Um crime é uma infracção à lei dos homens. Um pecado é uma infracção à lei de Deus.
Qual dos dois vos parece mais grave para um católico?
Como é então possível um católico dizer: «Acho a homosexualidade um pecado, mas concordo que não é um crime»? Pois não é verdade que, sempre que podem, como no caso da interrupção da gravidez, o que eles fazem é exactamente criminalizar o pecado?
Seria mais correcto que esse católico dissesse: »Considero a homosexualidade um pecado, mas reconheço que, de momento, não há condições para criminalizá-la».
31.10.04
Exclusivo: nova sondagem dá vantagem a Kerry
Uma sondagem que realizei ontem por meios exclusivamente telepáticos dá a Kerry uma vantagem de três a quatro pontos percentuais sobre Bush.
É claro que é apenas uma sondagem, e as sondagens, como se sabe, valem o que valem, mas estou disponível para defender a superioridade da minha metodologia sobre todas as suas rivais.
É claro que é apenas uma sondagem, e as sondagens, como se sabe, valem o que valem, mas estou disponível para defender a superioridade da minha metodologia sobre todas as suas rivais.
30.10.04
The 9/11 Commission Report
«The 9/11 Commission Report» é um documento de leitura obrigatória para qualquer pessoa que se interesse pela política internacional contemporânea.
O Relatório, elaborado sob a orientação de uma Comissão bi-partidária de dez membros nomeados pelo Presidente e pelo Congresso dos EUA é uma investigação exaustiva e séria sobre os factos e as circunstâncias que rodearem os atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001.
Começa por descrever minuto a minuto o que se passou naquele dia trágico, para em seguida investigar em detalhe as origens e o desenvolvimento da Al-Qaeda e outras organizações terroristas com ela relacionadas, bem como o caminho percorrido desde a decisão de atacar os EUA até ao momento da sua concretização. De caminho, analisa a evolução dos serviços de informação americanos desde os finais da guerra fria, discute as falhas de segurança que permitiram os ataques e avalia a preparação do sistema de informação e segurança para lidar com este tipo de ameaças.
Ao longo das suas quase 450 páginas, o Relatório mantém um tom estritamente objectivo, o que não o impede de vasculhar todas as questões potencialmente incómodas para a actual administração. Sabe-se que a Comissão se defrontou com alguns obstáculos ao seu trabalho, o que não a impediu de agir sempre com o máximo rigor. Um grande exemplo para as desacreditadas comissões de inquérito do nosso Parlamento, cujos membros, trazendo já de casa no bolso as conclusões que interessam ao seu partido, se prestam ao triste papel de impedir por todos os meios ao seu alcance o escrutínio da verdade dos factos.
As conclusões do relatório são, compreensivelmente, a parte mais fraca do documento, não tanto por serem erradas, como por serem algo vagas - mas compreende-se que, nas circunstâncias, dificilmente poderia ser de outra maneira.
Ainda assim, a Comissão não esconde a difícil situação em que os EUA se encontram colocados em virtude de uma política externa insensível e insensata. Leia-se, por exemplo, isto:
«Support for the US has plummeted. Polls taken in Islamic countries after 9/11 suggested that many or most people thought the US was doing the right thing in its fight against terrorism; few people saw popular support for al Qaeda; half of those surveyed said that ordinary people had a favorable view of the US. By 2003, polls showed that the bottom has fallen out of support for America in most of the Muslim world. Negative views of the US among Muslims, which had been largely limited to countries in the Middle East, have spread... Since last summer, favorable ratings for the US have fallen from 61% to 15% in Indonesia and from 71% to 38% among Muslims in Nigeria.» (p. 375)
E não posso deixar de concordar com esta recomendação:
«...long term success demands the use of all elements of national power: diplomacy, intelligence, covert action, law enforcement, economic policy, foreign aid, public diplomacy, and homeland defense. If we favor one tool while neglecting others, we leave ourselves vulnerable and weaken our national effort.» (pp. 363-4)
O Relatório, elaborado sob a orientação de uma Comissão bi-partidária de dez membros nomeados pelo Presidente e pelo Congresso dos EUA é uma investigação exaustiva e séria sobre os factos e as circunstâncias que rodearem os atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001.
Começa por descrever minuto a minuto o que se passou naquele dia trágico, para em seguida investigar em detalhe as origens e o desenvolvimento da Al-Qaeda e outras organizações terroristas com ela relacionadas, bem como o caminho percorrido desde a decisão de atacar os EUA até ao momento da sua concretização. De caminho, analisa a evolução dos serviços de informação americanos desde os finais da guerra fria, discute as falhas de segurança que permitiram os ataques e avalia a preparação do sistema de informação e segurança para lidar com este tipo de ameaças.
Ao longo das suas quase 450 páginas, o Relatório mantém um tom estritamente objectivo, o que não o impede de vasculhar todas as questões potencialmente incómodas para a actual administração. Sabe-se que a Comissão se defrontou com alguns obstáculos ao seu trabalho, o que não a impediu de agir sempre com o máximo rigor. Um grande exemplo para as desacreditadas comissões de inquérito do nosso Parlamento, cujos membros, trazendo já de casa no bolso as conclusões que interessam ao seu partido, se prestam ao triste papel de impedir por todos os meios ao seu alcance o escrutínio da verdade dos factos.
As conclusões do relatório são, compreensivelmente, a parte mais fraca do documento, não tanto por serem erradas, como por serem algo vagas - mas compreende-se que, nas circunstâncias, dificilmente poderia ser de outra maneira.
Ainda assim, a Comissão não esconde a difícil situação em que os EUA se encontram colocados em virtude de uma política externa insensível e insensata. Leia-se, por exemplo, isto:
«Support for the US has plummeted. Polls taken in Islamic countries after 9/11 suggested that many or most people thought the US was doing the right thing in its fight against terrorism; few people saw popular support for al Qaeda; half of those surveyed said that ordinary people had a favorable view of the US. By 2003, polls showed that the bottom has fallen out of support for America in most of the Muslim world. Negative views of the US among Muslims, which had been largely limited to countries in the Middle East, have spread... Since last summer, favorable ratings for the US have fallen from 61% to 15% in Indonesia and from 71% to 38% among Muslims in Nigeria.» (p. 375)
E não posso deixar de concordar com esta recomendação:
«...long term success demands the use of all elements of national power: diplomacy, intelligence, covert action, law enforcement, economic policy, foreign aid, public diplomacy, and homeland defense. If we favor one tool while neglecting others, we leave ourselves vulnerable and weaken our national effort.» (pp. 363-4)
A questão
Quer o Presidente queira, quer não queira, a coligação vai ruir antes do termo da legislatura.
(A prova de que a própria coligação já entende e aceita isto é que Bagão Félix só vai apresentar esta proposta de OGE porque sabe que não terá que aplicá-la até ao fim.)
A mim, o que mais me preocupa, é que, com este alheamento do Presidente face à gradual mas segura degradação das coisas, os cidadãos nunca mais compreenderarão para que serve de facto eleger um Chefe do Estado.
(A prova de que a própria coligação já entende e aceita isto é que Bagão Félix só vai apresentar esta proposta de OGE porque sabe que não terá que aplicá-la até ao fim.)
A mim, o que mais me preocupa, é que, com este alheamento do Presidente face à gradual mas segura degradação das coisas, os cidadãos nunca mais compreenderarão para que serve de facto eleger um Chefe do Estado.
Diz-me com quem andas
Escreve Manuel Falcão no Jornal de Notícias: «A independência de jornais, jornalistas ou comentadores é um mito hipócrita.»
Reparem como ele mete no mesmo saco jornais, jornalistas e comentadores, como se o público esperasse a mesma postura de uns e de outros.
Mas eu quero aqui declarar que acredito na sinceridade de Manuel Falcão, tal como acredito que ele sabe do que fala. Nos meios que frequenta, deve ser mesmo assim.
Manuel Falcão tem a grande virtude de nos informar publicamente das justificações que os Luíses Delgados da nossa praça invocam perante si mesmos e perante o círculo do poder para fazerem o que fazem.
Na sua doce inocência, as pessoas que se dedicam quotidianamente a fiscalizar e a controlar a opinião publicada acham que fazem apenas aquilo que sempre se fez e se fará. As coisas - não sei se me entendem - são aquilo que são.
Foi precisamente a isso que Hannah Arendt chamou a banalidade do mal.
Reparem como ele mete no mesmo saco jornais, jornalistas e comentadores, como se o público esperasse a mesma postura de uns e de outros.
Mas eu quero aqui declarar que acredito na sinceridade de Manuel Falcão, tal como acredito que ele sabe do que fala. Nos meios que frequenta, deve ser mesmo assim.
Manuel Falcão tem a grande virtude de nos informar publicamente das justificações que os Luíses Delgados da nossa praça invocam perante si mesmos e perante o círculo do poder para fazerem o que fazem.
Na sua doce inocência, as pessoas que se dedicam quotidianamente a fiscalizar e a controlar a opinião publicada acham que fazem apenas aquilo que sempre se fez e se fará. As coisas - não sei se me entendem - são aquilo que são.
Foi precisamente a isso que Hannah Arendt chamou a banalidade do mal.
29.10.04
Não é esse, é o outro!
Alguém deveria ter explicado à Assembleia Geral do Benfica, que ontem à noite deliberou expulsar o Vale de Azevedo, que o homem está preso, pelo que já não pode fazer mal a ninguém.
Sempre atrasados! Se queriam de facto proteger o clube, quem eles deveriam agora expulsar era o Luís Filipe Vieira e, já agora, também o José Veiga.
Sempre atrasados! Se queriam de facto proteger o clube, quem eles deveriam agora expulsar era o Luís Filipe Vieira e, já agora, também o José Veiga.
Globalização sem representação é tirania
Em 1948, ao tomar conhecimento de que a União Soviética acabara de construir a sua primeira bomba atómica, Bertrand Russell, que vinte anos mais tarde seria galardoado com o Prémio Nobel da Paz, pediu aos EUA que lançassem imediatamente um ataque nuclear massivo contra as principais cidades russas e que proclamasse sem mais demoras o governo mundial.
Não é exactamente isso que eu peço, mas toda a gente reconhece a injustiça que é uma pequena minoria da população mundial (os americanos) serem chamados dentro de dias a tomar decisões que dizem respeito a todos nós.
Ser de esquerda também é dizer que um dia não será assim, mesmo reconhecendo que as condições não estão de modo algum reunidas para isso, e aceitando que vai ser preciso esperar muito tempo até lá chegarmos.
Mas um dia, podem estar certos, não será assim.
Não é exactamente isso que eu peço, mas toda a gente reconhece a injustiça que é uma pequena minoria da população mundial (os americanos) serem chamados dentro de dias a tomar decisões que dizem respeito a todos nós.
Ser de esquerda também é dizer que um dia não será assim, mesmo reconhecendo que as condições não estão de modo algum reunidas para isso, e aceitando que vai ser preciso esperar muito tempo até lá chegarmos.
Mas um dia, podem estar certos, não será assim.
Esquerda, direita, etc.
Se alguém diz que a distinção entre esquerda e direita não faz sentido, é porque é de direita.
É assim e sempre foi assim. Vejamos porquê.
Como já disse num post anterior, há uma assimetria fundamental entre a direita e a esquerda: a direita defende o que está ou o que esteve, a esquerda algo que não existe mas acredita que pode ser criado.
(Antes do 25 de Abril, as pessoas que apoiavam o regime eram classificadas como «da situação». É isso mesmo, a direita é a situação.)
O grande argumento da direita (inspirado no amigo Hegel) é que tudo o que é real é racional, ou seja, existe por muito boas razões. As pessoas ignorantes criticam as desigualdades e as injustiças porque não entendem que elas desempenham uma função útil, o que quer dizer que, se não existissem, as coisas ainda seriam piores do que são.
(Note-se, de passagem, que este argumento tem um certo valor, e às vezes pode mesmo ser decisivo. Se assim não fosse, o debate entre direita e esquerda não teria graça.)
Logo, a direita procura fazer-nos acreditar que a situação que vivemos e de que nos queixamos, por muito desagradável que seja, está na natureza das coisas. Antigamente sustentava que tal era a vontade de Deus, e contra isso batatas. Hoje, que os tempos são laicos, busca argumentos nas ciências naturais e humanas, principalmente para demonstrar que a natureza humana traça limites bem claros ao que é ou não razoável esperar-se e exigir-se a sociedades humanas.
(A esquerda não necessita de postular que a natureza humana é intrinsecamente boa, mas as ideias da direita caem por terra sem a crença na natureza intrinsecamente má do homem. O «bom selvagem» foi um contra-mito destinado a minar a ideologia dominante da época. O cristianismo primitivo foi outro.)
Logo, se aquilo que a direita sustenta é mero bom-senso suportado num sábio entendimento de que as coisas são o que são e as ideologias valem o que valem, a distinção entre a direita e a esquerda tem forçosamente que ser apresentada como uma vã ilusão. Daí que a direita usualmente rejeite o epíteto de direita. O que ela de facto se considera é competente, conhecedora, objectiva, rigorosa e séria.
A negação da validade da distinção entre direita e esquerda é condição suficiente, mas não necessária, para se ser de direita. De facto, a direita radical singulariza-se por exibir orgulhosamente o distintivo da direita para assim se demarcar dos conservadores bananas que, a seu ver, contemporizam com a esquerda.
