14.6.04

O império da tonteria

Alguém que todos semanalmente aturamos insurgiu-se há dias contra o facto de alguns media declararem Reagan uma personagem «controversa».

Decididamente, não se pode fazer concessões à direita: o adjectivo «controverso» é um eufemismo, dado que seria mais exacto chamar-lhe «simplório». (Pensando bem, este é outro eufemismo.)

Reagan surgiu no aftermath de uma época singularmente complexa, que reduziu a pó os velhos preconceitos e instaurou um ambiente de extraordinária inovação social. Nos espíritos mais frágeis instalou-se então uma perplexidade generalizada, até porque algumas das novas ideias levantavam legítimas desconfianças quanto à sua viabilidade prática.

O mundo em geral, e a América em particular, ansiavam por um Grande Simplificador, um ingénuo essencial repleto de certezas que lhe restituisse a tranquilidade de espírito. Quem melhor para desempenhar esse papel do que alguém que, no plano pessoal, era suficientemente ignorante para acreditar piamente nas trivialidades que proferia e, no plano simbólico, representava na perfeição o esplendoroso paraíso em écrã gigante e Technicolor em que os anos 50, vistos à distância, entretanto se haviam tornado?

Enquanto ícone da cultura popular americana, Reagan situa-se no mesmo plano que Elvis Presley, e a devoção que o povo lhe dedica é, aliás, do mesmo tipo. Nada de especialmente grave, dir-se-ia, não fosse dar-se o caso de o seu maniqueismo primário ter entretanto sido erigido em doutrina orientadora da política externa da maior potência mundial.

Diz-se agora (outro eufemismo) que Reagan não era um intelectual. A verdade é que tudo o que ele sabia sobre política aprendera-o nos filmes da série B. Gorbatchov conta como as conversas entre ambos começavam sempre pelos filmes de extra-terrestres e a necessidade de a América e a União Soviética se unirem para fazerem frente à ameaça dos homenzinhos verdes.

Que interessa isso hoje? Não se esqueçam que foi Reagan quem ordenou a entrega de armamento pesado a esse notório «combatente da liberdade» que dá pelo nome de Bin Laden.

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