingida indiferença, ele está bem consciente de que essas fugazes intervenções fazem toda a diferença.
Nem toda a gente se apercebe disso, mas os grandes músicos, esses, sabem-no bem.
Quando Toscannini dirigiu a orquestra do festival de Bayreuth, interrompeu a dada altura o ensaio para interpelar o percussionista: «Então o timbale? Porque não tocou o timbale?»
«Mas, maestro, segundo a partitura, o timbale não toca aqui!»
Toscannini não quis acreditar. Pediu para ver a partitura do percussionista, mas era verdade: não estava previsto ali nenhum toque de timbale. Todos os outros músicos lhe asseveraram de que estavam fartos de tocar aquela ópera e que, de facto, o timbale nunca entrava naquele momento.
Toscannini foi consultar a edição impressa: não estava lá nada. Foi ver edições antigas: também não. Procurou a primeira edição: nada.
Desesperado, vasculhou o arquivo de Bayreuth em busca do original manuscrito por Wagner e, quando chegou à página pretendida, pôde finalmente sorrir: «Eu sabia! Eu sabia que aqui tinha que entrar o timbale!»
Radu Lupu
A postura descontraida, as costas tão inclinadas para trás que, às vezes, parece que se vai deitar, sem a mínima sugestão de esforço, quase sem mexer os braços, Radu Lupu limita-se a instigar o piano a deitar cá para fora o que lhe vai na alma. Como se deitasse o instrumento na marquesa e lhe perguntasse mansamente: «Ora então de que se queixa?»
12.11.03
Distracções
Segundo os jornais de hoje, os GNR lá partiram para Nasiriyah. Não está mesmo a ver-se que, em português, isso diz-se «Nazaré»?
11.11.03
Violência gratuita
Acabo de saber pela televisão que o ministro Morais Sarmento deu em Timor uma aula sobre lusofonia.
Mas, se os timorenses são nossos amigos, porque este acto hostil?
Mas, se os timorenses são nossos amigos, porque este acto hostil?
10.11.03
Eu não pago 2
Porque é que eu, que não tenho propriedades rurais, hei-de pagar o combate aos fogos florestais?
Porque é que eu, que tenho carro, hei-de pagar os transportes públicos?
Porque é que eu, que sou continental, hei-de pagar o ordenado do Alberto João?
(Se tiverem mais ideias, mandem-nas para cá. Quem sabe se não seremos capaz de criar um movimento verdadeiramente e grandiosamente estúpido, capaz de fazer inveja ao Manuel Monteiro?)
Porque é que eu, que tenho carro, hei-de pagar os transportes públicos?
Porque é que eu, que sou continental, hei-de pagar o ordenado do Alberto João?
(Se tiverem mais ideias, mandem-nas para cá. Quem sabe se não seremos capaz de criar um movimento verdadeiramente e grandiosamente estúpido, capaz de fazer inveja ao Manuel Monteiro?)
Eu não pago
Porque é que eu, que não circulo nas estradas do interior, hei-de pagar as SCUTS?
Porque é que eu, que nunca estive desempregado, hei-de pagar o subsídio de desemprego?
Porque é que eu, que nunca roubei nem fui roubado, hei-de pagar a polícia e os tribunais?
Porque é que eu, que não sou mulher, hei-de pagar o atendimento hospitalar das mulheres grávidas?
Porque é que eu, que nunca estive desempregado, hei-de pagar o subsídio de desemprego?
Porque é que eu, que nunca roubei nem fui roubado, hei-de pagar a polícia e os tribunais?
Porque é que eu, que não sou mulher, hei-de pagar o atendimento hospitalar das mulheres grávidas?
Ai, meu Deus, que se faz tarde!
Dizia-me há uns anos um amigo brasileiro: «Os portugueses são de uma pontualidade britânica». E, como eu o olhasse como se tivesse um parafuso a menos, explicou: «É verdade, sim. Aqui você vai no cinema e começa na hora.»
Como se vê, há quem ache que a nossa descontraida relação com os horários, uma das coisas que pior me faz ao coração, pode ser correctamente apelidada de pontualidade. É tudo uma questão de perspectiva: um dia, não há muito tempo, já nos estivémos onde os brasileiros estão; um dia, mais cedo do que pensamos, estaremos onde os ingleses hoje estão.
Se calhar, nada como a pontualidade mede com tanta precisão o grau de desenvolvimento de um país. De facto, se tempo é dinheiro, falta saber quanto dinheiro vale cada unidade de tempo; e, tendo em conta que o custo de uma hora de ócio é o dinheiro que perdemos por não estarmos a trabalhar, a importância que atribuimos ao chegar a horas varia na razão directa da nossa produtividade.
Sendo assim, o problema da pontualidade resolve-se por si.
Quando li no jornal que um professor universitário português abrira na internet um abaixo-assinado a favor da pontualidade não pude deixar de reagir com emoção, tratando-se de uma cruzada que a me diz tanto. Mas a verdade, caro Professor Ivo Dias de Sousa, é que não vale a pena ralar-se demasiado: esta é mais uma doença nacional que não se resolve com sermões, mas com trabalho.
