28.5.10

O perfeito fato para marrecos

.


Desde que recomecei a andar de bicicleta, tive oportunidade de surpreender-me com a parafernália de adereços exibidos pelos ciclistas que, ao fim de semana, se passeiam à beira-rio, incluindo blusões, camisas e calças garridas, capacetes espampanantes, sapatos hi-tec e um nunca acabar de guiadores e selins especiais, luvas, óculos, lenços, pulseiras, fitas, cantis e bolsas.

Muitas vezes, o custo do merchandising ostentado excede claramente o da bicicleta elementar importada da China em que se empoleiram.

Confirma-se, portanto, que os pequeno-burgueses meus compatriotas são uns cagões, sempre dispostos a gastar pequenas fortunas em merdices com o único propósito de alardearem a sua suposta prosperidade.

Dito isto, não me impressiona menos escutar os insistentes apelos dirigidos pelos moralistas de serviço à moderação do consumismo e ao espírito de poupança como forma de ajudar o país a reduzir o seu endividamento. Não é que discorde do propósito, mas parece-me votado ao fracasso o meio escolhido, ou seja, o sermão apelando à reforma dos costumes e das mentalidades.

Primeiro, a necessidade de ostentação tem ela própria causas objectivas. Quanto mais acentuada a polarização social, maior o desejo que o cidadão comum sente de se demarcar dos pobres e de imitar o que considera ser o estilo de vida da mirífica "classe média". Logo, o apelo a que cada qual ajuste o seu nível de consumo às respectivas posses só acentua a vontade de se demonstrar que se tem essas ditas posses.

Segundo, salvo raras excepções, as pessoas que se endividam parece que têm de facto capacidade de endividamento, como se prova pelo facto de ser muito baixo o crédito mal-parado. Logo, perante apelos deste tipo, as famílias indignam-se com a irresponsabilidade das "outras" e continuam a consumir como sempre consumiram.

Porque a verdade é esta: os consumidores individualmente considerados têm capacidade de endividamento, o país é que não tem. E por quê? Ora, porque a zona euro nos impôs ao longo dos anos uma taxa de juro demasiado baixa para as realidades do nosso mercado, tal como impôs aos alemães uma taxa demasiado alta para as realidades do mercado deles.

Por outras palavras, a soma dos comportamentos microeconómicos determinado pelos incentivos à poupança, ao investimento e ao consumo é incompatível com os nossos condicionalismos macroeconómicos.

O perfeito fato para marrecos, portanto.
.

1 comentário:

Anónimo disse...

Gostei do equipamento...