Essa direita radical está descontente com o que existe, por isso não o assume como natural. Ela quer voltar atrás, muito atrás, usualmente a um passado mitificado que nunca verdadeiramente existiu. O nazismo (com o seu paganismo inspirado nas velhas lendas germânicas) e o fascismo italiano (saudosista de um império romano de opereta) foram versões extremas dessa tendência.
Naturalmente, há-de chegar um dia em que a oposição direita-esquerda deixará de ser relevante. Mas, nesse dia, não será decerto necessário proclamá-lo.
É assim e sempre foi assim. Vejamos porquê.
Como já disse num post anterior, há uma assimetria fundamental entre a direita e a esquerda: a direita defende o que está ou o que esteve, a esquerda algo que não existe mas acredita que pode ser criado.
(Antes do 25 de Abril, as pessoas que apoiavam o regime eram classificadas como «da situação». É isso mesmo, a direita é a situação.)
O grande argumento da direita (inspirado no amigo Hegel) é que tudo o que é real é racional, ou seja, existe por muito boas razões. As pessoas ignorantes criticam as desigualdades e as injustiças porque não entendem que elas desempenham uma função útil, o que quer dizer que, se não existissem, as coisas ainda seriam piores do que são.
(Note-se, de passagem, que este argumento tem um certo valor, e às vezes pode mesmo ser decisivo. Se assim não fosse, o debate entre direita e esquerda não teria graça.)
Logo, a direita procura fazer-nos acreditar que a situação que vivemos e de que nos queixamos, por muito desagradável que seja, está na natureza das coisas. Antigamente sustentava que tal era a vontade de Deus, e contra isso batatas. Hoje, que os tempos são laicos, busca argumentos nas ciências naturais e humanas, principalmente para demonstrar que a natureza humana traça limites bem claros ao que é ou não razoável esperar-se e exigir-se a sociedades humanas.
(A esquerda não necessita de postular que a natureza humana é intrinsecamente boa, mas as ideias da direita caem por terra sem a crença na natureza intrinsecamente má do homem. O «bom selvagem» foi um contra-mito destinado a minar a ideologia dominante da época. O cristianismo primitivo foi outro.)
Logo, se aquilo que a direita sustenta é mero bom-senso suportado num sábio entendimento de que as coisas são o que são e as ideologias valem o que valem, a distinção entre a direita e a esquerda tem forçosamente que ser apresentada como uma vã ilusão. Daí que a direita usualmente rejeite o epíteto de direita. O que ela de facto se considera é competente, conhecedora, objectiva, rigorosa e séria.
A negação da validade da distinção entre direita e esquerda é condição suficiente, mas não necessária, para se ser de direita. De facto, a direita radical singulariza-se por exibir orgulhosamente o distintivo da direita para assim se demarcar dos conservadores bananas que, a seu ver, contemporizam com a esquerda.
Essa direita radical está descontente com o que existe, por isso não o assume como natural. Ela quer voltar atrás, muito atrás, usualmente a um passado mitificado que nunca verdadeiramente existiu. O nazismo (com o seu paganismo inspirado nas velhas lendas germânicas) e o fascismo italiano (saudosista de um império romano de opereta) foram versões extremas dessa tendência.
Naturalmente, há-de chegar um dia em que a oposição direita-esquerda deixará de ser relevante. Mas, nesse dia, não será decerto necessário proclamá-lo.
28.10.04
Efeito de imitação
O Presidente da CP viajou hoje nalguns comboios suburbanos de Lisboa para constatar pesoalmente as condições em que as pessoas estão a ser transportadas na sequência do encerramento do túnel do Rossio.
Até aqui, tudo bem, porque é sem dúvida boa ideia que o mais alto representante da empresa fale cara a cara com os utentes dos serviços por ela prestados.
O problema é que, como resulta da própria reportagem passada nos telejornais, o que o Presidente da CP de facto fez não foi bem isso. Em vez de se misturar com os clientes da CP e interpelá-las de verdade, o que ele fez foi levar as televisões a darem um passeio de comboio para o filmarem a trocar algumas palavras de circunstância com alguns passageiros assarapantados por toda aquela encenação.
Por outras palavras, não foi uma iniciativa dirigida à auscultação do sentimento do público pagante, foi uma acção orientada para a produção de um espectáculo televisivo.
Assim se vê como o estilo do primeiro-ministro começa agora a contaminar os administradores das empresas públicas. Acreditarão eles de facto que este frenesi de relações públicas pode esconder das pessoas a ausência de trabalho real?
Até aqui, tudo bem, porque é sem dúvida boa ideia que o mais alto representante da empresa fale cara a cara com os utentes dos serviços por ela prestados.
O problema é que, como resulta da própria reportagem passada nos telejornais, o que o Presidente da CP de facto fez não foi bem isso. Em vez de se misturar com os clientes da CP e interpelá-las de verdade, o que ele fez foi levar as televisões a darem um passeio de comboio para o filmarem a trocar algumas palavras de circunstância com alguns passageiros assarapantados por toda aquela encenação.
Por outras palavras, não foi uma iniciativa dirigida à auscultação do sentimento do público pagante, foi uma acção orientada para a produção de um espectáculo televisivo.
Assim se vê como o estilo do primeiro-ministro começa agora a contaminar os administradores das empresas públicas. Acreditarão eles de facto que este frenesi de relações públicas pode esconder das pessoas a ausência de trabalho real?
Comissão forte, povos fracos
Muitas pessoas acham - e repetiram-no agora a propósito da contestação a Buttiglione no Parlamento Europeu - que aos pequenos países como Portugal interessa uma Comissão Europeia forte.
Poderíamos debater essa asserção em concreto, inventariando situações em que a Comissão terá beneficiado ou prejudicado os pequenos países no passado. Não irei hoje por aí, limitando-me a afirmar que o balanço está de longe de me parecer evidente.
O que eu queria fazer notar é a estranheza que tal afirmação deveria causar (e nem sempre causa) entre aqueles que defendem a democracia liberal, para os quais o que aos povos interessa é antes de mais órgãos eleitos e responsáveis perante os cidadãos.
Os que se opõem ao federalismo argumentam frequentemente que, no conjunto da Europa, o voto de 10 milhões de portugueses terá pouco peso.
Este argumento é comprovadamente inválido, porque, nas sociedades modernas, as eleições são muitas vezes resolvidas em grandes países por escassos milhares de votos. Veja-se o que sucedeu há quatro anos nos EUA, onde duas centenas de votos na Florida decidiram a eleição presidencial. Ou veja-se como, apesar do seu pequeno número, os madeirenses têm conseguido tirar partido do seu voto minoritário nas eleições nacionais, na medida em que ele pode ser essencial para assegurar maiorias na Assembleia da República.
Por isso, não desistam tão depressa das virtualidades da democracia a troco das benesses de estruturas que ninguém escolheu e que não temos o poder de fiscalizar. Não capitulem a troco dos subsídios e dos fundos estruturais (de utilidade tão discutível), que a isso se reduzem as «vantagens» oferecidas aos pequenos países pela Comissão Europeia. A própria existência da Comissão Europeia nos moldes actuais deve ser considerada uma anomalia num sistema continental que integra exclusivamente países democráticos e liberais.
Poderíamos debater essa asserção em concreto, inventariando situações em que a Comissão terá beneficiado ou prejudicado os pequenos países no passado. Não irei hoje por aí, limitando-me a afirmar que o balanço está de longe de me parecer evidente.
O que eu queria fazer notar é a estranheza que tal afirmação deveria causar (e nem sempre causa) entre aqueles que defendem a democracia liberal, para os quais o que aos povos interessa é antes de mais órgãos eleitos e responsáveis perante os cidadãos.
Os que se opõem ao federalismo argumentam frequentemente que, no conjunto da Europa, o voto de 10 milhões de portugueses terá pouco peso.
Este argumento é comprovadamente inválido, porque, nas sociedades modernas, as eleições são muitas vezes resolvidas em grandes países por escassos milhares de votos. Veja-se o que sucedeu há quatro anos nos EUA, onde duas centenas de votos na Florida decidiram a eleição presidencial. Ou veja-se como, apesar do seu pequeno número, os madeirenses têm conseguido tirar partido do seu voto minoritário nas eleições nacionais, na medida em que ele pode ser essencial para assegurar maiorias na Assembleia da República.
Por isso, não desistam tão depressa das virtualidades da democracia a troco das benesses de estruturas que ninguém escolheu e que não temos o poder de fiscalizar. Não capitulem a troco dos subsídios e dos fundos estruturais (de utilidade tão discutível), que a isso se reduzem as «vantagens» oferecidas aos pequenos países pela Comissão Europeia. A própria existência da Comissão Europeia nos moldes actuais deve ser considerada uma anomalia num sistema continental que integra exclusivamente países democráticos e liberais.
Uma gargalhada à nossa custa
É bem verdade que este género de patetices abundam na Administração Pública. Apeteceu-me rir, mas depois apercebi-me de que ria à minha custa.
Batam mais no ceguinho
Há que reconhecê-lo: do estrito ponto de vista do debate político, este governo não dá gozo nenhum. Tirando uma ou outra mãe mais estremosa deste ou daquele ministro, nem há quem o defenda.
É tal o descalabro e a asneira, que a tendência natural de uma pessoa generosa é para exclamar: «Não batam mais no ceguinho!» e virar as costas.
Mas, precisamente, a hora exige de nós que não sejamos diletantes. Por muito que isso repugne à nossa caridade cristã, temos de facto que continuar a bater quotidiana, incansável e, direi mesmo, cruelmente no ceguinho.
Por mim, abomino violências. Mas pode ser que assim, ao ver o desgraçado ser insultado, cuspido, humilhado, pisado, pontapeado e desmembrado em plena praça pública, a agonizar numa poça de sangue, o Presidente da República, com o seu proverbial coração de ouro, tenha dó e se decida a demitir o ceguinho a tempo de salvá-lo da fúria da populaça.
É tal o descalabro e a asneira, que a tendência natural de uma pessoa generosa é para exclamar: «Não batam mais no ceguinho!» e virar as costas.
Mas, precisamente, a hora exige de nós que não sejamos diletantes. Por muito que isso repugne à nossa caridade cristã, temos de facto que continuar a bater quotidiana, incansável e, direi mesmo, cruelmente no ceguinho.
Por mim, abomino violências. Mas pode ser que assim, ao ver o desgraçado ser insultado, cuspido, humilhado, pisado, pontapeado e desmembrado em plena praça pública, a agonizar numa poça de sangue, o Presidente da República, com o seu proverbial coração de ouro, tenha dó e se decida a demitir o ceguinho a tempo de salvá-lo da fúria da populaça.
Much ado about nothing
Conheço países onde se paga portagem nas auto-estradas. Conheço outros países onde não se paga nada. Não há verdades absolutas nesta matéria, pois cada possibilidade corresponde a certas opções relativas à política de transportes, à organização do território, etc.
Conheço um outro país onde se paga numas auto-estradas, não se paga noutras, e ainda há pagamentos «virtuais» noutras, sem que seja claro o critério. Estou certo que vocês também conhecem esse país.
Agora apareceu um profeta que, ao menos, parece ter uma ideia clara: o princípio do utilizador-pagador. Armado dessa doutrina, cuja vantagem mais evidente é poupar dinheiro ao OGE, avançou rapidamente sobre as SCUTs e, sob uma tempestade de aplausos dos comentadores, declarou que vai começar a cobrar aí portagens. É de homem!
Mas agitaram-se prontamente as populações, os camionistas e os autarcas, e a coragem do nosso homem caiu logo para níveis mais moderados. Afinal, ele fora mal entendido: as pessoas não vão ter que pagar quando circularem nas auto-estradas num raio de 30 kms à volta de sua casa. Vai criar-se um sistema de identificação tipo Via Verde que permitirá verificar automaticamente se uma viatura está ou não na sua zona de residência. É claro que, para isso, as pessoas terão que obter primeiro certidões da sua junta de freguesia.
Por conseguinte, as pessoas que mais frequentemente utilizarem um determinado troço de auto-estrada não vão pagar. Com a ajuda de um primo que mora um pouco mais longe talvez consigam até uma segunda certidão de residência e um segundo identificador que permitirá aumentar para 60 kms a distância que podem fazer à borla. Quem pagará então portagem nessas auto-estradas? As pessoas que mais raramente lá passam - como eu, por exemplo.
E eis que chegámos assim a um novo princípio: o do não utilizador-pagador.
Mas esperem! Se ele é isso, eu acho que nós, os habitantes de Lisboa, também não devemos pagar portagens num raio de 30 kms em torno da nossa residência. Por exemplo, deixaremos de pagar portagem na auto-estrada de Cascais, na auto-estrada de Lisboa a Setúbal e, já agora, nas duas pontes sobre o Tejo, dado que manifestamente não há alternativa. Apenas terão que pagar os habitantes de Carrazedas de Ansiães quando vierem à capital.
É justo, digo eu. Estávamos nós para aqui a protestar e, afinal, a razão estava toda do lado do ministro. Quando bem interpretado e aplicado com bom-senso, diálogo e moderação, este princípio do utilizador-pagador significa que, afinal, ninguém terá que pagar nada.