Como se vê, há quem ache que a nossa descontraida relação com os horários, uma das coisas que pior me faz ao coração, pode ser correctamente apelidada de pontualidade. É tudo uma questão de perspectiva: um dia, não há muito tempo, já nos estivémos onde os brasileiros estão; um dia, mais cedo do que pensamos, estaremos onde os ingleses hoje estão.
Se calhar, nada como a pontualidade mede com tanta precisão o grau de desenvolvimento de um país. De facto, se tempo é dinheiro, falta saber quanto dinheiro vale cada unidade de tempo; e, tendo em conta que o custo de uma hora de ócio é o dinheiro que perdemos por não estarmos a trabalhar, a importância que atribuimos ao chegar a horas varia na razão directa da nossa produtividade.
Sendo assim, o problema da pontualidade resolve-se por si.
Quando li no jornal que um professor universitário português abrira na internet um abaixo-assinado a favor da pontualidade não pude deixar de reagir com emoção, tratando-se de uma cruzada que a me diz tanto. Mas a verdade, caro Professor Ivo Dias de Sousa, é que não vale a pena ralar-se demasiado: esta é mais uma doença nacional que não se resolve com sermões, mas com trabalho.
9.11.03
Shit happens
Cervantes e Shakespeare, para muito boa gente as duas maiores figuras de sempre da literatura europeia, morreram no mesmo dia do mesmo mês do mesmo ano: 16 de Abril de 1616.
Não consigo deixar de pensar que há qualquer coisa de misterioso nesta coincidência. Dá vontade de buscar uma incompreensível relação de causalidade entre os dois acontecimentos, talvez uma conspiração de vírus ou uma vingança cujo segredo se perdeu para sempre. A menos que tenha tudo sido combinado entre os dois, deixando-nos a nós a responsabilidade de descobrirmos o significado gesto.
Não consigo deixar de pensar que há qualquer coisa de misterioso nesta coincidência. Dá vontade de buscar uma incompreensível relação de causalidade entre os dois acontecimentos, talvez uma conspiração de vírus ou uma vingança cujo segredo se perdeu para sempre. A menos que tenha tudo sido combinado entre os dois, deixando-nos a nós a responsabilidade de descobrirmos o significado gesto.
Viagem de ida e volta ao reino da escravatura
De há uns tempos a este parte, tornou-se hábito justificar todas as políticas destinadas a reduzir os direitos de quem trabalha ou a favorecer os interesses de quem manda através do recurso ao imperioso argumento da competitividade externa.
«Nós até gostaríamos de reduzir a precaridade do trabalho, de aumentar o salário mínimo, de melhorar a segurança social, e por aí fora. Mas temos que ver que os países com os quais competimos, sejam eles asiáticos ou do leste europeu, não garentem benefícios equivalentes aos seus trabalhadores, de maneira que, ao fazê-lo, estaríamos a prejudicar a competitividade das nossas empresas, a afastar o capital estrangeiro e a criar condições para aumentar o desemprego em Portugal.» De modo que, embora o ministro Bagão Félix seja um adepto fervoroso da doutrina social da Igreja, é forçado a reconhecer com o coração destroçado que, na prática, ela não se encontra à altura dos acontecimentos. Se até o Papa se engana desta maneira, que haveremos nós de fazer?
Dou por mim às vezes a pensar se, neste contínuo processo de descida aos infernos (pode sempre aparecer um país com legislação laboral pior, e sabe Deus que alguns já a têm bem má), não surgirá um dia um economista a explicar que o melhor será mesmo restaurar a escravatura para assegurar o progresso do país.
«Impossível», dirão alguns optimistas, «toda a gente sabe que o esclavagismo era um regime menos produtivo do que o feudalismo, e este, por sua vez, menos eficiente do que o capitalismo. Foi por isso que o capitalismo triunfou, e este é um ponto em que toda a gente, marxistas incluídos, está de acordo.»
Mas imaginemos, por um instante, que um economista reputado conseguia provar o contrário, ou seja, que seria possível aumentar a produtividade instaurando o esclavagismo. Deveríamos nós seguir o seu conselho? E estaria o ministro Bagão Félix disponível para promulgar toda a legislação necessária?
Pois é, meus amigos, lamento muito informá-los, mas a verdade é que não só esse economista já apareceu, como inclusivamente a excelência da sua investigação foi há anos reconhecida e premiada com o prémio Nobel da Economia. Estou a referir-me a Robert W. Fogel, galardoado em 1993 conjuntamente com Douglas North.
