23.4.08

Modesta proposta



Um ex-banqueiro reconvertido à actividade editorial repetia ontem na SIC-Notícias pela enésima vez a enjoativa pergunta: "Por que é que os portugueses são muito produtivos no Luxemburgo e não no seu país?" A que logo se seguiu a explicação tranquilizadora: "Trata-se de um problema de liderança e organização, não de um defeito dos trabalhadores".

Exaltar os feitos dos emigrantes extra-muros cai sempre muito bem: não só iliba a raça de eventuais suspeitas de inferioridade como nos enche a todos de confiança no futuro da grei.

Infelizmente, não é verdade que os emigrantes portugueses se destaquem "lá fora" pelos seus feitos profissionais ou outros. Anos ou gerações após a partida, os lusitanos continuam maioritariamente a ser biscateiros ou lojistas, perdendo claramente na ascensão social para outras nações, como por exemplo a turca, que eles no entanto tendem a olhar com sobranceria.

É evidente que os nossos compatriotas partem de cá com um sério handicap cultural de origens antigas e complexas, bem ilustrado pelo facto de no nosso torrão se ler proporcionalmente menos jornais diários do que na desprezada Turquia.

Claro que, se formos a ver, os portugueses que constituem a maioria da população activa do Luxemburgo não se destacam, salvo excepções que até são notícia nos jornais, por ocuparem as profissões mais qualificadas e produtivas. Um empregado de café no Luxemburgo só é "mais produtivo" do que um empregado de café em Portugal no sentido em que, possuindo o país um maior nível de vida, o consumo dos clientes dos cafés permite pagar lá salários mais elevados do que cá.

Não deixa porém de ser verdade que a superior capacidade de organização da sociedade luxemburguesa lhe permite aumentar a produtividade inclusive dos trabalhadores menos qualificados entre os quais os portugueses se encontram. E de onde vem essa superior capacidade organizativa? Ora, de uma cultura mais aberta à iniciativa empresarial, ao rigor e ao planeamento.

Chegados aqui, só falta esclarecer como se haverá de transplantar essa cultura para Portugal. Já se sabe que há muitas soluções para este problema, porém todas pouco ou nada práticas.

Ao fim de muito matutar no assunto, ocorreu-me uma ideia cujos méritos me parecem evidentes: por que não trocarmos de lugar com o Luxemburgo, ou seja, por que não mudar Portugal para o espaço geográfico ocupado pelo Luxemburgo e convencê-los a eles a virem para cá?

Em princípio, é concebível a existência de um país atrasado no centro da Europa; na prática, porém, isso não existe. Por outro lado, podemos imaginar nações progressivas posicionadas nas periferias do mundo civilizado; mas as escassas excepções conhecidas devem-se a causas muito especiais.

De modo que, passando nós todos a residir e a trabalhar numa região situada a dois passos de Paris, Londres, Bruxelas, Amesterdão, Berna, Munique e Milão, prevejo que dentro de aproximadamente um século nos tornariamos cultos, educados, produtivos e incapazes de deitar um papel para o chão. Quanto aos luxemburgueses, ficariam também irreconhecíveis, mas por razões opostas; suponho que até deixariam crescer a unha do dedo mindinho.

Moral da história: a localização geográfica é o principal factor explicativo da disparidade de níveis de desenvolvimento de região para região, na medida em que ela condiciona o acesso à cultura, ao know-kow e aos mercados. E, contra isso, batatas.

Se não têm paciência para aturar isto, mudem-se já para o Luxemburgo.

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