12.7.05

Manuel Maria

«Verdeil tinha já voltado com o seu reverendo numismata, e havia também recrutado o vice-rei da Índia, D. Frederico de Sousa Calhariz, um conde Lucatelli, fanfarrão piemontês ou saboiano, seu inseparável companheiro, e um moço pálido, franzino e de aspecto singular, o senhor Manuel Maria, o mais extravagante e talvez o mais original dos poetas, que Deus tem criado.

«Aconteceu estar ele numa dessas excêntricas e exaltadas disposições de espírito, que, como o Sol no rigor do Inverno, aparecem quando menos se espera. Mil agudos conceitos, mil alegres e estouvados repentes, mil dardos satíricos, saíam da sua boca, e nós estávamos em convulsões de riso; porém, quando ele começou a recitar algumas das suas composições, em que a grande profundidade do pensamento se alia aos mais patéticos lances, senti-me comovido e agitado. Deste estranho volúvel carácter é que se pode dizer que possui o verdadeiro condão mágico com que, segundo lhe apraz, ora nos anima, ora nos petrifica!

«Percebendo quanto eu me sentia atraído para ele, disse-me Manuel Maria:

«’- Eu não esperava que um inglês condescendesse em prestar atenção alguma a um versificador moço, obscuro e moderno. Os senhores pensam que nós não temos nenhum outro poeta além de Camões, e que Camões não escreveu nada digno de menção senão os Lusíadas.’»

William Beckford: Viagens a Portugal, 1787.

O Manuel Maria aqui retratado é, evidentemente, Bocage. É este talvez o testemunho mais vivo que dele nos restou.

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