Num conjunto de trabalhos memoráveis, de que se destacam Time on the Cross: The economics of negro slavery e Without Consent or Contract: The rise and fall of american slavery, Fogel demonstrou sem margem para dúvidas que, ao contrário do que muitas vezes se afirma, a escravatura era um regime de trabalho eficiente e rentável. Assim, segundo este autor, está demonstrado que o crescimento económico e tecnológico é perfeitamente possível, mesmo no interior de uma ordem sócio-económica profundamente imoral. Era costume ensinar-se nas faculdades de economia que a escravatura terminara porque constituía um entrave ao progresso, mas isso, pura e simplesmente, não é verdade: a abolição da escravatura resultou da determinação política de muita gente, impulsionada por factores de ordem diversíssima, entre os quais os éticos, para pôr termo à escravatura.
A lição de tudo isto é que a república dos economistas que actualmente vigora entre nós assenta numa combinação de falácias económicas, insensibilidade ética e fraude política. Não será altura de comprarmos o bilhete de regresso?
«Nós até gostaríamos de reduzir a precaridade do trabalho, de aumentar o salário mínimo, de melhorar a segurança social, e por aí fora. Mas temos que ver que os países com os quais competimos, sejam eles asiáticos ou do leste europeu, não garentem benefícios equivalentes aos seus trabalhadores, de maneira que, ao fazê-lo, estaríamos a prejudicar a competitividade das nossas empresas, a afastar o capital estrangeiro e a criar condições para aumentar o desemprego em Portugal.» De modo que, embora o ministro Bagão Félix seja um adepto fervoroso da doutrina social da Igreja, é forçado a reconhecer com o coração destroçado que, na prática, ela não se encontra à altura dos acontecimentos. Se até o Papa se engana desta maneira, que haveremos nós de fazer?
Dou por mim às vezes a pensar se, neste contínuo processo de descida aos infernos (pode sempre aparecer um país com legislação laboral pior, e sabe Deus que alguns já a têm bem má), não surgirá um dia um economista a explicar que o melhor será mesmo restaurar a escravatura para assegurar o progresso do país.
«Impossível», dirão alguns optimistas, «toda a gente sabe que o esclavagismo era um regime menos produtivo do que o feudalismo, e este, por sua vez, menos eficiente do que o capitalismo. Foi por isso que o capitalismo triunfou, e este é um ponto em que toda a gente, marxistas incluídos, está de acordo.»
Mas imaginemos, por um instante, que um economista reputado conseguia provar o contrário, ou seja, que seria possível aumentar a produtividade instaurando o esclavagismo. Deveríamos nós seguir o seu conselho? E estaria o ministro Bagão Félix disponível para promulgar toda a legislação necessária?
Pois é, meus amigos, lamento muito informá-los, mas a verdade é que não só esse economista já apareceu, como inclusivamente a excelência da sua investigação foi há anos reconhecida e premiada com o prémio Nobel da Economia. Estou a referir-me a Robert W. Fogel, galardoado em 1993 conjuntamente com Douglas North.
Num conjunto de trabalhos memoráveis, de que se destacam Time on the Cross: The economics of negro slavery e Without Consent or Contract: The rise and fall of american slavery, Fogel demonstrou sem margem para dúvidas que, ao contrário do que muitas vezes se afirma, a escravatura era um regime de trabalho eficiente e rentável. Assim, segundo este autor, está demonstrado que o crescimento económico e tecnológico é perfeitamente possível, mesmo no interior de uma ordem sócio-económica profundamente imoral. Era costume ensinar-se nas faculdades de economia que a escravatura terminara porque constituía um entrave ao progresso, mas isso, pura e simplesmente, não é verdade: a abolição da escravatura resultou da determinação política de muita gente, impulsionada por factores de ordem diversíssima, entre os quais os éticos, para pôr termo à escravatura.
A lição de tudo isto é que a república dos economistas que actualmente vigora entre nós assenta numa combinação de falácias económicas, insensibilidade ética e fraude política. Não será altura de comprarmos o bilhete de regresso?
8.11.03
A tabloidização do pensamento
«Que geração é esta que considera que não deve contribuir nem de forma simbólica para custear os seus estudos?» Depois de um breve período em que pareceu experimentar ligeiras melhoras, lá volta Helena Matos, no Público de hoje, ao seu desesperado estado normal.
Geração que não contribuiu, nem simbolicamente, para pagar os seus estudos superiores foi a minha, e suponho que também a dela. Exactamente um dos aspectos desagradáveis da actual situação é precisamente que, enquanto a universidade foi um terreno praticamente reservado aos filhos das classes superiores, não se pagava nada; ao passo que agora, que ela se democratizou consideravelmente, essas mesmas classes já consideram que se deve pagar ao menos qualquer coisa. Isto entendo e reconheço eu, apesar de, por outras razões, concordar com o aumento do preço das propinas. Mas, como boa doutrinária, a Helena Matos pouco lhe interessam os factos, apenas as conclusões simplórias que já formulou na sua cabeça, como manda o bom pensamento tablóide de que ela é uma digna representante.