Conheço um outro país onde se paga numas auto-estradas, não se paga noutras, e ainda há pagamentos «virtuais» noutras, sem que seja claro o critério. Estou certo que vocês também conhecem esse país.
Agora apareceu um profeta que, ao menos, parece ter uma ideia clara: o princípio do utilizador-pagador. Armado dessa doutrina, cuja vantagem mais evidente é poupar dinheiro ao OGE, avançou rapidamente sobre as SCUTs e, sob uma tempestade de aplausos dos comentadores, declarou que vai começar a cobrar aí portagens. É de homem!
Mas agitaram-se prontamente as populações, os camionistas e os autarcas, e a coragem do nosso homem caiu logo para níveis mais moderados. Afinal, ele fora mal entendido: as pessoas não vão ter que pagar quando circularem nas auto-estradas num raio de 30 kms à volta de sua casa. Vai criar-se um sistema de identificação tipo Via Verde que permitirá verificar automaticamente se uma viatura está ou não na sua zona de residência. É claro que, para isso, as pessoas terão que obter primeiro certidões da sua junta de freguesia.
Por conseguinte, as pessoas que mais frequentemente utilizarem um determinado troço de auto-estrada não vão pagar. Com a ajuda de um primo que mora um pouco mais longe talvez consigam até uma segunda certidão de residência e um segundo identificador que permitirá aumentar para 60 kms a distância que podem fazer à borla. Quem pagará então portagem nessas auto-estradas? As pessoas que mais raramente lá passam - como eu, por exemplo.
E eis que chegámos assim a um novo princípio: o do não utilizador-pagador.
Mas esperem! Se ele é isso, eu acho que nós, os habitantes de Lisboa, também não devemos pagar portagens num raio de 30 kms em torno da nossa residência. Por exemplo, deixaremos de pagar portagem na auto-estrada de Cascais, na auto-estrada de Lisboa a Setúbal e, já agora, nas duas pontes sobre o Tejo, dado que manifestamente não há alternativa. Apenas terão que pagar os habitantes de Carrazedas de Ansiães quando vierem à capital.
É justo, digo eu. Estávamos nós para aqui a protestar e, afinal, a razão estava toda do lado do ministro. Quando bem interpretado e aplicado com bom-senso, diálogo e moderação, este princípio do utilizador-pagador significa que, afinal, ninguém terá que pagar nada.
Por linhas tortas
Esta história do Buttiglionne, em si mesmo apenas mais um dessa vasta galeria de tolos que a nova direita despudoramente nos impinge, tem que se lhe diga.
A Berlusconi dava-lhe jeito, por razões de política interna, meter na Comissão Europeia um amigo do Papa. A primeira coisa a notar é a originalidade da ideia, até porque o Vaticano não faz parte da União Europeia. A segunda é esta noção de que os Governos podem enfiar lá literalmente quem quiserem, porque a aprovação do Parlamento Europeu é suposta ser um mero pro forma.
Deu-se porém o caso de que, por diversas circunstâncias, a que não é alheio o novo estatuto recém adquirido pelo Parlamento, os deputados resolveram levar a sério o seu papel. Aparece um tótó a dizer que a homossexualidade é pecado, que as mães solteiras são más mães e que os imigrantes deveriam ser internados, e, de repente, toda a gente se apercebe de que o fundamentalismo já se instalara dentro de portas sem pedir licença, e ainda por cima dava-se ao luxo de gozar com o pessoal.
Era de mais, claro. Só um cego ou um comentador conservador português, habituado ao respeitinho da disciplina partidária, é que não via isto. Pôs-se a hipótese de afastar o sujeito, não propriamente por ser tolo, mas por defender posições manifestamente marginais e ofensivas no contexto do viver europeu contemporâneo tal como a esmagadora maioria de nós o entende.
Enquanto o Economist somava a favor do afastamento de Buttiglionne argumentos de peso, fazendo notar o papel que ele tem desempenhado na Itália a ajudar o primeiro-ministro a fugir aos tribunais, alguns católicos portugueses clamaram que estavam a ser perseguidos por delito de opinião. A partir de agora, já sabem, quando não votarem no PP estão a penalizá-lo por delito de opinião e, portanto, a impedi-lo de ir para o governo só por pensar como pensa. Perceberam?
Abro aqui um breve parêntese para fazer notar a surpresa genuína dos católicos portugueses. Eles estão habituados a ver o Papa a passear-se num carro inspirado no batmóvel, só que em branco, rodeado de multidões de betinhos a cantar músicas pimba e a agitar bandeiras, e imaginam que, lá por ser um sucesso de audiências, o catolicismo é hoje muito influente. Aperceberam-se agora subitamente que, se o lado folclórico de João Paulo II entretém, já as suas ideias repelem, e por isso, a bem dizer, a Igreja hoje não risca nada na sociedade europeia.
Mas adiante.
Pessoas habitualmente sensatas contestaram ao parlamento europeu o direito de fazer o que fez, porque pouca gente votou nele. Retomam assim a ideia, tão cara aos grupos extremistas, segundo a qual a abstenção é uma tomada de posição com tanta validade como o voto num partido, ou eventualmente com mais, se acaso for muito expressiva. Isto foi algo que me habituei a ouvir a Portas, nos seus tempo áureos, mas não a José Manuel Fernandes, Pacheco Pereira ou António Barreto, porque põe em causa os fundamentos da democracia representativa. Quem votou, votou; quem não votou, votasse.
Além disso, a atitude interventiva do Parlamento Europeu neste caso é elogiável a vários títulos. A principal razão porque pouca gente vota nas eleições europeias é porque está convencida de que isso não serve para nada. Se começar a acreditar que do seu voto resultarão efeitos políticos reais, muito mais gente começará a votar.
É por tudo isto que esta crise representou um passo em frente na emergência de uma cidadania europeia. Mesmo que, para escrever direito por linhas tortas, Deus tenha tranquilamente sacrificado alguém que abusivamente se apresentava em seu nome. E isso, bem vistas as coisas, também foi um progresso.
A Berlusconi dava-lhe jeito, por razões de política interna, meter na Comissão Europeia um amigo do Papa. A primeira coisa a notar é a originalidade da ideia, até porque o Vaticano não faz parte da União Europeia. A segunda é esta noção de que os Governos podem enfiar lá literalmente quem quiserem, porque a aprovação do Parlamento Europeu é suposta ser um mero pro forma.
Deu-se porém o caso de que, por diversas circunstâncias, a que não é alheio o novo estatuto recém adquirido pelo Parlamento, os deputados resolveram levar a sério o seu papel. Aparece um tótó a dizer que a homossexualidade é pecado, que as mães solteiras são más mães e que os imigrantes deveriam ser internados, e, de repente, toda a gente se apercebe de que o fundamentalismo já se instalara dentro de portas sem pedir licença, e ainda por cima dava-se ao luxo de gozar com o pessoal.
Era de mais, claro. Só um cego ou um comentador conservador português, habituado ao respeitinho da disciplina partidária, é que não via isto. Pôs-se a hipótese de afastar o sujeito, não propriamente por ser tolo, mas por defender posições manifestamente marginais e ofensivas no contexto do viver europeu contemporâneo tal como a esmagadora maioria de nós o entende.
Enquanto o Economist somava a favor do afastamento de Buttiglionne argumentos de peso, fazendo notar o papel que ele tem desempenhado na Itália a ajudar o primeiro-ministro a fugir aos tribunais, alguns católicos portugueses clamaram que estavam a ser perseguidos por delito de opinião. A partir de agora, já sabem, quando não votarem no PP estão a penalizá-lo por delito de opinião e, portanto, a impedi-lo de ir para o governo só por pensar como pensa. Perceberam?
Abro aqui um breve parêntese para fazer notar a surpresa genuína dos católicos portugueses. Eles estão habituados a ver o Papa a passear-se num carro inspirado no batmóvel, só que em branco, rodeado de multidões de betinhos a cantar músicas pimba e a agitar bandeiras, e imaginam que, lá por ser um sucesso de audiências, o catolicismo é hoje muito influente. Aperceberam-se agora subitamente que, se o lado folclórico de João Paulo II entretém, já as suas ideias repelem, e por isso, a bem dizer, a Igreja hoje não risca nada na sociedade europeia.
Mas adiante.
Pessoas habitualmente sensatas contestaram ao parlamento europeu o direito de fazer o que fez, porque pouca gente votou nele. Retomam assim a ideia, tão cara aos grupos extremistas, segundo a qual a abstenção é uma tomada de posição com tanta validade como o voto num partido, ou eventualmente com mais, se acaso for muito expressiva. Isto foi algo que me habituei a ouvir a Portas, nos seus tempo áureos, mas não a José Manuel Fernandes, Pacheco Pereira ou António Barreto, porque põe em causa os fundamentos da democracia representativa. Quem votou, votou; quem não votou, votasse.
Além disso, a atitude interventiva do Parlamento Europeu neste caso é elogiável a vários títulos. A principal razão porque pouca gente vota nas eleições europeias é porque está convencida de que isso não serve para nada. Se começar a acreditar que do seu voto resultarão efeitos políticos reais, muito mais gente começará a votar.
É por tudo isto que esta crise representou um passo em frente na emergência de uma cidadania europeia. Mesmo que, para escrever direito por linhas tortas, Deus tenha tranquilamente sacrificado alguém que abusivamente se apresentava em seu nome. E isso, bem vistas as coisas, também foi um progresso.
27.10.04
Perguntar não ofende
Embora eu não partilhe da animosidade anti-municipalista que mobiliza tantas cabeças bem pensantes em Portugal, confesso que me faz confusão esta coisa da Associação Nacional de Municípios.
O que é, afinal, a Associação Nacional de Municípios? Um sindicato, uma associação empresarial, um clube de amigos, um lobby dos construtores, um poder paralelo?
Que sentido faz os municípios associarem-se numa espécie de confederação para se dirigirem a uma só voz ao país? A que propósito é que esses órgãos do poder criam, por sua iniciativa, outros órgãos não previstos pela lei, e qual a sua natureza exacta? Como é que o Estado central e unitário português permite que se afirme ao seu lado um contra-poder que se arroga o direito de lhe disputar a representação dos eleitores?
Na minha maneira de ver a única associação legítima dos municípios é o próprio Estado português.
Vistas as coisas deste prima - e não sei de que outro prisma poderão ser vistas - não será a Associação Nacional de Municípios inconstitucional?
O que é, afinal, a Associação Nacional de Municípios? Um sindicato, uma associação empresarial, um clube de amigos, um lobby dos construtores, um poder paralelo?
Que sentido faz os municípios associarem-se numa espécie de confederação para se dirigirem a uma só voz ao país? A que propósito é que esses órgãos do poder criam, por sua iniciativa, outros órgãos não previstos pela lei, e qual a sua natureza exacta? Como é que o Estado central e unitário português permite que se afirme ao seu lado um contra-poder que se arroga o direito de lhe disputar a representação dos eleitores?
Na minha maneira de ver a única associação legítima dos municípios é o próprio Estado português.
Vistas as coisas deste prima - e não sei de que outro prisma poderão ser vistas - não será a Associação Nacional de Municípios inconstitucional?
Será?
Tenho notado muitos colaboradores de blogues a despedirem-se e alguns blogues a fechar porque, dizem os autores, «estão demasiado ocupados com trabalho» ou porque «não conseguem assegurar o ritmo de colaboração».
Será a retoma?
Será a retoma?
26.10.04
Come e cala-te
Suspeito sempre que, quando alguém insiste muito que não há almoços grátis, é porque anda a comer almoços grátis.
23.10.04
Contra o empirismo radical
Fiquei preocupado quando que soube que, segundo um inquérito realizado pela União Europeia há um ano, 80% dos portugueses acham que não têm que aprender mais nada no resto da vida para desempenharem com competência as suas tarefas profissionais. Em nenhum outro país se registaram resultados semelhantes a este. Significa isso que não só somos ignorantes, como ainda por cima estamos satisfeitos com a nossa ignorância.
Agora ando também preocupado com os outros 20%, ou seja, com os que acham que precisam de aprender qualquer coisita. É que, nas empresas como nas universidades, só ouço as pessoas dizerem que querem aprender «coisas práticas». Ora a prática aprende-se fundamentalmente na prática, ou seja, a trabalhar na resolução de problemas práticos do mundo real, não nas universidades.
O ensino prático - a que, aliás ninguém liga nenhuma em Portugal, razão pela qual os politécnicos querem ser universidades e os seus alunos querem ser doutores - tem que ver com coisas como escrita técnica de memorandos e relatórios, métodos de organização do trabalho, métodos de direcção de reuniões, métodos de resolução de problemas, técnicas de apresentação, etc. Tudo coisas muito úteis e que nos fazem muita falta, claro está. Mas lamento informar que não é para isso que servem as universidades.
Ouço uns dizerem que o nosso ensino é demasiado teórico, outros que é demasiado prático. Ambos estão errados: o nosso ensino não é teórico nem prático - é mau.
O ensino não deve ser prático, deve ser orientado para a prática, o que é uma coisa bem diferente. Eu concordo com Boltzmann, que dizia: «Não há nada mais prático do que uma boa teoria». A ênfase deve aqui ser posta na expressão «boa teoria», porque é aí que está o problema.
A escola deve dotar os alunos de sólidos e relevantes instrumentos conceptuais e treiná-los na sua utilização. Ler, escrever e contar não são coisas práticas, são instrumentos de trabalho intelectual com inúmeras aplicações práticas (e outras que, no sentido estrito, não o são).
