2.7.06

O que há para perceber

Perguntou Vasco Pulido Valente há dias o que é que, afinal, há para perceber no futebol. Trata-se de uma questão pertinente, tão pertinente como perguntar-se o que é que há, afinal, para perceber na história, ao ponto de algumas pessoas dedicarem toda a sua vida a essa ingrata tarefa.

Há várias maneiras de encarar o problema.

Para os que verdadeiramente fazem a história, como para os que fazem o futebol, para Napoleão como para Maradona, não se trata de coisas que se discutam, mas de coisas que se fazem. Do lado dos seus apoiantes incondicionais, a situação não é muito distinta, dado que o modo faccioso consiste precisamente numa quase absoluta ausência de distanciação crítica em relação aos actores que se apoia.

Mas é claro que essas atitudes não esgotam todas as possibilidades. Em modo estético, é possível apreciar-se de um modo desprendido as fintas do Zidane ou os crimes de César Bórgia. Este último exemplo, aliás, pode também ser encarado como uma manifestação do modo meritocrático que incita um observador imparcial a apreciar um jogador que, fazendo fita, arranca a expulsão de um adversário ou uma táctica mesquinha que atinge os seus objectivos.

O entendimento não interfere tanto na atitude quase budista com que eu contemplei a maioria dos jogos da fase de grupos do Mundial. Ausente qualquer inclinação por um dos contendores, é possível apreciar-se um jogo de futebol com o mesmo grau de exaltação suscitado por um aquário de peixinhos tropicais: uma pessoa aprecia o colorido do espectáculo e os elegantes movimentos dos participantes e deixa-se mergulhar num estado de doce e despreocupada meditação.

Saltando para abreviar razões por cima de uma variedade de outras nuances, chegamos finalmente ao modo reflexivo, esse que assalta as mentes vulneráveis dos que acreditam que é possível vislumbrar uma lógica na história ou uma finalidade suprema no futebol.

Já sabemos que se trata de nefastas ilusões, mas - que querem? - temos todos o estrito dever de respeitar as opiniões alheias, por muito excêntricas que elas se nos afigurem.

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