Mas o mais relevante no artigo de Helena Matos é a sua insistência no preconceito estafado de que a actual juventude sofre sobretudo de excesso de mimo e de privilégios. Ora eu acho, pelo contrário, que a convicção de que as vidas dos outros são isentas de privações e dificuldades é o traço psicológico distintivo do autêntico egoista, daquele que não consegue entender, muito menos simpatizar, com o sofrimento alheio. Que os jovens de hoje não conhecem muitos problemas que nos atormentaram há poucas décadas, é uma verdade indiscutível; que conhecem outros, talvez maiores, talvez incomensuráveis, é algo que a mera observação estribada no bom-senso nos permite constatar.
Como estudou a cartilha reaccionária há pouco tempo, Helena Matos segue obedientemente o guião (não teve ainda tempo para elaborar um pensamento próprio, valha-nos isso!), o que a leva a passar em seguida a outro tema querido do seu clube ideológico: o do culto da juventude que considera típico dos nossos tempos.
Ora a senhora está desfasada. O culto da juventude foi uma coisa que despontou na sequência do pós-guerra, correspondendo à transformação demográfica traduzida no enorme peso dos adolescentes nas sociedades ocidentais. Esse tempo acabou há muito, para o bem e para o mal. Hoje, vivemos em sociedades envelhecidas, onde, como bem o demonstra a opinião bem-pensante representada por Helena Matos, a juventude tende a ser apenas tolerada. E, não se duvide, estamos apenas no princípio de um processo.
Com a sua habitual coragem de pacotilha, Helena Matos nada mais faz senão colocar-se disciplinadamente do lado da nova sabedoria oficial.
E, afinal, o que é que a vontade de não pagar propinas tem a ver com o excesso de mimo? Pois não é verdade que também os empresários não querem pagar os impostos, o governo não quer pagar as SCUDs, os automobilistas não querem pagar as portagens, os clubes de futebol não querem pagar os estádios, e por aí fora? Será a falta de carícias o impulso oculto por detrás de todos esses comportamentos?
Ó doutora Helena, francamente! Vá lá pensar melhor no assunto e volte quando tiver uma ideia melhor. E, sobretudo, gaste mais tempo a pensar e menos a alindar a frase.
Geração que não contribuiu, nem simbolicamente, para pagar os seus estudos superiores foi a minha, e suponho que também a dela. Exactamente um dos aspectos desagradáveis da actual situação é precisamente que, enquanto a universidade foi um terreno praticamente reservado aos filhos das classes superiores, não se pagava nada; ao passo que agora, que ela se democratizou consideravelmente, essas mesmas classes já consideram que se deve pagar ao menos qualquer coisa. Isto entendo e reconheço eu, apesar de, por outras razões, concordar com o aumento do preço das propinas. Mas, como boa doutrinária, a Helena Matos pouco lhe interessam os factos, apenas as conclusões simplórias que já formulou na sua cabeça, como manda o bom pensamento tablóide de que ela é uma digna representante.
Mas o mais relevante no artigo de Helena Matos é a sua insistência no preconceito estafado de que a actual juventude sofre sobretudo de excesso de mimo e de privilégios. Ora eu acho, pelo contrário, que a convicção de que as vidas dos outros são isentas de privações e dificuldades é o traço psicológico distintivo do autêntico egoista, daquele que não consegue entender, muito menos simpatizar, com o sofrimento alheio. Que os jovens de hoje não conhecem muitos problemas que nos atormentaram há poucas décadas, é uma verdade indiscutível; que conhecem outros, talvez maiores, talvez incomensuráveis, é algo que a mera observação estribada no bom-senso nos permite constatar.
Como estudou a cartilha reaccionária há pouco tempo, Helena Matos segue obedientemente o guião (não teve ainda tempo para elaborar um pensamento próprio, valha-nos isso!), o que a leva a passar em seguida a outro tema querido do seu clube ideológico: o do culto da juventude que considera típico dos nossos tempos.
Ora a senhora está desfasada. O culto da juventude foi uma coisa que despontou na sequência do pós-guerra, correspondendo à transformação demográfica traduzida no enorme peso dos adolescentes nas sociedades ocidentais. Esse tempo acabou há muito, para o bem e para o mal. Hoje, vivemos em sociedades envelhecidas, onde, como bem o demonstra a opinião bem-pensante representada por Helena Matos, a juventude tende a ser apenas tolerada. E, não se duvide, estamos apenas no princípio de um processo.
Com a sua habitual coragem de pacotilha, Helena Matos nada mais faz senão colocar-se disciplinadamente do lado da nova sabedoria oficial.
E, afinal, o que é que a vontade de não pagar propinas tem a ver com o excesso de mimo? Pois não é verdade que também os empresários não querem pagar os impostos, o governo não quer pagar as SCUDs, os automobilistas não querem pagar as portagens, os clubes de futebol não querem pagar os estádios, e por aí fora? Será a falta de carícias o impulso oculto por detrás de todos esses comportamentos?
Ó doutora Helena, francamente! Vá lá pensar melhor no assunto e volte quando tiver uma ideia melhor. E, sobretudo, gaste mais tempo a pensar e menos a alindar a frase.