Assim, quando ouço alguém dizer que quer aprender coisas práticas, o que penso logo é que não quer de facto aprender. Quer apenas assimilar umas quantas receitas simples para fazer o seu trabalho sem ter que pensar muito. Esse método é bom para assentadores de tijolos, não para pessoas que, como hoje acontece com cada vez maior frequência, têm que trabalhar essencialmente com a cabeça.
Agora ando também preocupado com os outros 20%, ou seja, com os que acham que precisam de aprender qualquer coisita. É que, nas empresas como nas universidades, só ouço as pessoas dizerem que querem aprender «coisas práticas». Ora a prática aprende-se fundamentalmente na prática, ou seja, a trabalhar na resolução de problemas práticos do mundo real, não nas universidades.
O ensino prático - a que, aliás ninguém liga nenhuma em Portugal, razão pela qual os politécnicos querem ser universidades e os seus alunos querem ser doutores - tem que ver com coisas como escrita técnica de memorandos e relatórios, métodos de organização do trabalho, métodos de direcção de reuniões, métodos de resolução de problemas, técnicas de apresentação, etc. Tudo coisas muito úteis e que nos fazem muita falta, claro está. Mas lamento informar que não é para isso que servem as universidades.
Ouço uns dizerem que o nosso ensino é demasiado teórico, outros que é demasiado prático. Ambos estão errados: o nosso ensino não é teórico nem prático - é mau.
O ensino não deve ser prático, deve ser orientado para a prática, o que é uma coisa bem diferente. Eu concordo com Boltzmann, que dizia: «Não há nada mais prático do que uma boa teoria». A ênfase deve aqui ser posta na expressão «boa teoria», porque é aí que está o problema.
A escola deve dotar os alunos de sólidos e relevantes instrumentos conceptuais e treiná-los na sua utilização. Ler, escrever e contar não são coisas práticas, são instrumentos de trabalho intelectual com inúmeras aplicações práticas (e outras que, no sentido estrito, não o são).
Assim, quando ouço alguém dizer que quer aprender coisas práticas, o que penso logo é que não quer de facto aprender. Quer apenas assimilar umas quantas receitas simples para fazer o seu trabalho sem ter que pensar muito. Esse método é bom para assentadores de tijolos, não para pessoas que, como hoje acontece com cada vez maior frequência, têm que trabalhar essencialmente com a cabeça.
Nada é simples
«Um croissant simples, como? Sem queijo nem fiambre?»
«Exacto. Sem queijo nem fiambre.»
«Mas com manteiga?»
«Não, simples mesmo: sem manteiga.»
«E quer que aqueça?»
«Não, não precisa de aquecer.»
«Mas posso cortar ao meio?»
«OK.»
Apreciei o ar triunfante da empregada, sorrindo intimamente da minha ingenuidade, como quem diz que, afinal, o croissant não era bem simples. Ela sabe de ciência certa que, ao contrário do que eu presumo, nada é simples.
«Exacto. Sem queijo nem fiambre.»
«Mas com manteiga?»
«Não, simples mesmo: sem manteiga.»
«E quer que aqueça?»
«Não, não precisa de aquecer.»
«Mas posso cortar ao meio?»
«OK.»
Apreciei o ar triunfante da empregada, sorrindo intimamente da minha ingenuidade, como quem diz que, afinal, o croissant não era bem simples. Ela sabe de ciência certa que, ao contrário do que eu presumo, nada é simples.
Esquerda, direita, um, dois, três, quatro
Antes de perguntarmos o que distingue a esquerda da direita do ponto de vista das ideias, deveríamos começar por perguntar o que as distingue do ponto de vista da sua realidade social.
Ora qualquer estudo de sociologia eleitoral revela que, sempre e em toda a parte, a direita é a aliança do privilégio com a ignorância, ou seja, dos de cima com aquela parte dos de baixo menos instruída e mais arreigada a preconceitos.
Não conheço nenhuma excepção relevante a esta regra.
Este simples facto é a chave para se começar também a entender que não existe simetria entre direita e esquerda. A direita é, antes de mais, um facto, um estado de coisas; a esquerda é uma resistência ou uma ideia de transformação.
Dito isto, apresso-me a acrescentar que, pelo facto de alguém ser ignorante ou privilegiado, não se infere que não possa ter razão.
More to come.
Ora qualquer estudo de sociologia eleitoral revela que, sempre e em toda a parte, a direita é a aliança do privilégio com a ignorância, ou seja, dos de cima com aquela parte dos de baixo menos instruída e mais arreigada a preconceitos.
Não conheço nenhuma excepção relevante a esta regra.
Este simples facto é a chave para se começar também a entender que não existe simetria entre direita e esquerda. A direita é, antes de mais, um facto, um estado de coisas; a esquerda é uma resistência ou uma ideia de transformação.
Dito isto, apresso-me a acrescentar que, pelo facto de alguém ser ignorante ou privilegiado, não se infere que não possa ter razão.
More to come.
O que quer o Partido Socialista?
Total e absoluto acordo com este post de Maria Manuel Leitão Marques.
22.10.04
Climax e anti-climax
Um amigo meu costuma abandonar apressadamente a sala de concerto antes dos encores porque, diz ele, normalmente são um anti-climax em relação ao que se acabou de ouvir.
Poucas vezes lhe dei tanta razão como ontem, quando Kissin, depois de tocar de enfiada os primeiros três concertos para piano de Beethoven, cedendo rapidamente aos aplausos do público, resolveu fechar a noite com uma espécie de marcha de circo.
Assim se arruina o final de um concerto memorável.
Quanto ao resto, mais uma vez, um grande solista levou literalmente ao colo a Orquestra Gulbenkian, especialmente no ponto alto da noite, o 3º concerto, que em algumas passagens chegou a surpreender-me.
Uma apreciação mais competente pode ser lida aqui.
Poucas vezes lhe dei tanta razão como ontem, quando Kissin, depois de tocar de enfiada os primeiros três concertos para piano de Beethoven, cedendo rapidamente aos aplausos do público, resolveu fechar a noite com uma espécie de marcha de circo.
Assim se arruina o final de um concerto memorável.
Quanto ao resto, mais uma vez, um grande solista levou literalmente ao colo a Orquestra Gulbenkian, especialmente no ponto alto da noite, o 3º concerto, que em algumas passagens chegou a surpreender-me.
Uma apreciação mais competente pode ser lida aqui.
Esquerda, direita, um, dois, três
Conta-se que a distinção entre esquerda e direita emergiu quando, durante a Revolução Francesa, ao deliberar-se sobre o direito de veto do rei, a assembleia se dividiu em duas partes, cada uma das quais se arrumou para o seu lado.
Não duvido que a anedota seja genuína, mas acho que esconde mais do que revela. Em primeiro lugar, ela sugere que foi por puro acaso que se convencionou chamar esquerda à esquerda e direita à direita. Nada mais falso: a esquerda é, por natureza, algo que sai da norma, que não alinha pelos padrões estabelecidos, sendo legítimo suspeitar que oculte alguma perversidade. O normal é ser-se dextro, não canhoto. Podemos imaginar Deus ambidextro, nunca canhoto.
Esta conotação é inevitável, não um mero produto do acaso. É com razão, pois, que as pessoas de bem desconfiam que se oculta aqui uma ameaça contra a ordem estabelecida.
Mas isso nem é o mais importante. A questão não é que uns tenham ido para um lado e os restantes para o outro, mas que todos se tenham colocado no mesmo plano.
Durante milénios, a política opunha os de cima aos de baixo, sendo que só os primeiros, a bem dizer, participavam nela. O espaço político era, pois, vertical. A oposição entre direita e esquerda horizontalizou a política, sublinhando assim a igualdade fundamental de todos os intervenientes: não há, pelo menos à partida, nenhum lugar privilegiado.
Naturalmente, a distinção entre os de cima e os de baixo não foi abolida. Primeiro, porque o sufrágio universal só muito mais tarde foi introduzido. Segundo, porque, mesmo depois disso, a igualdade política continuou a coexistir com a diferenciação social entre os de cima e os de baixo.
Não admira, por isso, que o programa da esquerda tivesse sido, durante muito tempo, a completa horizontalização da sociedade.
More to come.
Não duvido que a anedota seja genuína, mas acho que esconde mais do que revela. Em primeiro lugar, ela sugere que foi por puro acaso que se convencionou chamar esquerda à esquerda e direita à direita. Nada mais falso: a esquerda é, por natureza, algo que sai da norma, que não alinha pelos padrões estabelecidos, sendo legítimo suspeitar que oculte alguma perversidade. O normal é ser-se dextro, não canhoto. Podemos imaginar Deus ambidextro, nunca canhoto.
Esta conotação é inevitável, não um mero produto do acaso. É com razão, pois, que as pessoas de bem desconfiam que se oculta aqui uma ameaça contra a ordem estabelecida.
Mas isso nem é o mais importante. A questão não é que uns tenham ido para um lado e os restantes para o outro, mas que todos se tenham colocado no mesmo plano.
Durante milénios, a política opunha os de cima aos de baixo, sendo que só os primeiros, a bem dizer, participavam nela. O espaço político era, pois, vertical. A oposição entre direita e esquerda horizontalizou a política, sublinhando assim a igualdade fundamental de todos os intervenientes: não há, pelo menos à partida, nenhum lugar privilegiado.
Naturalmente, a distinção entre os de cima e os de baixo não foi abolida. Primeiro, porque o sufrágio universal só muito mais tarde foi introduzido. Segundo, porque, mesmo depois disso, a igualdade política continuou a coexistir com a diferenciação social entre os de cima e os de baixo.
Não admira, por isso, que o programa da esquerda tivesse sido, durante muito tempo, a completa horizontalização da sociedade.
More to come.
Desventuras do positivismo lógico no mundo da bola
O futebol é uma coisa relativamente misteriosa para os partidários do individualismo metodológico.
O primeiro Wittgenstein, Rudolf Carnap e o próprio Popper tenderiam a concordar com Florentino Pérez: a equipa que reúne os melhores jogadores tem forçosamente que ser campeã.
Mas a força de uma corda não resulta da força dos fios individuais que a compõem, cada uma das quais só está presente numa pequena parte da sua extensão total. O segredo reside no modo como elas se entrelaçam.
A Filarmónica de Berlim só teve quatro maestros principais ao longo do seu primeiro século de existência (von Bulow, Nikisch, Furtwangler e Karajan), mas a extraordinária consistência que a orquestra manteve decorreu do facto de ela ser uma «república de músicos» que elege o seu líder. Os músicos vão e vêm, mas o espírito do grupo vai passando de forma insensível de uns para os outros.
Ouvimos dizer às vezes que uma determinada equipa tem muita experiência internacional, apesar de metade dela ser constituída de jogadores que até aí apenas haviam disputado competições domésticas. E, no entanto, é verdade: a equipa tem mesmo experiência internacional.
Quando um clube perde três das suas peças fundamentais na época anterior, tem por força que enfatizar os factores de continuidade para preservar o jogo de conjunto e evitar a descaracterização da equipa. Se o treinador, num momento de adversidade, retira do campo dois dos quatro únicos jogadores de que dispõe com estatuto para liderar os restantes, é evidente que ele, para além de estar a meter-se em sarilhos, é escravo de uma doutrina filosófica errónea que desconhece.
O primeiro Wittgenstein, Rudolf Carnap e o próprio Popper tenderiam a concordar com Florentino Pérez: a equipa que reúne os melhores jogadores tem forçosamente que ser campeã.
Mas a força de uma corda não resulta da força dos fios individuais que a compõem, cada uma das quais só está presente numa pequena parte da sua extensão total. O segredo reside no modo como elas se entrelaçam.
A Filarmónica de Berlim só teve quatro maestros principais ao longo do seu primeiro século de existência (von Bulow, Nikisch, Furtwangler e Karajan), mas a extraordinária consistência que a orquestra manteve decorreu do facto de ela ser uma «república de músicos» que elege o seu líder. Os músicos vão e vêm, mas o espírito do grupo vai passando de forma insensível de uns para os outros.
Ouvimos dizer às vezes que uma determinada equipa tem muita experiência internacional, apesar de metade dela ser constituída de jogadores que até aí apenas haviam disputado competições domésticas. E, no entanto, é verdade: a equipa tem mesmo experiência internacional.
Quando um clube perde três das suas peças fundamentais na época anterior, tem por força que enfatizar os factores de continuidade para preservar o jogo de conjunto e evitar a descaracterização da equipa. Se o treinador, num momento de adversidade, retira do campo dois dos quatro únicos jogadores de que dispõe com estatuto para liderar os restantes, é evidente que ele, para além de estar a meter-se em sarilhos, é escravo de uma doutrina filosófica errónea que desconhece.
21.10.04
Esquerda, direita, um, dois
Pacheco Pereira pergunta hoje no Público se Pound, Kafka, Wagner e Proust eram de esquerda ou de direita. A resposta é simples, mas talvez irrelevante.
Pound era fascista militante de cartão passado - não estou a dar novidade nenhuma a ninguém.
Kafka, que eu saiba, nunca se interessou por política.
