Desde que este blogue existe, nunca até agora me sucedeu criticar as acções do Governo de Israel. Deixam-me indiferente, portanto, as gratuitas acusações de anti-semitismo que os auto-denominados amigos da causa judaica por estes dias disparam em todas as direcções.
Obviamente, não acho normal que um exército irregular mate e rapte soldados israelitas a partir de um país vizinho. Mas ainda menos normal me parece a reacção sem precedentes do governo israelita, visto que, diga-se o que se disser, do que se trata desde o primeiro dia é de um brutal e, na prática, indiscriminado bombardeamento sobre áreas residenciais, instalações fabris, estradas, portos e aeroportos destinado a aterrorizar as populações do Sul do Líbano. Se, por acaso, algum militar inimigo for morto, tratar-se-á, aí sim, de um autêntico dano colateral.
Ao contrário do que alguns cómicos têm alegado (e hoje o próprio Shimon Perez afirmou no Knesset), não está em causa neste conflito a sobrevivência de Israel. Actualmente, nem o Egipto, nem a Jordânia, nem o Líbano contestam o direito à existência do Estado de Israel. A Síria está remetida à defensiva. A Autoridade Palestiniana encontra-se esfrangalhada. Internacionalmente, o Hizbolá apenas é apoiado pelo Irão.
Ademais, em termos puramente militares, está demonstrado que a imensa artilharia do Hizbolá faz mais barulho do que danos. Onde, então, a ameaça à sobrevivência de Israel?
O objectivo estratégico desta guerra do ponto de vista de Israel está há dias claro para todos. Trata-se de, na sequência da catástrofe humanitária provocada pelos seus ataques, forçar uma intervenção internacional no Líbano. Esperam assim os israelitas passar para cima de outrém os custos militares e humanos de uma ocupação que, dada a fracassada experiência anterior, eles não estão dispostos a assumir.
Mais grave ainda, é manifesto que os neocons da Administração Bush, há meses remetidos à defensiva, viram aqui uma oportunidade de relançarem o seu plano para reduzirem a cacos o Próximo Oriente. Deveria ser evidente que a repetição da táctica do "choque e espanto" adoptada na invasão do Iraque provocará as mesmas consequências no Líbano, mas burro velho não aprende línguas.
Do ponto de vista da correlação de forças na região, o resultado mais evidente é, desde já, o crescente protagonismo do Irão, o qual alcança assim o objectivo estratégico de se posicionar como o grande campeão da causa palestiniana, ao mesmo tempo que alivia a pressão sobre a incomodativa questão do seu armamento nuclear. Com a desastrada cumplicidade dos EUA, e perante o desespero dos muçulmanos sunitas e das forças laicas, alarga-se de forma evidente a esfera de influência xiita.
A prazo, Israel não tem nada a ganhar com a evolução que se vislumbra - e terá certamente muito a perder.
Mas essas considerações são, na actual fase, claramente secundárias para os Estados Unidos, os quais parecem interessados em forçar a todo o custo o confronto directo com Teerão. Por isso, após uma breve desorientação, incitam pela voz de Condoleezza Rice Israel a não aceitar nenhum cessar-fogo enquanto não estiver assegurada a derrota do Hizbolá. Ou seja, enquanto o Estado libanês não ruir por inteiro.
Ontem, a Casa Branca teve a insensatez de anunciar um auxílio ao Líbano no valor de 100 milhões de dólares para apoiar a reconstrução do país, isto no mesmo momento em que as bombas inteligentes de fabrico americano continuam a ser lançadas. Em síntese: pão numa mão, pontapé na outra. Alguém duvida de que estes actos imbecis fazem mais para minar o prestígio internacional dos EUA do que décadas de propaganda dos fanáticos islamistas?
25.7.06
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