Doçura da convalescência
É muito mais agradável recuperar a saúde do que conviver com ela como presença invisível, trivial e inquestionada. Bastam uns breves dias de interrupção do curso natural dos acontecimentos para que muita coisa pareça já lavada e nos revele uma face nova, para que redesperte a percepção embotada pela rotina.
Aí está uma felicidade de que, por definição, não se pode desfrutar no Paraíso.
Aí está uma felicidade de que, por definição, não se pode desfrutar no Paraíso.
7.11.03
Em louvor da gripe
Uma gripe inopinada abriu um brusco hiato no meu dia a dia, essa corrente contínua de busy-ness impositivo a que bravamente me esforço por resistir para conquistar um espaço que seja meu.
Durante dois dias e meio vegetei num estado de semi-inconsciência não inteiramente desagradável. Subitamente, sou dono do meu tempo sem ter sequer que lutar por isso: tudo o que tenho a fazer é deixar-me levar pelos acontecimentos e soltar a fantasia, seguindo o capricho dos meus pensamentos para onde eles me quiserem levar.
E assim sou levado a pensar que a gripe, essa doença amiga entre todas, nunca foi louvada como merece. Bem vistas as coisas, faz muito mais bem que mal.
Da infância, traz-me recordações do Vick-Vaporub ternamente esfregado no peito e das costas. Mais tarde, na adolescência, recorda-me a ambicionada pausa na corveia quotidiana das aulas, o descontraido remanso de manhãs e tardes passadas a ouvir na rádio programas tolos, apresentadores tolos e canções não menos tolas de cuja existência não suspeitara sequer, ou então a reler pela enésima vez os meus Tintins favoritos.
Com o passar da idade, parece-me que se espaçaram as suas visitas amigas. Mas a gripe nunca deixa de, forçando-nos à inactividade, convidar-nos à sabedoria. Algo especialmente bem-vindo quando, adultos convictos da importância dos nossos afazeres profissionais, somos subitamente confrontados com a verdade indesmentível de que não só o mundo continua perfeitamente a girar sem nós, como também nós passamos perfeitamente sem ele, numa espécie de antevisão do lado mais positivo da morte.
A gripe é uma forma especial de preguiça que tem a vantagem de não nos envergonhar perante os outros: quem terá o mau gosto de criticar-nos por estarmos doentes? Mas é uma preguiça intelectualmente mais produtiva, porque nos desperta a atenção para coisas a que usualmente não prestamos atenção, desde os ruidos da rua aos movimentos de entrada e saída no prédio denunciados pelas subidas e descidas dos elevadores. É uma oportunidade única para conversarmos com a mulher-a-dias, para conhecermos o carteiro, para sabermos como ocupam o seu tempo os filhos e o cão, para vermos a televisão à hora do almoço, para participarmos um pouco, enfim, das vidas de outros com quem habitualmente nos cruzamos demasiado de raspão.
Mas eis que, a pouco e pouco, recomecei a pedir os jornais e a espreitar a televisão. A internet teve que esperar mais um pouco, porque sempre dá mais trabalho. Quando, finalmente, volto à blogoesfera, entro em pânico, afligido tanto pela quantidade de posts que deixei de ler como pelos que deixei de escrever.
Acabou-se a boa vida!
Durante dois dias e meio vegetei num estado de semi-inconsciência não inteiramente desagradável. Subitamente, sou dono do meu tempo sem ter sequer que lutar por isso: tudo o que tenho a fazer é deixar-me levar pelos acontecimentos e soltar a fantasia, seguindo o capricho dos meus pensamentos para onde eles me quiserem levar.
E assim sou levado a pensar que a gripe, essa doença amiga entre todas, nunca foi louvada como merece. Bem vistas as coisas, faz muito mais bem que mal.
Da infância, traz-me recordações do Vick-Vaporub ternamente esfregado no peito e das costas. Mais tarde, na adolescência, recorda-me a ambicionada pausa na corveia quotidiana das aulas, o descontraido remanso de manhãs e tardes passadas a ouvir na rádio programas tolos, apresentadores tolos e canções não menos tolas de cuja existência não suspeitara sequer, ou então a reler pela enésima vez os meus Tintins favoritos.
Com o passar da idade, parece-me que se espaçaram as suas visitas amigas. Mas a gripe nunca deixa de, forçando-nos à inactividade, convidar-nos à sabedoria. Algo especialmente bem-vindo quando, adultos convictos da importância dos nossos afazeres profissionais, somos subitamente confrontados com a verdade indesmentível de que não só o mundo continua perfeitamente a girar sem nós, como também nós passamos perfeitamente sem ele, numa espécie de antevisão do lado mais positivo da morte.
