25.4.10

Em louvor do vanguardismo estético

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Três vezes por ano, como que para cumprir calendário, os dirigentes máximos de um país notoriamente carente de um desígnio comum, são forçados a fingir que sabem o que é preciso fazer-se.

Os portugueses adoram cerimónias, mas são maus a organizar cerimónias. Adoram retórica, mas são péssimos em retórica. Dão-se mal com o pensamento estruturado e racional – mas neste ponto, ao menos, o resultado não diverge do propósito.

O Presidente da República iniciou o seu discurso de hoje apontando muito justamente a crescente desigualdade como o problema número um do país, mas acabou propondo o “vanguardismo estético” e outras panaceias um tanto pírulas copiadas de revistas internacionais como a via justa.

Poucos observadores – disso podemos estar certos – notarão a contradição. Ninguém exige coerência entre o diagnóstico e o propósito, nem espera que ele se traduza em acção consistente.

Qualquer emaranhado de lugares comuns e intenções piedosas passa entre nós por diagnóstico aceitável. O que excita o público é “as medidas”, mesmo que nulamente fundamentadas, ou seja, mesmo que permaneça misterioso o modo como contribuirão para a resolução dos problemas identificados.

António Vieira, uma notável excepção à regra da nossa medíocre oratória, acreditava que “um sermão deve ter um só assunto, uma só matéria, um só tema”. Falar alguém de tudo e mais umas botas é a prova mais evidente que não tem nada de substancial para nos dizer.
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1 comentário:

Anónimo disse...

(...) um só assunto, uma só matéria, um só tema (...) - assim como uma "unique selling proposition" ?

Anónimo "do 1º ao 7º (...)"