Wagner esteve com Bakunine nas barricadas de Dresden em 1848. Depois, como muitos outros românticos, acreditou que a verdadeira revolução só a arte a podia fazer. Desinteressou-se progressivamente da política, mas não se pode ignorar que os poderosos mitos por ele criados inspiraram o nacional-socialismo.
Proust - basta ler a sua ficção para ficar a sabê-lo - enquadrava-se perfeitamente naquilo a que hoje chamaríamos esquerda moderada. Herdou do pai a simpatia pelo republicanismo laico. Tomou posição em defesa de Dreyfus, embora não fosse inteiramente imune ao anti-semitismo. Apesar do seu snobismo, ou talvez por causa dele, sempre manifestou um espírito inteiramente democrático ao lidar com as classes populares.
E onde nos leva tudo a isto? A parte nenhuma: eu gosto muito tanto de Proust como de Conrad, que, pelo seu lado, era um conservador empedernido e sábio. Aprecio moderadamente Wagner, tal como Kafka. Não tenho opinião sobre a poesia de Ezra Pound, porque os Cantos estão lá em casa à espera de ser lidos. E por aí fora.
Por outras palavras, o posicionamento político só parcialmente afecta os meus julgamentos estéticos. (É verdade: não posso jurar que não afectem nada.)
As ideias reaccionárias de Wagner são centrais em muita da sua música, mas é complicado explicar. Proust discute por vezes abertamente temas políticos, mas é evidente que esse é um aspecto secundário da sua obra. A apropriação política de Kafka foi um fenómeno tardio, porque quando ele escreveu nem a burocracia nem o assim chamado totalitarismo ocupavam um lugar de destaque no debate político.
Pegar na distinção entre esquerda e direita por este lado não é, parece-me, grande ideia.
More to come.
Pound era fascista militante de cartão passado - não estou a dar novidade nenhuma a ninguém.
Kafka, que eu saiba, nunca se interessou por política.
Wagner esteve com Bakunine nas barricadas de Dresden em 1848. Depois, como muitos outros românticos, acreditou que a verdadeira revolução só a arte a podia fazer. Desinteressou-se progressivamente da política, mas não se pode ignorar que os poderosos mitos por ele criados inspiraram o nacional-socialismo.
Proust - basta ler a sua ficção para ficar a sabê-lo - enquadrava-se perfeitamente naquilo a que hoje chamaríamos esquerda moderada. Herdou do pai a simpatia pelo republicanismo laico. Tomou posição em defesa de Dreyfus, embora não fosse inteiramente imune ao anti-semitismo. Apesar do seu snobismo, ou talvez por causa dele, sempre manifestou um espírito inteiramente democrático ao lidar com as classes populares.
E onde nos leva tudo a isto? A parte nenhuma: eu gosto muito tanto de Proust como de Conrad, que, pelo seu lado, era um conservador empedernido e sábio. Aprecio moderadamente Wagner, tal como Kafka. Não tenho opinião sobre a poesia de Ezra Pound, porque os Cantos estão lá em casa à espera de ser lidos. E por aí fora.
Por outras palavras, o posicionamento político só parcialmente afecta os meus julgamentos estéticos. (É verdade: não posso jurar que não afectem nada.)
As ideias reaccionárias de Wagner são centrais em muita da sua música, mas é complicado explicar. Proust discute por vezes abertamente temas políticos, mas é evidente que esse é um aspecto secundário da sua obra. A apropriação política de Kafka foi um fenómeno tardio, porque quando ele escreveu nem a burocracia nem o assim chamado totalitarismo ocupavam um lugar de destaque no debate político.
Pegar na distinção entre esquerda e direita por este lado não é, parece-me, grande ideia.
More to come.
20.10.04
O pecado em forma de blogue
O que primeiro me atraiu noquase em português foram as suas espectaculares playmates. Indiscutivelmente, o melhor blogue de gajas da actualidade.
Uma razão para o resto do mundo votar Bush
A política económica de George Bush é a maior maluqueira desde que Lenine enterrou o Comunismo de Guerra.
No meio de tanta incerteza, uma coisa me parece segura: a economia americana, actualmente sustentada pela crença supersticiosa dos chineses no dólar, vai com os porcos nos próximos anos. Se Kerry ganhar, poderá começar a inverter lentamente o rumo das coisas, mas talvez não o suficiente para evitar o Dia do Juízo, que vem a caminho. Assim sendo, as culpas do que vai acontecer tenderão a ser assacadas aos Democratas, os quais serão crucificados por terem posto fim ao doce enlevo em que a nação hoje vive.
Este argumento é hoje desenvolvido por John Kay nas páginas do Financial Times para defender, com alguma ironia, que a opção mais sábia é mesmo votar Bush, dado que só assim os neo-conservadores poderão ser em devido tempo confrontados com as consequências das suas políticas desastrosas.
Parece-me que, como bom empirista, Kay confia demasiado na capacidade dos factos para demolir doutrinas. Se ele conhecesse V.W. Quine, por exemplo, saberia que as coisas não são assim tão simples.
(Já agora, uma boa razão para os anti-americanos genuinos votarem Bush é esperarem que ele tenha êxito na sua missão de fazer mergulhar os EUA na mais grave crise da sua história recente.)
No meio de tanta incerteza, uma coisa me parece segura: a economia americana, actualmente sustentada pela crença supersticiosa dos chineses no dólar, vai com os porcos nos próximos anos. Se Kerry ganhar, poderá começar a inverter lentamente o rumo das coisas, mas talvez não o suficiente para evitar o Dia do Juízo, que vem a caminho. Assim sendo, as culpas do que vai acontecer tenderão a ser assacadas aos Democratas, os quais serão crucificados por terem posto fim ao doce enlevo em que a nação hoje vive.
Este argumento é hoje desenvolvido por John Kay nas páginas do Financial Times para defender, com alguma ironia, que a opção mais sábia é mesmo votar Bush, dado que só assim os neo-conservadores poderão ser em devido tempo confrontados com as consequências das suas políticas desastrosas.
Parece-me que, como bom empirista, Kay confia demasiado na capacidade dos factos para demolir doutrinas. Se ele conhecesse V.W. Quine, por exemplo, saberia que as coisas não são assim tão simples.
(Já agora, uma boa razão para os anti-americanos genuinos votarem Bush é esperarem que ele tenha êxito na sua missão de fazer mergulhar os EUA na mais grave crise da sua história recente.)
Sinais dos tempos
Caso ainda não tenham reparado, no que vai de 2004 a Mercedes vendeu em Portugal mais carros do que a Ford ou do que a Fiat.
Deve ser a malta do rendimento mínimo.
Deve ser a malta do rendimento mínimo.
Eles vêm de mansinho
Vêm de mansinho, instalam-se aí num canto, põem-se a falar sozinhos. Depois, chega gente, dá-lhes ouvidos, traz mais gente consigo.
Um dia, sem aviso prévio, eles partem, porque arranjaram emprego, porque não lhes prestam suficiente atenção, porque lhes prestam demasiada atenção, porque a família não gosta, porque o patrão não gosta, porque a namorada não gosta, porque a glória não é fácil, porque se lhes secou a inspiração, porque descobrem que nunca a tiveram, porque de súbito encontram um vazio dentro de si.
De onde vem toda esta gente? Para onde vai toda esta gente que momentaneamente se cruza connosco e depois regressa à escuridão?
Um dia, sem aviso prévio, eles partem, porque arranjaram emprego, porque não lhes prestam suficiente atenção, porque lhes prestam demasiada atenção, porque a família não gosta, porque o patrão não gosta, porque a namorada não gosta, porque a glória não é fácil, porque se lhes secou a inspiração, porque descobrem que nunca a tiveram, porque de súbito encontram um vazio dentro de si.
De onde vem toda esta gente? Para onde vai toda esta gente que momentaneamente se cruza connosco e depois regressa à escuridão?
15.10.04
14.10.04
Chicago
Chacinadora de porcos para o mundo,
fabricante de máquinas, ensiladora de trigo,
tu que brincas com as ferrovias e transportas os produtos do país:
tumultuosa, grosseira, sempre aos gritos,
ó cidade das costas largas:
Dizem-me que és selvagem e eu acho que sim: vi as tuas mulheres
pintadas seduzirem os rapazes do campo à luz dos lampiões.
Dizem-me que és injusta e eu respondo: é verdade; vi pistoleiros matarem e ficarem livres para continuarem a matar.
E dizem-me que és brutal. A minha resposta é: nas caras
das mulhares e das crianças vi as marcas de uma fome tenaz.
Foi o que respondi. E voltando-me mais uma vez para aqueles que escarnecem da minha
cidade, por meu turno escarneci deles, dizendo:
Mostrai-me outra cidade que de cabeça levantada cante assim, orgulhosa de estar viva e de ser rumorosa e forte e astuta.
Lançando magnéticas pragas, acumulando afadigamente fainas sobre fainas, eis a grande ardorosa lutadora erguendo-se viva entre as pequenas cidades efeminadas;
feroz como um mastim de língua pendente, pronto para o assalto, ardilosa como um selvagem que defronta a hostilidade do deserto,
de cabeça nua
amontoas
arrasas
planificas
constróis, destróis, reconstróis,
por entre o fumo, a boca cheia de pó, rindo com brancos dentes,
sob o peso terrível do destino rindo como riem os jovens,
rindo como ri um lutador ignorante que nunca perdeu um combate.
rindo gabarola, rindo de sentires o sangue a pulsar-te nas veias,
rindo de sentires no peito o coração do povo!
Rindo o sonoro, rude, tempestuoto riso da mocidade semi-nua, suarenta, orgulhosa de seres a chacinadora de porcos para o mundo, a fabricante de máquinas, a cidade que brinca com as ferrovias e transporta os produtos do país.
Carl Sandburg (tradução de Alexandre O'Neil)
fabricante de máquinas, ensiladora de trigo,
tu que brincas com as ferrovias e transportas os produtos do país:
tumultuosa, grosseira, sempre aos gritos,
ó cidade das costas largas:
Dizem-me que és selvagem e eu acho que sim: vi as tuas mulheres
pintadas seduzirem os rapazes do campo à luz dos lampiões.
Dizem-me que és injusta e eu respondo: é verdade; vi pistoleiros matarem e ficarem livres para continuarem a matar.
E dizem-me que és brutal. A minha resposta é: nas caras
das mulhares e das crianças vi as marcas de uma fome tenaz.
Foi o que respondi. E voltando-me mais uma vez para aqueles que escarnecem da minha
cidade, por meu turno escarneci deles, dizendo:
Mostrai-me outra cidade que de cabeça levantada cante assim, orgulhosa de estar viva e de ser rumorosa e forte e astuta.
Lançando magnéticas pragas, acumulando afadigamente fainas sobre fainas, eis a grande ardorosa lutadora erguendo-se viva entre as pequenas cidades efeminadas;
feroz como um mastim de língua pendente, pronto para o assalto, ardilosa como um selvagem que defronta a hostilidade do deserto,
de cabeça nua
amontoas
arrasas
planificas
constróis, destróis, reconstróis,
por entre o fumo, a boca cheia de pó, rindo com brancos dentes,
sob o peso terrível do destino rindo como riem os jovens,
rindo como ri um lutador ignorante que nunca perdeu um combate.
rindo gabarola, rindo de sentires o sangue a pulsar-te nas veias,
rindo de sentires no peito o coração do povo!
Rindo o sonoro, rude, tempestuoto riso da mocidade semi-nua, suarenta, orgulhosa de seres a chacinadora de porcos para o mundo, a fabricante de máquinas, a cidade que brinca com as ferrovias e transporta os produtos do país.
Carl Sandburg (tradução de Alexandre O'Neil)
Isto está mau
Para onde quer que nos viremos, é sempre a mediocridade que triunfa.
Por exemplo, esta coisa de o Benfica ir à frente no campeonato é quase tão inacreditável como o Santana Lopes ser primeiro-ministro, e incomparavelmente mais grave.
Com um pouquinho de sorte, pode ser que neste domingo a primeira situação comece já a ser corrigida. Bom prenúncio para que o país finalmente comece a entrar nos eixos.
Por exemplo, esta coisa de o Benfica ir à frente no campeonato é quase tão inacreditável como o Santana Lopes ser primeiro-ministro, e incomparavelmente mais grave.
Com um pouquinho de sorte, pode ser que neste domingo a primeira situação comece já a ser corrigida. Bom prenúncio para que o país finalmente comece a entrar nos eixos.
Scolari insulta jornalistas
Hoje ouvi esta pérola da boca de uma jornalista da SIC: «O tabaco é uma doença que todos os anos mata milhões de pessoas». A primeira coisa que me ocorreu é que um sistema educativo que todos os anos distribui licenciaturas a pessoas que não sabem o significado da palavra «doença» é de facto muito mau.
Depois, pus-me a pensar o que poderemos nós fazer para nos protegermos desta praga de reporteres que diariamente percorrem o país de ponta a ponta, de microfone em riste, perseguindo sofregamente uma nova tolice para nos atazanar os miolos.
Inesperadamente, a minha vingança chegou hoje por via do Scolari que, do alto dos 7 a 1 recém aviados aos pobres dos russos, aproveitou a ocasião para mandar à merda um qualquer imbecil que escrevera: «Selecção orfã de Figo, Costa e Couto».
Pela primeira vez, talvez por breves instantes, Scolari é de facto o meu herói. Quero daqui aproveitar esta oportunidade para parabenizá-lo. Um grande bem-haja.