A gripe é uma forma especial de preguiça que tem a vantagem de não nos envergonhar perante os outros: quem terá o mau gosto de criticar-nos por estarmos doentes? Mas é uma preguiça intelectualmente mais produtiva, porque nos desperta a atenção para coisas a que usualmente não prestamos atenção, desde os ruidos da rua aos movimentos de entrada e saída no prédio denunciados pelas subidas e descidas dos elevadores. É uma oportunidade única para conversarmos com a mulher-a-dias, para conhecermos o carteiro, para sabermos como ocupam o seu tempo os filhos e o cão, para vermos a televisão à hora do almoço, para participarmos um pouco, enfim, das vidas de outros com quem habitualmente nos cruzamos demasiado de raspão.
Mas eis que, a pouco e pouco, recomecei a pedir os jornais e a espreitar a televisão. A internet teve que esperar mais um pouco, porque sempre dá mais trabalho. Quando, finalmente, volto à blogoesfera, entro em pânico, afligido tanto pela quantidade de posts que deixei de ler como pelos que deixei de escrever.
Acabou-se a boa vida!
4.11.03
Déficite de inteligência
A clique dos economistas, a que me orgulho de pertencer, é muito melhor a diagnosticar problemas do que a resolvê-los.
Por exemplo: eles chamam correctamente a atenção para o facto de que a manutenção de orçamentos fortemente deficitários do sector Estado conduz ao aumento do endividamento público e, normalmente, ao crescimento da dívida externa.
Todavia, eles não entendem nem a origem dos déficites nem as suas causas profundas e, como tal, não estão em condições de sugerir medidas correctivas eficazes. Para isso, seria melhor chamar politólogos ou sociólogos.
Acontece que os déficites são a expressão de conflitos de interesses, uns legítimos, outros nem por isso, que o Estado não é capaz de arbitrar de forma satisfatória. O que há não chega para todos, de modo que a tentativa de satisfazer os diversos grupos de pressão leva a uma escalada da despesa. É por isso que estes problemas acontecem mais quando o Estado é fraco e os poderes fácticos demonstram uma rapacidade incontrolada. Embora oficialmente a luta de classes tenha sido declarada extinta, a verdade é que continua a fazer das suas...
Para reduzir custos, seja numa empresa, seja numa instituição pública, é necessária uma estratégia orientadora. De outro modo, as poupanças que se realizam num lado aumentam as despesas noutro. São as tais «decisões estúpidas» de que muito bem fala a Ministra das Finanças.
É certamente por isso que, apesar de tanta retórica de controlo orçamental e tanto corte espectacular nisto e naquilo, o déficite continua a crescer descontroladamente (segundo alguns, já andará nos 5%) se descontarmos o efeito da contabilidade criativa permitida por Bruxelas.
Por exemplo: eles chamam correctamente a atenção para o facto de que a manutenção de orçamentos fortemente deficitários do sector Estado conduz ao aumento do endividamento público e, normalmente, ao crescimento da dívida externa.
Todavia, eles não entendem nem a origem dos déficites nem as suas causas profundas e, como tal, não estão em condições de sugerir medidas correctivas eficazes. Para isso, seria melhor chamar politólogos ou sociólogos.
Acontece que os déficites são a expressão de conflitos de interesses, uns legítimos, outros nem por isso, que o Estado não é capaz de arbitrar de forma satisfatória. O que há não chega para todos, de modo que a tentativa de satisfazer os diversos grupos de pressão leva a uma escalada da despesa. É por isso que estes problemas acontecem mais quando o Estado é fraco e os poderes fácticos demonstram uma rapacidade incontrolada. Embora oficialmente a luta de classes tenha sido declarada extinta, a verdade é que continua a fazer das suas...
Para reduzir custos, seja numa empresa, seja numa instituição pública, é necessária uma estratégia orientadora. De outro modo, as poupanças que se realizam num lado aumentam as despesas noutro. São as tais «decisões estúpidas» de que muito bem fala a Ministra das Finanças.
É certamente por isso que, apesar de tanta retórica de controlo orçamental e tanto corte espectacular nisto e naquilo, o déficite continua a crescer descontroladamente (segundo alguns, já andará nos 5%) se descontarmos o efeito da contabilidade criativa permitida por Bruxelas.
2.11.03
Passo
Pego no novo romance de uma jovem autora portuguesa exposto em lugar de destaque no escaparate da livraria. A crítica (pelo menos uma parte dela) diz maravilhas, e isso despertou a minha curiosidade.
Logo nas primeiras linhas, é tão evidente o esforço para impressionar o leitor com o virtuosismo da autora que eu fico logo de pé atrás. «Vejam só como eu escrevo bem!», eis a mensagem principal que me é gritada de dentro daquelas páginas. Por mim, está dispensada: não preciso de ler mais.
Decididamente, o exibicionismo estilístico, síndrome que infecta uma parte considerável das nossas letras, é a doença infantil da literatura.
Logo nas primeiras linhas, é tão evidente o esforço para impressionar o leitor com o virtuosismo da autora que eu fico logo de pé atrás. «Vejam só como eu escrevo bem!», eis a mensagem principal que me é gritada de dentro daquelas páginas. Por mim, está dispensada: não preciso de ler mais.
