6.4.10

O preço de um homem

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Quem estas linhas escreve não só não se sente pessoalmente incomodado com a riqueza dos seus semelhantes como tende a olhar com comiseração aqueles que tomam como objectivo de vida a acumulação de colossais fortunas.

Dito isto, concordo haver bons argumentos contra a atribuição de remunerações tão exageradas como as auferidas por um alguns gestores de grandes empresas portuguesas.

O primeiro é de índole puramente económica: não vejo como podem justificar-se rendimentos trezentas a quatrocentas vezes superiores ao salário mínimo com base na produtividade diferencial dos diversos tipos de trabalho.

O segundo, que vai na mesma linha, sustenta que isso só é possível mercê da usupação por um pequeno núcleo de indivíduos do poder que deveria estar nas mãos da maioria dos accionistas.

O terceiro, pouco ouvido na actual conjuntura ideológica, faz notar o enorme poder de influência política e social que vencimentos milionários suficientes para avençar um pequeno exército de jornalistas proporciona aos seus titulares.

A estes três acrescentaria eu um outro pelo menos tão decisivo e que resumirei afirmando não ser do interesse dos proprietários de uma empresa confiarem a condução dos seus destinos a gente que se destaca pela sua particular ganância.

Uma abundante literatura de investigação demonstra que os melhores gestores são pessoas apaixonadas pelo seu trabalho ao ponto de o assumirem, com razão ou sem ela, como uma contribuição decisiva para a melhoria da sociedade num ou noutro aspecto.

As empresas mais lucrativas não são as excessivamente focalizadas no lucro, mas as movidas por uma paixão. Os gestores que melhores resultados produzem não são os que se motivam por prémios, mas os que assumem com entusiasmo as suas responsabilidades e se esforçam por comunicá-lo àqueles que com eles trabalham.

De gestores obcecados pela riqueza superlativa podemos esperar que não respeitem os direitos dos clientes, dos colaboradores, dos investidores e da comunidade em geral e que, sempre que a ocasião se proporcione, não percam uma oportunidade de iludir a boa fé de quem neles depositou confiança.

Como argumento contra os grandes vencimentos, parece-me que chega e sobra.
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5 comentários:

jj.amarante disse...

Outra vez em acordo completo com o teu texto. O que eu acho estranho é que o Partido Socialista, tributário da social-democracia, se mostre tão complacente com os aumentos sucessivos que se têm verificado nos prémios dos gestores das empresas públicas ou em que o estado tem uma participação importante. Já estamos em pleno overshoot, no que respeita à compensação dos leques salariais reduzidíssimos que ocorreram há décadas.

João Pinto e Castro disse...

Os gestores das empresas públicas não têm prémios.

Helena Garrido disse...

Caro João Pinto e Castro,
concordo com toda a sua avaliação com uma excepção, o que diz sobre os jornalistas - que pode obviamente ser suspeita de corporativa.Pode aliá ver que este foi um debate no Negócios há pouco mais de um ano http://www.jornaldenegocios.pt/index.php?template=SHOWNEWS&id=360242

João Pinto e Castro disse...

Helena, falo de "jornalistas", não de "os jornalistas". Faz toda a diferença, creio.

Francisco Clamote disse...

Dizer que concordo é pouco. Brilhante a exposição e a argumentação.