Depois, pus-me a pensar o que poderemos nós fazer para nos protegermos desta praga de reporteres que diariamente percorrem o país de ponta a ponta, de microfone em riste, perseguindo sofregamente uma nova tolice para nos atazanar os miolos.
Inesperadamente, a minha vingança chegou hoje por via do Scolari que, do alto dos 7 a 1 recém aviados aos pobres dos russos, aproveitou a ocasião para mandar à merda um qualquer imbecil que escrevera: «Selecção orfã de Figo, Costa e Couto».
Pela primeira vez, talvez por breves instantes, Scolari é de facto o meu herói. Quero daqui aproveitar esta oportunidade para parabenizá-lo. Um grande bem-haja.
13.10.04
«Não era bem isto que eu queria...»
Há quase um mês, sem qualquer conhecimento directo do caso, arrisquei uma conjectura sobre as causas reais da universalmente famosa Crise das Listas.
«Eu bem disse» é uma coisa que nunca se deve dizer, mas eu vou dizê-la. Lendo os jornais de hoje (Público e DN, por exemplo) começamos a perceber o que de facto se passou. Eis um resumo retirado do DN:
1. O caderno de encargos do concurso falava de 70 mil candidatos, mas acabaram por ser 110 mil.
2. O Ministério apresentou 14 versões diferentes dos formulários de candidatura via electrónica.
3. A 26 de Março, o Ministério concluiu que não tinha capacidade para introduzir os dados no computador.
4. As regras interpretativas do diploma dos concursos foram sucessivamente alteradas. O primeiro documento, entregue a 12 de Abril, foi logo modificado a 19 e 29 do mesmo mês.
5. Após a publicação das primeiras listas provisórias, ocorreram 14 reuniões, algumas de 14 e 16 horas, nas quais os técnicos do ministério emitiram frequentemente opiniões contraditórias sobre a interpretação correcta da lei.
6. Ainda em 13 e 17 de Setembro, o Ministério voltou a alterar as especificações.
Admito que a empresa pinte o quadro com cores demasiado sombrias. Mesmo assim, o retrato geral parece-me claro.
Se fossemos um país normal, se em vez de buscarmos culpados para expor à execreção pública procurássemos soluções práticas para os problemas, esta situação seria escalpelizada seriamente como um case-study que revela em todo o seu esplendor o que está errado na nossa administração pública (e também em muitas empresas privadas, acrescento eu).
Um dos mais frequentes sintomas da incompetência é a imposição de objectivos impossíveis de cumprir, desde logo no que respeita aos prazos propostos. Neste caso, tudo começa por uma lei tão mal concebida que é impossível pôr duas cabeças de acordo sobre o que ela quer dizer, e continua pela ausência de alguém que realmente assuma a responsabilidade pela condução do processo.
As causas são muitas e complexas. Podemos identificá-las e analisá-las pacientemente e alterar métodos de organização e de trabalho, ou podemos prosseguir a arruaça, certos de que, na primeira oportunidade, as mesmas causas voltarão a produzir os mesmos efeitos.
É nestas pequenas coisas que se comprova que o espírito da revolução científica ainda não passou por aqui.
«Eu bem disse» é uma coisa que nunca se deve dizer, mas eu vou dizê-la. Lendo os jornais de hoje (Público e DN, por exemplo) começamos a perceber o que de facto se passou. Eis um resumo retirado do DN:
1. O caderno de encargos do concurso falava de 70 mil candidatos, mas acabaram por ser 110 mil.
2. O Ministério apresentou 14 versões diferentes dos formulários de candidatura via electrónica.
3. A 26 de Março, o Ministério concluiu que não tinha capacidade para introduzir os dados no computador.
4. As regras interpretativas do diploma dos concursos foram sucessivamente alteradas. O primeiro documento, entregue a 12 de Abril, foi logo modificado a 19 e 29 do mesmo mês.
5. Após a publicação das primeiras listas provisórias, ocorreram 14 reuniões, algumas de 14 e 16 horas, nas quais os técnicos do ministério emitiram frequentemente opiniões contraditórias sobre a interpretação correcta da lei.
6. Ainda em 13 e 17 de Setembro, o Ministério voltou a alterar as especificações.
Admito que a empresa pinte o quadro com cores demasiado sombrias. Mesmo assim, o retrato geral parece-me claro.
Se fossemos um país normal, se em vez de buscarmos culpados para expor à execreção pública procurássemos soluções práticas para os problemas, esta situação seria escalpelizada seriamente como um case-study que revela em todo o seu esplendor o que está errado na nossa administração pública (e também em muitas empresas privadas, acrescento eu).
Um dos mais frequentes sintomas da incompetência é a imposição de objectivos impossíveis de cumprir, desde logo no que respeita aos prazos propostos. Neste caso, tudo começa por uma lei tão mal concebida que é impossível pôr duas cabeças de acordo sobre o que ela quer dizer, e continua pela ausência de alguém que realmente assuma a responsabilidade pela condução do processo.
As causas são muitas e complexas. Podemos identificá-las e analisá-las pacientemente e alterar métodos de organização e de trabalho, ou podemos prosseguir a arruaça, certos de que, na primeira oportunidade, as mesmas causas voltarão a produzir os mesmos efeitos.
É nestas pequenas coisas que se comprova que o espírito da revolução científica ainda não passou por aqui.
Há qualquer coisa no ar
Na sua coluna de hoje, Eduardo Prado Coelho arremete com invulgar ferocidade sobre o patético editorial de António José Saraiva do passado sábado.
Que estranho prenúncio será este? O que terá EPC adivinhado que eu ainda não vislumbrei? Que augúrio lhe chegou ao conhecimento, que leu ele nas folhas de chá, que cartas terá lançado para assim se atrever a enfrentar de peito aberto esse temível poder fáctico?
Que estranho prenúncio será este? O que terá EPC adivinhado que eu ainda não vislumbrei? Que augúrio lhe chegou ao conhecimento, que leu ele nas folhas de chá, que cartas terá lançado para assim se atrever a enfrentar de peito aberto esse temível poder fáctico?
Não os tenho no sítio
Preparava-me para escrever um post mauzinho - mesmo muito mauzinho - sobre o Derrida, quando fui surpreendido pela notícia do seu falecimento.
Já não me atrevi. Supersticioso respeito pelos mortos? Digamos antes que me faltou coragem para enfrentar o poderoso instinto necrófilo nacional que, nos dias que se seguem, inevitavelmente se curvará sobre a suposta grandeza do seu pensamento.
Já não me atrevi. Supersticioso respeito pelos mortos? Digamos antes que me faltou coragem para enfrentar o poderoso instinto necrófilo nacional que, nos dias que se seguem, inevitavelmente se curvará sobre a suposta grandeza do seu pensamento.
12.10.04
O seu a seu dono
Peço desculpa. Há dias referi-me ao gabinete de Santana Lopes como um governo de iniciativa presidencial.
Fiz confusão, evidentemente. Como o primeiro-ministro se tem esforçado por deixar claro nas suas últimas intervenções, é mais correcto falar-se antes de um Presidente de iniciativa governamental.
Fiz confusão, evidentemente. Como o primeiro-ministro se tem esforçado por deixar claro nas suas últimas intervenções, é mais correcto falar-se antes de um Presidente de iniciativa governamental.
«Não dêem importância ao ruído que anda à nossa volta»
A que ruído se referiria o PM?
Aos discretos mas elegantes óculos de leitura que ele ontem estreou para ler o discurso?
À foto da visita ao Papa estrategicamente colocada por detrás do cadeirão?
À foto com os os filhos, logo ao lado da primeira?
Não, não - não façam confusão - isso era a substância!
Aos discretos mas elegantes óculos de leitura que ele ontem estreou para ler o discurso?
À foto da visita ao Papa estrategicamente colocada por detrás do cadeirão?
À foto com os os filhos, logo ao lado da primeira?
Não, não - não façam confusão - isso era a substância!
8.10.04
A lumpen-política e a cisão iminente do PPD/ PSD
Ora aí está o que é. Não foram precisos dois meses para se tornar claro perante todos o que vale o governo de iniciativa presidencial do Dr. Santana Lopes.
Tirando o Dr. Jorge Sampaio, aliás, já toda a gente sabia do que a casa gasta. A gente contemplava o estranho caso do casino volante, meditava um pouco, e entendia o que estava ali em jogo. Não assim o Dr. Sampaio, que, como bom agnóstico, necessita de ver para crer.
A bem da verdade, não começou ontem a promiscuidade entre o poder político e o poder económico. Os sempre exaltados Descobrimentos de quinhentos, por exemplo, foram organizados segundo esse mesmo modelo. Esse é um dos problemas centrais que temos cá ma terra, e, se não começarmos resolvê-lo, dificilmente passaremos da cepa torta.
Que desconhecidas competências de executivos, que experiência de gestão possuem essas hordas de ex-ministros que os grupos económicos entre si disputam a peso de ouro? A sua oferta de valor é o tráfico de influências, a capacidade de afectar positivamente decisões de grande valor económico o seu core business.
Agora, o lumpen-capital encontrou o governo que de facto lhe convém. O resultado é a lumpen-política que, de tanto nos fazer rir, ainda vai acabar por fazer-nos pensar.
Vai uma grande confusão no governo da coligação PPD/ PSD/ CDS/ PP/ Lux/ Gigi/ Carlyle, porque o chefe se irritou com um programa de televisão e mandou um moço ministro fazer ameaças públicas. A televisão é um ponto sensível para o primeiro-ministro. Ele pode admitir não entender de economia, de música de Chopin, até de casinos - mas em matéria de televisão, não admite ceder a primazia a ninguém.
Diz o chefe do governo que os seus adversários têm que provar que ele quis coarctar a liberdade de expressão, que não basta fazerem insinuações. Como assim? Pois se o ministro foi suficientemente inábil ao ponto de fazer as ameaças em público, e se o primeiro-ministro veio a terreiro secundá-lo!
A política é uma aventura maravilhosa. As suas surpreendentes evoluções parecem saídas da imaginação do mais brilhante guionista. Há apenas uma semana, o Presidente da República era a imagem da impotência, agora tem de novo a faca e o queijo na mão.
Entregue a si mesmo, porém, é incapaz de fazer seja o que for. Mas talvez venha a ser empurrado por esta crescente revolta do PSD contra o PPD, desde há horas encabeçada pelo próprio Cavaco Silva que, como agora se confirma, sempre é um bom português.
De maneira que tudo isto ainda pode acabar em bem. Em primeiro lugar, com um pouco de jeitinho, Santana Lopes pode vir a ser afastado do poder a breve trecho. Em segundo lugar, está em curso uma cisão no PPD/ PSD, o partido herdeiro da União Nacional, um notável fenómeno político camiliano, o albergue espanhol de interesses que melhor representa a excepcionalidade portuguesa.
O futuro PSD será um partido muito melhor do que este que conhecemos: urbano, moderno, civilizado, sério, purgado de albertos joões e de empresários da treta. Mas é claro que, precisamente por isso, será um partido relativamente pequeno sem condições para disputar a maioria eleitoral.
Tirando o Dr. Jorge Sampaio, aliás, já toda a gente sabia do que a casa gasta. A gente contemplava o estranho caso do casino volante, meditava um pouco, e entendia o que estava ali em jogo. Não assim o Dr. Sampaio, que, como bom agnóstico, necessita de ver para crer.
A bem da verdade, não começou ontem a promiscuidade entre o poder político e o poder económico. Os sempre exaltados Descobrimentos de quinhentos, por exemplo, foram organizados segundo esse mesmo modelo. Esse é um dos problemas centrais que temos cá ma terra, e, se não começarmos resolvê-lo, dificilmente passaremos da cepa torta.
Que desconhecidas competências de executivos, que experiência de gestão possuem essas hordas de ex-ministros que os grupos económicos entre si disputam a peso de ouro? A sua oferta de valor é o tráfico de influências, a capacidade de afectar positivamente decisões de grande valor económico o seu core business.
Agora, o lumpen-capital encontrou o governo que de facto lhe convém. O resultado é a lumpen-política que, de tanto nos fazer rir, ainda vai acabar por fazer-nos pensar.
Vai uma grande confusão no governo da coligação PPD/ PSD/ CDS/ PP/ Lux/ Gigi/ Carlyle, porque o chefe se irritou com um programa de televisão e mandou um moço ministro fazer ameaças públicas. A televisão é um ponto sensível para o primeiro-ministro. Ele pode admitir não entender de economia, de música de Chopin, até de casinos - mas em matéria de televisão, não admite ceder a primazia a ninguém.
Diz o chefe do governo que os seus adversários têm que provar que ele quis coarctar a liberdade de expressão, que não basta fazerem insinuações. Como assim? Pois se o ministro foi suficientemente inábil ao ponto de fazer as ameaças em público, e se o primeiro-ministro veio a terreiro secundá-lo!
A política é uma aventura maravilhosa. As suas surpreendentes evoluções parecem saídas da imaginação do mais brilhante guionista. Há apenas uma semana, o Presidente da República era a imagem da impotência, agora tem de novo a faca e o queijo na mão.
Entregue a si mesmo, porém, é incapaz de fazer seja o que for. Mas talvez venha a ser empurrado por esta crescente revolta do PSD contra o PPD, desde há horas encabeçada pelo próprio Cavaco Silva que, como agora se confirma, sempre é um bom português.
