29.6.04

O princípio de Pedrito

(Há seis anos, o Público acolheu benevolamente nas suas páginas este artigo de opinião. Dada a sua manifesta actualidade, volto hoje a reproduzi-lo aqui sem alterações.)

Segundo o Princípio de Peter, todas as pessoas são promovidas até atingirem o seu nível de incompetência.

Como? Se uma pessoa se revelar competente no desempenho das suas funções, será promovida ao nível hierárquico imediatamente superior. Se voltar a cumprir nessas novas tarefas, será de novo promovida. E assim sucessivamente, até chegar ao ponto em que já não consegue dar conta do recado.

Terá, então, atingido o seu nível de incompetência. Chegada aí, não voltará a ser promovida e ficará estacionada num cargo para o qual, manifestamente, não se encontra preparada.

Assim se assegura que o mundo, nas suas múltiplas instâncias decisórias políticas, empresariais e culturais, é fundamentalmente governado por incompetentes.

Para obviar a este problema, inventou-se em Portugal, país engenhoso entre todos, um sistema melhor: o Princípio de Pedrito, expressamente concebido para evitar os malefícios decorrentes da aplicação do Princípio de Peter.

Manda o Princípio de Pedrito que, se alguém se revelar totalmente incompetente no desempenho das suas funções, não ficará eternamente acorrentado a essas funções, com manifesto prejuízo tanto para o bem-estar público como para o próprio. Pelo contrário, assegurar-se-á a transferência do incompetente para outro cargo onde possa fazer pelo menos tanto mal como no anterior - e, de preferência, bastante pior.

Suponhamos, por exemplo, que Pedrito, dada a sua pouca apetência pelo estudo, entra na escola do vício político pela porta das movimentações estudantis. E que começa logo a criar problemas como militante partidário, pela constante agitação que espalha entre as bases. Recruta-se então Pedrito para dirigente nacional, na sua qualidade de jovem e fanático seguidor do entretanto falecido fundador do partido. Se ele continuar, ainda assim, a revelar mais aptidão para perturbar os espíritos do que para dirigir qualquer coisa, será, na primeira ocasião, enfiado no parlamento à surrelfa do eleitorado, com o propósito de soltá-lo às canelas da oposição.

Se, no parlamento, passar mais tempo a incomodar os colegas de bancada do que a oposição, sugere-se ao prodígio que tente a vida empresarial. Se o projecto empresarial fracassar, convida-se Pedrito para membro do governo. Se, demonstrada a sua total ignorância na área de governação que teve a desgraça de lhe ir parar às mãos, e caído esse governo, ele se candidata a presidente do partido, e falha, ei-lo eleito presidente de um clube de futebol.

Depois de ajudar a afundar um pouco mais esse clube, eis que o seu momentaneamente reprimido sentido do dever o incita a procurar minar o poder do presidente eleito do partido e a iniciar uma guerrilha com o propósito de substituí-lo no momento mais oportuno.

Mas, se essa campanha falhar, haverá sempre a possibilidade de Pedrito se candidatar à Presidência de uma Câmara Municipal, seja ela a de Sintra, a da Figueira da Foz ou a de Saint-Denis. Caso também essa hipótese falhe, talvez a Presidência de uma corporação de bombeiros, combinada com a direcção de um novo jornal, possa servir de rampa de lançamento para uma eventual candidatura à Presidência da República.

Como se vê, não é fácil ganhar a vida nos tempos que correm. Para manter permanentemente as atenções da opinião pública focalizadas sobre si, Pedrito não se poupa a esforços para alcançar elevados níveis de notoriedade.

Para servir essa estratégia, ele trata de aparecer permanentemente no T-Club, na televisão, no Gigi da praia do Ancão, na televisão, no Diário de Notícias, na televisão, na TSF, na televisão, no Record, na televisão, na Nova Gente e na televisão. Ocasionalmente, uma revista de escândalos ou uma campanha publicitária utilizam abusivamente o seu nome, mas isso é irrelevante - o importante é aparecer, aparecer, aparecer sempre.

E, afinal, como está Pedrito de notoriedade?

Hoje em dia, há uma forma muito fácil e infalível de medir a notoriedade de alguém ou de alguma coisa. Basta ir à Internet, entrar num search engine como, por exemplo, o HotBot, e pesquisar quantas referências a essa pessoa se encontram em toda a Web.

Ora acontece que Pedrito, com referências em 88 sites da Internet, tem razões para estar satisfeito. A larga distância encontram-se Marcelo Rebelo de Sousa, com 36, e mesmo Mário Soares, com não mais de 65. Pedrito apenas é claramente batido por Jorge Sampaio, com um espantoso score de 516 referências!

Um dos pontos fracos desta estratégia de comunicação é que não é possível ser-se conhecido em abstracto. É-se sempre conhecido nalguma qualidade, como alguma coisa, e esse alguma coisa é sempre aquilo que destaca alguém face aos outros. Assim, Eusébio é conhecido como o maior futebolista português de todos os tempos. Alves dos Reis é conhecido como o maior vigarista português de todos os tempos. Álvaro Cunhal é conhecido como o único comunista vivo em todo o mundo.

E Pedrito, é conhecido como o quê? Como agitador estudantil? Como jovem político promissor? Como deputado? Como governante? Como único e legítimo herdeiro do fundador? Como dirigente desportivo? Como o eterno derrotado que sai sempre em ombros dos congressos? Como comentador político da televisão? Como comentador desportivo da televisão? Como figura proeminente do jet-set? Como banhista?

Ou, tão somente, como um tribuno de verbo fácil à procura de um lugar à medida das suas ambições?

Seja como for, a verdade é que, até hoje, só um tal Pacheco Pereira se atreveu a contestar a bondade do Princípio de Pedrito. Mas esse não é de confiança: lê muitos livros, é frequentemente acometido de opiniões e, ainda por cima, usa barba.

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