8.11.03

A tabloidização do pensamento

«Que geração é esta que considera que não deve contribuir nem de forma simbólica para custear os seus estudos?» Depois de um breve perí­odo em que pareceu experimentar ligeiras melhoras, lá volta Helena Matos, no Público de hoje, ao seu desesperado estado normal.

Geração que não contribuiu, nem simbolicamente, para pagar os seus estudos superiores foi a minha, e suponho que também a dela. Exactamente um dos aspectos desagradáveis da actual situação é precisamente que, enquanto a universidade foi um terreno praticamente reservado aos filhos das classes superiores, não se pagava nada; ao passo que agora, que ela se democratizou consideravelmente, essas mesmas classes já consideram que se deve pagar ao menos qualquer coisa. Isto entendo e reconheço eu, apesar de, por outras razões, concordar com o aumento do preço das propinas. Mas, como boa doutrinária, a Helena Matos pouco lhe interessam os factos, apenas as conclusões simplórias que já formulou na sua cabeça, como manda o bom pensamento tablóide de que ela é uma digna representante.

Mas o mais relevante no artigo de Helena Matos é a sua insistência no preconceito estafado de que a actual juventude sofre sobretudo de excesso de mimo e de privilégios. Ora eu acho, pelo contrário, que a convicção de que as vidas dos outros são isentas de privações e dificuldades é o traço psicológico distintivo do autêntico egoista, daquele que não consegue entender, muito menos simpatizar, com o sofrimento alheio. Que os jovens de hoje não conhecem muitos problemas que nos atormentaram há poucas décadas, é uma verdade indiscutí­vel; que conhecem outros, talvez maiores, talvez incomensuráveis, é algo que a mera observação estribada no bom-senso nos permite constatar.

Como estudou a cartilha reaccionária há pouco tempo, Helena Matos segue obedientemente o guião (não teve ainda tempo para elaborar um pensamento próprio, valha-nos isso!), o que a leva a passar em seguida a outro tema querido do seu clube ideológico: o do culto da juventude que considera tí­pico dos nossos tempos.

Ora a senhora está desfasada. O culto da juventude foi uma coisa que despontou na sequência do pós-guerra, correspondendo à transformação demográfica traduzida no enorme peso dos adolescentes nas sociedades ocidentais. Esse tempo acabou há muito, para o bem e para o mal. Hoje, vivemos em sociedades envelhecidas, onde, como bem o demonstra a opinião bem-pensante representada por Helena Matos, a juventude tende a ser apenas tolerada. E, não se duvide, estamos apenas no princí­pio de um processo.

Com a sua habitual coragem de pacotilha, Helena Matos nada mais faz senão colocar-se disciplinadamente do lado da nova sabedoria oficial.

E, afinal, o que é que a vontade de não pagar propinas tem a ver com o excesso de mimo? Pois não é verdade que também os empresários não querem pagar os impostos, o governo não quer pagar as SCUDs, os automobilistas não querem pagar as portagens, os clubes de futebol não querem pagar os estádios, e por aí­ fora? Será a falta de carícias o impulso oculto por detrás de todos esses comportamentos?

Ó doutora Helena, francamente! Vá lá pensar melhor no assunto e volte quando tiver uma ideia melhor. E, sobretudo, gaste mais tempo a pensar e menos a alindar a frase.

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