De maneira que tudo isto ainda pode acabar em bem. Em primeiro lugar, com um pouco de jeitinho, Santana Lopes pode vir a ser afastado do poder a breve trecho. Em segundo lugar, está em curso uma cisão no PPD/ PSD, o partido herdeiro da União Nacional, um notável fenómeno político camiliano, o albergue espanhol de interesses que melhor representa a excepcionalidade portuguesa.
O futuro PSD será um partido muito melhor do que este que conhecemos: urbano, moderno, civilizado, sério, purgado de albertos joões e de empresários da treta. Mas é claro que, precisamente por isso, será um partido relativamente pequeno sem condições para disputar a maioria eleitoral.
7.10.04
6.10.04
Three Quarks for Muster Mark!
Para quase todos nós, pobres leigos ignorantes, a teoria da relatividade pouco mais é do que uma colecção de anedotas sobre astronautas que, ao regressarem à Terra, envelheceram menos do que nós, automóveis que diminuem de volume quando se aproximam da velocidade da luz e outras semelhantes. Quanto à mecânica quântica, entre gatos que estão e não estão dentro de uma caixa e partículas que se deslocam simultaneamente por todos os caminhos possíveis para percorrerem um determinado percurso, o panorama não é muito diferente.
Pior ainda, as coisas não cessam de complicar-se. Quando os físicos descobriram que, afinal, os átomos não eram as unidades básicas da matéria, dado que uns minúsculos electrões giravam velozmente em torno do núcleo, e que este, por sua vez, se decompunha em protões e neutrões, o abalo não foi grande. Ao fim ao cabo, os átomos assemelhavam-se a minúsculos sistemas planetários, imagem a que já estávamos familiarizados pelo menos desde Galileu. Em 1932 estávamos nesse ponto, mas o pior ainda estava para vir.
Afinal, os protões e os neutrões não são de facto partículas elementares. No último meio século apareceram mais de 30 partículas de vida média (mais que um centésimo de segundo) e 60 de vida curta, incluindo o fotão, o gravitrão, os bosões, os leptões (incluindo o electrão, o muão e os neutrinos) e os hadrões (que se subdividem em bariões e mesões). Ao que parece, porém, todas essas partículas são, por sua vez, formadas de quarks, dezoito ao todo, complementados por mais dezoito anti-quarks. E o que são, precisamente, os quarks?
Os quarks estão disponíveis em seis «sabores», designados: «em cima», «em baixo», «encantado», «estranho», «cima» ou «verdade» e «baixo» ou «beleza». Cada «sabor» apresenta três «cores»: vermelho, verde e azul. Todavia, estas descrições são enganadoramente claras; na verdade, os quarks não sabem a nada nem têm qualquer cor, e elas reflectem apenas a imaginação dos cientistas. Perceberam? Eu também não.
E os quarks existem mesmo? Como, até agora, ao que me dizem, foi impossível isolá-los, a prova só pode ser conseguida por meios indirectos. Mas, não sendo possível isolá-los, como podemos ter a certeza de que são de facto partículas elementares, ou seja, como sabemos que não podem ser, por sua vez, subdivididas em outras mais pequenas?
Há aqui um drama angustiante. A física nunca foi fácil de compreender, é claro, mas estava ao alcance do entendimento de uma pessoa razoavelmente culta. Hoje, porém, tirando os próprios especialistas, suspeito que poucos percebem do que eles tratam. Eu, por exemplo, apesar dos meus incansáveis esforços, confesso que cada vez compreendo menos.
Podemos entender as equações matemáticas em que essas teorias se encontram formuladas, mas não conseguimos encaixá-las na nossa percepção quotidiana das coisas. Abre-se assim um enorme fosso entre a ciência e os cidadãos, mesmo considerando apenas os mais cultos dentre eles.
Abner Shimony, um reputado epistemólogo, considera a ciência contemporânea uma espécie de «metafísica experimental», mas constata sombriamente que, no século XX, «a metafísica se tornou incompreensível».
Penso em tudo isto ao ler hoje a notícia da atribuição do Prémio Nobel da Física a três cientistas responsáveis, dizem os jornais, por uma descoberta contra-intuitiva: «quanto mais próximos estão os quarks, menos intensa é a força forte que os mantém unidos.» Definitivamente, nada disto parece fazer sentido. Saiam mais «three quarks for Muster Mark!»
O meu caso com a Turquia
Embora nunca tenha sido pessoalmente apresentado à Turquia, estou absolutamente seguro de que se trata de um país europeu.
Como é que eu sei? Porque os clubes turcos participam nas competições da UEFA. É só uma questão de senso comum. «Ah! - já estou a ouvir alguém dizer - mas os israelitas também participam!» Precisamente.
As nossas fronteiras são onde são, em virtude de factos ocorridos em tempos longínquos e em consequência de decisões de que já ninguém se lembra, não onde gostaríamos que fossem.
Já ouvi um importante político deste país, que aliás muito prezo, dizer que os turcos não podem entrar porque são um povo atrasadíssimo. Faz-me impressão este snobismo chauvinista de novos ricos. Há uma geração andávamos de socas e levávamos o carro de bois para todo o lado. Agora, lá porque tirámos um curso de Gestão Hoteleira e passamos férias no Nordeste Brasileiro, já achamos que somos uma grande coisa.
A UEFA não está enganada. Não só os turcos partilham connosco há longo tempo a história da Europa, como durante mil anos a nossa capital - sim, sim, tugas incluídos - foi lá. Este é o princípio da coisa. Outro problema bem diferente é saber quando a Turquia poderá entrar para a EU. Daqui a dez anos, vinte, nunca? Não sei, só sei que, por enquanto não preenchem as condições.
Não ignoro que a entrada da Turquia coloca dificuldades importantes. Por um lado, sou internacionalista e simpatizo com o abater das barreiras económicas, culturais e sociais entre os povos. Por outro lado, porém, sei que o alargamento a mata-cavalos dificulta o processo de integração política real na medida em que fortalece os poderes não eleitos, razão pela qual alguma direita adora a ideia.
Trata-se de um claríssimo conflito de valores que o tempo, espero eu, ajudará a resolver.
Como é que eu sei? Porque os clubes turcos participam nas competições da UEFA. É só uma questão de senso comum. «Ah! - já estou a ouvir alguém dizer - mas os israelitas também participam!» Precisamente.
As nossas fronteiras são onde são, em virtude de factos ocorridos em tempos longínquos e em consequência de decisões de que já ninguém se lembra, não onde gostaríamos que fossem.
Já ouvi um importante político deste país, que aliás muito prezo, dizer que os turcos não podem entrar porque são um povo atrasadíssimo. Faz-me impressão este snobismo chauvinista de novos ricos. Há uma geração andávamos de socas e levávamos o carro de bois para todo o lado. Agora, lá porque tirámos um curso de Gestão Hoteleira e passamos férias no Nordeste Brasileiro, já achamos que somos uma grande coisa.
A UEFA não está enganada. Não só os turcos partilham connosco há longo tempo a história da Europa, como durante mil anos a nossa capital - sim, sim, tugas incluídos - foi lá. Este é o princípio da coisa. Outro problema bem diferente é saber quando a Turquia poderá entrar para a EU. Daqui a dez anos, vinte, nunca? Não sei, só sei que, por enquanto não preenchem as condições.
Não ignoro que a entrada da Turquia coloca dificuldades importantes. Por um lado, sou internacionalista e simpatizo com o abater das barreiras económicas, culturais e sociais entre os povos. Por outro lado, porém, sei que o alargamento a mata-cavalos dificulta o processo de integração política real na medida em que fortalece os poderes não eleitos, razão pela qual alguma direita adora a ideia.
Trata-se de um claríssimo conflito de valores que o tempo, espero eu, ajudará a resolver.
Não podemos deixar o PIB ficar mal visto lá fora
Pondo temporariamente de parte não só as particulares circunstâncias que motivaram o Governo a conceder aos funcionários uma ponte nesta segunda feira, como a minha escassa simpatia por esta instituição nacional, apetece-me chamar a atenção para o modo irracional como este assunto costuma ser discutido.
O Diário de Notícias de hoje chama para título principal esta preciosidade: «Feriados e pontes custam por ano ao País 3% do PIB». Como é que eles sabem? Como é que chegaram a essa estimativa? Parece que um professor universitário fez as contas, mas o DN não teve a bondade de explicar.
Tenho notado que, tirando os funcionários públicos, são principalmente os comerciantes que aproveitam as pontes para deixar uma rapariga a tomar conta da loja e passar um fim de semana prolongado no Algarve. São hoje muitas raras as empresas que de facto fecham, e incluo aqui as empresas públicas. Portanto, por este lado, não vejo qualquer quebra da produção.
No que respeita ao funcionalismo público, o PIB só sofreria directamente se os seus vencimentos não fossem pagos, porque é através deles que é avaliada a sua contribuição para o produto. Como isso não aconteça, também por aqui pode a Nação sossegar.
Pode-se todavia argumentar que, quando os funcionários públicos não vão trabalhar, consome-se menos electricidade, água, telecomunicações, papel de fotocópias, papel higiénico, e por aí fora. É verdade que essa redução na procura pode reflectir-se negativamente na produção nacional, com a condição de que esses bens e serviços não sejam importados. Em contrapartida, porém, reduz-se a despesa pública, o que, como se sabe, é o grande desígnio nacional para o século XXI.
Se queremos reduzir o déficite deveríamos, por conseguinte, aumentar em vez de reduzir o número de pontes e esquecer a preocupação com o PIB.
Mas é claro que tudo isto não passa de uma tolice pegada. As pessoas que estas coisas pensam, escrevem ou reproduzem imaginam que o aumento do PIB é algo desejável independentemente das consequências que tenha sobre o bem-estar das pessoas.
Para serem coerentes, deveriam conceber outros títulos de primeira página do género:
«Intervalos para almoço custam por ano 15% do PIB»
«Hábito de ter filhos custa por ano 20% da riqueza do país»
«Mania de dormir todos os dias custa por ano 50% da riqueza do país»
Esta irritação com as pontes é especialmente deslocada porque em Portugal, é bem sabido, trabalha-se horas de mais, não de menos, precisamente porque a produtividade horária é muito baixa e só assim se consegue disfarçar um pouco.
Além disso, a opção pelo descanso em detrimento do trabalho não pode ser criticada em termos económicos.
A produtividade horária americana é mais baixa do que a da França. Porém, como os americanos preferem trabalhar mais horas, acabam por compensar desse modo a sua ineficiência relativa (quem já trabalhou com americanos sabe o que eu quero dizer). Mas trabalhar mais horas não é uma virtude, é uma escolha. O que é que é melhor: ter mais horas para dedicar à família, à cultura ou ao desporto, ou trabalhar mais tempo e poder trocar de carro com mais frequência?
A teoria económica não faz, nem pode fazer, qualquer juízo a esse respeito, porque não há nenhuma forma absoluta e objectiva de comparar preferências.
Podemos até especular que os americanos temem o lazer porque não saberiam o que fazer com ele. A este propósito, Nietzsche ironizou que o descanso dominical foi inventado pelos patrões para que os trabalhadores, esgotados pelo tédio do fim de semana, regressassem depois ao trabalho com entusiasmo redobrado.
O Diário de Notícias de hoje chama para título principal esta preciosidade: «Feriados e pontes custam por ano ao País 3% do PIB». Como é que eles sabem? Como é que chegaram a essa estimativa? Parece que um professor universitário fez as contas, mas o DN não teve a bondade de explicar.
Tenho notado que, tirando os funcionários públicos, são principalmente os comerciantes que aproveitam as pontes para deixar uma rapariga a tomar conta da loja e passar um fim de semana prolongado no Algarve. São hoje muitas raras as empresas que de facto fecham, e incluo aqui as empresas públicas. Portanto, por este lado, não vejo qualquer quebra da produção.
No que respeita ao funcionalismo público, o PIB só sofreria directamente se os seus vencimentos não fossem pagos, porque é através deles que é avaliada a sua contribuição para o produto. Como isso não aconteça, também por aqui pode a Nação sossegar.
Pode-se todavia argumentar que, quando os funcionários públicos não vão trabalhar, consome-se menos electricidade, água, telecomunicações, papel de fotocópias, papel higiénico, e por aí fora. É verdade que essa redução na procura pode reflectir-se negativamente na produção nacional, com a condição de que esses bens e serviços não sejam importados. Em contrapartida, porém, reduz-se a despesa pública, o que, como se sabe, é o grande desígnio nacional para o século XXI.
Se queremos reduzir o déficite deveríamos, por conseguinte, aumentar em vez de reduzir o número de pontes e esquecer a preocupação com o PIB.
Mas é claro que tudo isto não passa de uma tolice pegada. As pessoas que estas coisas pensam, escrevem ou reproduzem imaginam que o aumento do PIB é algo desejável independentemente das consequências que tenha sobre o bem-estar das pessoas.
Para serem coerentes, deveriam conceber outros títulos de primeira página do género:
«Intervalos para almoço custam por ano 15% do PIB»
«Hábito de ter filhos custa por ano 20% da riqueza do país»
«Mania de dormir todos os dias custa por ano 50% da riqueza do país»
Esta irritação com as pontes é especialmente deslocada porque em Portugal, é bem sabido, trabalha-se horas de mais, não de menos, precisamente porque a produtividade horária é muito baixa e só assim se consegue disfarçar um pouco.
