4.3.07

A Situação

Não tenho uma opinião formada sobre qual das duas soluções teria sido melhor para a economia portuguesa no caso da OPA da Sonae.com sobre a PT.

Acredito que a Sonae tornaria a PT numa empresa mais enxuta. Isso seria bom para os accionistas, mas não necessariamente para os clientes: porque os preços dependem mais da concorrência do que dos custos, e porque não me impressionam muito as competências do candidato a comprador no que respeita a qualidade do serviço.

Acresce que pessoas conhecedoras do assunto asseguram ser esta uma má altura para se vender a participação da PT na Vivo, algo que Belmiro imprescindivelmente teria que fazer para conseguir suportar o endividamento exigido pela operação.

Uma das coisas boas do mercado, porém, é que, para que as coisas corram bem, não é preciso haver alguém omnisciente a decidir o que deve ser feito. Entrega-se o caso aos interessados, e eles resolverão o melhor que podem e sabem.

Ora, o que o Governo fez foi impedir que isso pudesse acontecer. É facto que, mesmo que o Estado e a CGD tivessem ambos votado a favor da desblindagem dos estatutos, isso não teria sido suficiente para alterar o sentido do voto. Porém, o Estado não influencia o desenlace de uma operação destas apenas com o seu voto, mas também com os sinais que envia às partes interessadas, e estas entenderam perfeitamente que o Governo não queria ir por ali.

Foi além do mais infeliz a decisão de o Estado se abster ao mesmo tempo que a Caixa votava contra. Toda a gente entendeu como esperteza saloia essa tentativa de simular neutralidade. Ser neutral, neste caso, significaria votar a favor da desblindagem e deixar depois que os potenciais compradores e vendedores fizessem livremente as suas escolhas.

De modo que o resultado final pode ser resumido em poucas palavras: uma vez mais, o Estado colocou-se do lado dos interesses do grupo Espírito Santo; uma vez mais, como já acontecera aquando da privatização da banca e da segunda fase da privatização da Portucel, o Estado hostilizou a Sonae. Confirma-se que dá muito jeito ter sede em Lisboa e, de preferência, garantir ministros amigos no Governo.

Vira o disco e toca o mesmo: em Portugal, continua a ser o Estado - e pouco interessa qual o Governo da altura - que decide quem enriquece e quem empobrece, quem tem ou não acesso ao poder económico, quem pode ou não controlar os sectores económicos protegidos da concorrência que proporcionam rendas mais apetecíveis.

Há semanas, o pobre Manuel Pinho foi crucificado, primeiro pela opinião pública, depois pelo primeiro-ministro em privado, por ter proclamado numa visita à China que a conversa do esforço de qualificação da mão de obra portuguesa não passava de um slogan vazio para iludir os ingénuos.

Agora, é o próprio Sócrates quem, ao colaborar no boicote à OPA da Sonae.com sobre a PT, confessa que os sermões que diariamente nos serve sobre a necessidade de estimular a competitividade e de premiar a capacidade empresarial não são para tomar a sério.

Em Portugal, os bons negócios são para os que mantêm relações próximas com o poder. Chama-se isso a Situação. Destituído de uma ideia estratégica clara e rodeado de uma corte de ministros em que conta mais a obediência ao chefe do que a competência, não creio que o chefe de governo esteja em condições de libertar-nos dela.

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