Decididamente, o exibicionismo estilístico, síndrome que infecta uma parte considerável das nossas letras, é a doença infantil da literatura.
Escrever devagar
Será o ritmo da blogoesfera incompatível com a reflexão? Turing Machine acha que não, e eu espero que esteja certo.
Importa-se de repetir?
Já viram a campanha do Ministério das Finanças para nos incitar a pedir factura pelos serviços que adquirimos?
A meu ver, ela só vem comprovar a preguiça mental de quem a encomendou e aprovou.
Senão, vejamos. Todos sabemos que pedir factura, na grande maioria das situações, não tem nenhuma vantagem para o consumidor. Em contrapartida, tem um grande inconveniente: com factura, o serviço fica mais caro, porque o fornecedor é obrigado a acrescentar-lhe o IVA.
Logo, o que a campanha verdeiramente diz, é: «Se você pagar o IVA, nós provavelmente vamos receber esse dinheiro». Como promessa, não está mal pensado.
A meu ver, ela só vem comprovar a preguiça mental de quem a encomendou e aprovou.
Senão, vejamos. Todos sabemos que pedir factura, na grande maioria das situações, não tem nenhuma vantagem para o consumidor. Em contrapartida, tem um grande inconveniente: com factura, o serviço fica mais caro, porque o fornecedor é obrigado a acrescentar-lhe o IVA.
Logo, o que a campanha verdeiramente diz, é: «Se você pagar o IVA, nós provavelmente vamos receber esse dinheiro». Como promessa, não está mal pensado.
Lock-in
O peso de Pacheco Pereira como político resulta de ser jornalista.
A influência de Pacheco Pereira como jornalista resulta de ser político.
A influência de Pacheco Pereira como jornalista resulta de ser político.
Tiro ao boneco
É oficial: o Flash-back está de regresso, agora na SIC, e José Magalhães consegue conservar o seu lugar de punching-ball. É justo, tendo em conta as provas dadas ao longo dos últimos anos.
Em que ficamos?
Pacheco Pereira é deputado ou jornalista?
Como deputado, não lhe conheço em década e meia de actividade, primeiro na Assembleia da República, depois no Parlamento Europeu, qualquer iniciativa parlamentar de relevo.
Como jornalista, semana após semana, escreve no Público, perora na TSF, sentencia na SIC, sem esquecer que quotidianamente bloga no seu blogue. Toda a gente que escreve sabe que isto toma muito tempo, a maior parte do qual gasto a recolher e organizar informação.
Afinal, em que ficamos: deputado ou jornalista?
Como deputado, não lhe conheço em década e meia de actividade, primeiro na Assembleia da República, depois no Parlamento Europeu, qualquer iniciativa parlamentar de relevo.
Como jornalista, semana após semana, escreve no Público, perora na TSF, sentencia na SIC, sem esquecer que quotidianamente bloga no seu blogue. Toda a gente que escreve sabe que isto toma muito tempo, a maior parte do qual gasto a recolher e organizar informação.
Afinal, em que ficamos: deputado ou jornalista?
Assim, sim
A TSF dedica a sua emissão da manhã de sábado a Évora. A dada altura, vai para a rua perguntar aos eborenses o que acham de haver uma universidade na cidade. Que sim, que é muito bom para o comércio, que os estudantes trazem muito movimento aos cafés e às lojas...
No debate que se segue, o reitor congratula-se com o teor das opiniões recolhidas, e a conversa prossegue no mesmo tom.
Temos, então, que a missão do ensino universitário é, fundamentalmente, a protecção do pequeno comércio. Registo, consolado, que, afinal, a cultura sempre serve para alguma coisa. Assim sendo, o futuro das universidades está assegurado, e talvez fosse boa ideia passar a sua tutela para a Secretária de Estado do Comércio.
Bendita a pátria que tais universidades dá ao mundo!
No debate que se segue, o reitor congratula-se com o teor das opiniões recolhidas, e a conversa prossegue no mesmo tom.
Temos, então, que a missão do ensino universitário é, fundamentalmente, a protecção do pequeno comércio. Registo, consolado, que, afinal, a cultura sempre serve para alguma coisa. Assim sendo, o futuro das universidades está assegurado, e talvez fosse boa ideia passar a sua tutela para a Secretária de Estado do Comércio.
Bendita a pátria que tais universidades dá ao mundo!
1.11.03
Português, demasiado português.
Deito uma olhada à primeira página do Expresso, vejo as notícias sobre o príncipe saudita que alegadamente comprou as dívidas ao fisco (lendo a notícia percebe-se que a afirmação é, em rigor, falsa), a investigação pela Judiciária de um preço de favor a Vieira (o Vieira, não estão a ver?), a viagem de Cinha aos EUA acompanhando Portas (é a isso que se chama escorting?), o aluguer do Panteão que só custou mil euros e outros temas palpitantes, e dou comigo a pensar como é brega a classe dirigente que se revê neste jornal «de referência».
Virando a página, confronto-me mais uma vez com o esplondoroso mau gosto do arranjo gráfico deste periódico, exacerbado pela intromissão, nos espaços mais nobres do jornal, de pequenos anúncios que desarranjam o lay-out e misturam os temas centrais da política nacional com o kitsch quotidiano. Em que outra parte do mundo é possível encontrar-se outra coisa assim? Talvez no Iraque do Saddam houvesse disto, mas agora já devem ter evoluído um bocadito.
Mais adiante, do alto da página cinco, Saraiva, o Sábio, inflinge-nos mais uma vez os seus pensamentos profundos de mestre-escola reformado. O seu assunto preferido é: «Eu bem vos disse!» Prevendo que a política portuguesa vai seguir as suas medíocres opiniões, é claro que ele acerta sempre.
E a coisa continua por ali fora, sempre no mesmo estilo pomposo, maçador e consistentemente destituído de ideias, polvilhado de comentadores institucionais cuja principal mensagem é lembrar-nos que existem.
Um estrangeiro pergunto-me certa vez porque é que os portugueses gostam tanto de sacos de plástico, originalidade que nos aproxima dos russos, esse povo irmão que habita o outro extremo do Continente. Os russos sei eu que criaram esse hábito porque, num país onde havia bichas para comprar quase tudo, levar um saquito de plástico no bolso pode dar muito jeito quando por acaso se encontra uma aberta. Mas, em Portugal, continua a ser para mim um mistério o entusiasmo que toma as multidões quando as caravanas dos partidos destribuem sacos durante as campanhas eleitorais.
Seja como for, resultou daí uma outra originalidade portuguesa, que é esta de um semanário consistir numa colecção de maços independentes de papel atafulhados num saco de plástico que nos desarruma a casa durante todo o fim de semana. Que tal experimentar aquela fórmula estafada, exaustivamente testada em países menos originais, consistente em agrafar os cadernos e inseri-los numa capa?
No ponto a que as coisas chegaram, eu já tenho vergonha de ser visto na rua carregando o Expresso dentro do saquito de plástico. É que é degradante e parece mal. «Ah! Mas então porque o compras tu?» E eu lá respondo, meio acabrinhado, com receio de que pareça estar apenas a inventar uma desculpa, que a coluna de opinião do José Cutileiro vale bem os 2,90 euros.
Virando a página, confronto-me mais uma vez com o esplondoroso mau gosto do arranjo gráfico deste periódico, exacerbado pela intromissão, nos espaços mais nobres do jornal, de pequenos anúncios que desarranjam o lay-out e misturam os temas centrais da política nacional com o kitsch quotidiano. Em que outra parte do mundo é possível encontrar-se outra coisa assim? Talvez no Iraque do Saddam houvesse disto, mas agora já devem ter evoluído um bocadito.
Mais adiante, do alto da página cinco, Saraiva, o Sábio, inflinge-nos mais uma vez os seus pensamentos profundos de mestre-escola reformado. O seu assunto preferido é: «Eu bem vos disse!» Prevendo que a política portuguesa vai seguir as suas medíocres opiniões, é claro que ele acerta sempre.
E a coisa continua por ali fora, sempre no mesmo estilo pomposo, maçador e consistentemente destituído de ideias, polvilhado de comentadores institucionais cuja principal mensagem é lembrar-nos que existem.
Um estrangeiro pergunto-me certa vez porque é que os portugueses gostam tanto de sacos de plástico, originalidade que nos aproxima dos russos, esse povo irmão que habita o outro extremo do Continente. Os russos sei eu que criaram esse hábito porque, num país onde havia bichas para comprar quase tudo, levar um saquito de plástico no bolso pode dar muito jeito quando por acaso se encontra uma aberta. Mas, em Portugal, continua a ser para mim um mistério o entusiasmo que toma as multidões quando as caravanas dos partidos destribuem sacos durante as campanhas eleitorais.
Seja como for, resultou daí uma outra originalidade portuguesa, que é esta de um semanário consistir numa colecção de maços independentes de papel atafulhados num saco de plástico que nos desarruma a casa durante todo o fim de semana. Que tal experimentar aquela fórmula estafada, exaustivamente testada em países menos originais, consistente em agrafar os cadernos e inseri-los numa capa?
No ponto a que as coisas chegaram, eu já tenho vergonha de ser visto na rua carregando o Expresso dentro do saquito de plástico. É que é degradante e parece mal. «Ah! Mas então porque o compras tu?» E eu lá respondo, meio acabrinhado, com receio de que pareça estar apenas a inventar uma desculpa, que a coluna de opinião do José Cutileiro vale bem os 2,90 euros.
Eu vi a Luz
Diz-se que uma pessoa pode mudar de mulher ou de país, mas só um patife muda de clube de futebol. Ora o Benfica acaba de eleger seu presidente um homem assim.
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