Além disso, a opção pelo descanso em detrimento do trabalho não pode ser criticada em termos económicos.
A produtividade horária americana é mais baixa do que a da França. Porém, como os americanos preferem trabalhar mais horas, acabam por compensar desse modo a sua ineficiência relativa (quem já trabalhou com americanos sabe o que eu quero dizer). Mas trabalhar mais horas não é uma virtude, é uma escolha. O que é que é melhor: ter mais horas para dedicar à família, à cultura ou ao desporto, ou trabalhar mais tempo e poder trocar de carro com mais frequência?
A teoria económica não faz, nem pode fazer, qualquer juízo a esse respeito, porque não há nenhuma forma absoluta e objectiva de comparar preferências.
Podemos até especular que os americanos temem o lazer porque não saberiam o que fazer com ele. A este propósito, Nietzsche ironizou que o descanso dominical foi inventado pelos patrões para que os trabalhadores, esgotados pelo tédio do fim de semana, regressassem depois ao trabalho com entusiasmo redobrado.
5.10.04
Grande Silva!
Eu concordo que o Marcello deveria ser preso e obrigado a confessar quem lhe paga para debitar aquelas aleivosias contra um Homem Sério que só quer o Bem do Seu País.
E que, se o Procurador-Geral da República não tomar as medidas que se impõem para que isso aconteça, o Primeiro-Ministro deveria demitir-se em Sinal de Protesto contra o estado de degradação a que isto chegou e retirar-se para um convento.
E que, desse seu Exílio Forçado, deveria emitir uma fatwa contra esse tal Marcello, exortando os verdadeiros fiéis a porem termo à vida do verme.
E que, se o Procurador-Geral da República não tomar as medidas que se impõem para que isso aconteça, o Primeiro-Ministro deveria demitir-se em Sinal de Protesto contra o estado de degradação a que isto chegou e retirar-se para um convento.
E que, desse seu Exílio Forçado, deveria emitir uma fatwa contra esse tal Marcello, exortando os verdadeiros fiéis a porem termo à vida do verme.
2.10.04
Prometam-me que não dizem nada a ninguém
Ensinaram-me que um segredo é uma coisa que só se conta a uma pessoa de cada vez, mas, pelos vistos, essa regra está obsoleta.
Ora vejam. O Expresso de hoje titula na sua primeira página: «Pacto secreto Santana-Portas: PSD concorre sozinho em 2006 mas promete convidar CDS para o Governo».
Primeira perplexidade. Que grande segredo é este, que não foi possível mantê-lo por mais de três dias, dado que, acrescenta o artigo, o acordo teria tido lugar apenas na última quarta feira?
Segunda perplexidade. Ainda segundo o Expresso, a informação foi transmitida por «uma fonte próxima do 1º ministro». Logo, na perspectiva dessa fonte, um segredo pode agora ser divulgado num jornal sem que isso implique forçosamente quebra de confidencialidade.
Terceira perplexidade. O segredo transferiu-se, assim, do acordo para a fonte. Quem poderá ter sido o informador? O assessor de imprensa de um deles, evidentemente - mas de qual dos dois? Portas ou Santana?
Porque é esse, não o duvidemos, o verdadeiro segredo, o grande mistério deste estranho caso.
Raciocinemos. Ou a notícia é verdadeira, e o autor da fuga é Portas, porque só ele teria interesse que se soubesse; ou, mais provavelmente, a notícia é falsa, e o autor da ideia é Portas, pois só ele teria interesse em que fosse verdadeira. Por conseguinte, o segredo não é aquele que parece, mas outro bem diferente.
Agora, façam de conta que eu não disse nada, nem contem a ninguém: é suposto ser segredo.
Ora vejam. O Expresso de hoje titula na sua primeira página: «Pacto secreto Santana-Portas: PSD concorre sozinho em 2006 mas promete convidar CDS para o Governo».
Primeira perplexidade. Que grande segredo é este, que não foi possível mantê-lo por mais de três dias, dado que, acrescenta o artigo, o acordo teria tido lugar apenas na última quarta feira?
Segunda perplexidade. Ainda segundo o Expresso, a informação foi transmitida por «uma fonte próxima do 1º ministro». Logo, na perspectiva dessa fonte, um segredo pode agora ser divulgado num jornal sem que isso implique forçosamente quebra de confidencialidade.
Terceira perplexidade. O segredo transferiu-se, assim, do acordo para a fonte. Quem poderá ter sido o informador? O assessor de imprensa de um deles, evidentemente - mas de qual dos dois? Portas ou Santana?
Porque é esse, não o duvidemos, o verdadeiro segredo, o grande mistério deste estranho caso.
Raciocinemos. Ou a notícia é verdadeira, e o autor da fuga é Portas, porque só ele teria interesse que se soubesse; ou, mais provavelmente, a notícia é falsa, e o autor da ideia é Portas, pois só ele teria interesse em que fosse verdadeira. Por conseguinte, o segredo não é aquele que parece, mas outro bem diferente.
Agora, façam de conta que eu não disse nada, nem contem a ninguém: é suposto ser segredo.
«O mundo está melhor sem Saddam Hussein»
O mundo está melhor sem Saddam Hussein, como diz e repete George Bush e tanta gente parece disposta a aceitar? Esta sentença deixa de parecer tão evidente, creio eu, quando se reconhece que o mundo não é uma coisa distinta das pessoas que o habitam.
E como evoluíu a vida das pessoas desde que o Saddam foi derrubado?
Comecemos, se não se importam, pelo próprio Iraque. Aí, a vida está sem dúvida muito melhor para as pessoas politicamente empenhadas, que anteriormente eram perseguidas, presas, torturadas e mortas por dá cá aquela palha, assim como as suas famílias e os seus amigos.
Em relação aos iraquianos comuns, porém, as coisas são mais complicadas. Começaram por passar meses terríveis, sem abastecimento regular de água e electricidade nem escolas e hospitais em consequência da destruição sistemática das infra-estruturas do país. Além disso, a economia ficou completamente desorganizada e o desemprego cresceu em flecha, sem esquecer que os tesouros artísticos nacionais foram livremente pilhados durante algum tempo. Embora não disponha de informações precisas estou, no entanto, disposto a acreditar que tudo isso foi passageiro, e que a vida económica voltará em breve à normalidade.
Todavia, todos sabemos que o caos se instalou no quotidiano, e que a mortandade provocada pelo fogo cruzado dos aliados, primeiro, e dos terroristas, depois, atingiu já milhares de iraquianos, incluindo crianças, e continua a fazer vítimas inocentes todos os dias. Todos os iraquianos que cometem o crime de se alistarem no exército ou na polícia ou de trabalharem para empresas estrangeiras sem outra motivação que não seja a de ganhar a vida são, pelos vistos, considerados alvos legítimos pelos fanáticos que, desde a invasão, se instalaram no Iraque de armas e bagagens e que continuam a ganhar influência. É flagrante que está em curso uma espécie de guerra civil sem fim à vista, e que as suas principais vítimas são civis inocentes.
E a sociedade, tornou-se ela ao menos mais livre e democrática? Um amigo com família no Iraque conta-me que, fora de Bagdade, os costumes sociais regrediram rapidamente por pressão dos extremistas islâmicos, e que as mulheres, principalmente, perderam muitos dos seus direitos. As próximas eleições decorrerão num clima de terror que não permite nenhuma espécie de debate livre nem garantem que quem quiser votar possa fazê-lo. Rumsfeld reconheceu isso mesmo, mas sustentou que a realização de eleições democráticas não implica que toda a gente possa votar, talvez recordando que esse sistema já foi experimentado na Florida há quatro anos e deu muito bons resultados.
Por conseguinte, o menos que se pode dizer é que só alguém muito faccioso pode estar certo de que, para os iraquianos, a queda de Saddam foi uma coisa indiscutivelmente boa.
E o resto do mundo, estará melhor com a queda de Saddam? Aqui, a resposta parece-me mais fácil. A resposta é claramente não, e, dado o adiantado da hora, não me peçam sequer que gaste muito tempo a explicar como a invasão do Iraque potenciou o perigo do terrorismo e tornou o mundo mais perigoso. Só falta mesmo que se desencadeie uma crise económica mundial em larga escala em consequência da continuada subida dos preços do petróleo para que até o Bush concorde comigo.
Que podemos então concluir? Que é melhor deixar os tiranos tranquilos? Não, apenas que não se deve iniciar aventuras militares deste tipo quando não se está razoavelmente seguro de poder substituir uma ditadura por algo melhor. Os americanos, que, recorde-se, muitas vezes no passado impediram a democracia em países que a desejavam, optaram agora por impô-la a quem não se encontra, por variadas razões preparado para assumi-la.
E como evoluíu a vida das pessoas desde que o Saddam foi derrubado?
Comecemos, se não se importam, pelo próprio Iraque. Aí, a vida está sem dúvida muito melhor para as pessoas politicamente empenhadas, que anteriormente eram perseguidas, presas, torturadas e mortas por dá cá aquela palha, assim como as suas famílias e os seus amigos.
Em relação aos iraquianos comuns, porém, as coisas são mais complicadas. Começaram por passar meses terríveis, sem abastecimento regular de água e electricidade nem escolas e hospitais em consequência da destruição sistemática das infra-estruturas do país. Além disso, a economia ficou completamente desorganizada e o desemprego cresceu em flecha, sem esquecer que os tesouros artísticos nacionais foram livremente pilhados durante algum tempo. Embora não disponha de informações precisas estou, no entanto, disposto a acreditar que tudo isso foi passageiro, e que a vida económica voltará em breve à normalidade.
Todavia, todos sabemos que o caos se instalou no quotidiano, e que a mortandade provocada pelo fogo cruzado dos aliados, primeiro, e dos terroristas, depois, atingiu já milhares de iraquianos, incluindo crianças, e continua a fazer vítimas inocentes todos os dias. Todos os iraquianos que cometem o crime de se alistarem no exército ou na polícia ou de trabalharem para empresas estrangeiras sem outra motivação que não seja a de ganhar a vida são, pelos vistos, considerados alvos legítimos pelos fanáticos que, desde a invasão, se instalaram no Iraque de armas e bagagens e que continuam a ganhar influência. É flagrante que está em curso uma espécie de guerra civil sem fim à vista, e que as suas principais vítimas são civis inocentes.
E a sociedade, tornou-se ela ao menos mais livre e democrática? Um amigo com família no Iraque conta-me que, fora de Bagdade, os costumes sociais regrediram rapidamente por pressão dos extremistas islâmicos, e que as mulheres, principalmente, perderam muitos dos seus direitos. As próximas eleições decorrerão num clima de terror que não permite nenhuma espécie de debate livre nem garantem que quem quiser votar possa fazê-lo. Rumsfeld reconheceu isso mesmo, mas sustentou que a realização de eleições democráticas não implica que toda a gente possa votar, talvez recordando que esse sistema já foi experimentado na Florida há quatro anos e deu muito bons resultados.
Por conseguinte, o menos que se pode dizer é que só alguém muito faccioso pode estar certo de que, para os iraquianos, a queda de Saddam foi uma coisa indiscutivelmente boa.
E o resto do mundo, estará melhor com a queda de Saddam? Aqui, a resposta parece-me mais fácil. A resposta é claramente não, e, dado o adiantado da hora, não me peçam sequer que gaste muito tempo a explicar como a invasão do Iraque potenciou o perigo do terrorismo e tornou o mundo mais perigoso. Só falta mesmo que se desencadeie uma crise económica mundial em larga escala em consequência da continuada subida dos preços do petróleo para que até o Bush concorde comigo.
Que podemos então concluir? Que é melhor deixar os tiranos tranquilos? Não, apenas que não se deve iniciar aventuras militares deste tipo quando não se está razoavelmente seguro de poder substituir uma ditadura por algo melhor. Os americanos, que, recorde-se, muitas vezes no passado impediram a democracia em países que a desejavam, optaram agora por impô-la a quem não se encontra, por variadas razões preparado para assumi-la.
1.10.04
Deus morreu, o Porto também, e eu próprio não me sinto lá grande coisa
O confronto entre o criador e a sua criatura teria por força que terminar como terminou. Contra mitos não há argumentos.
Confesso que, quando o Pinto da Costa se lembrou de ir buscar o Mourinho, achei que era mais um daqueles exercícios de remexer no caixote do lixo do Benfica só para chatear, semelhante a outras más ideias do género da contratação do Panduru.
A pouco e pouco fui obrigado a engolir a minha ignorância. Mas foi só quando ouvi o Mourinho a comentar em directo na TVI o Portugal-Espanha no último Europeu que me apercebi o quanto o tipo percebe da poda. O Mourinho a dissertar sobre futebol é o equivalente ao Richard Feynman a explicar a electro-mecânica quântica.
Embora o Porto não seja nesta fase um adversário temível - já percebi que vou andar a dizer isto até ao final da época - a segurança com que o Chelsea venceu o jogo da passada 4ª feira foi pouco menos que pasmosa. Mais uma vez, errei quando o Mourinho partiu para Londres acompanhado pelo Ricardo Carvalho e o Paulo Ferreira. Admito que até verti uma lágrima ao ver esse brilhante trio enfiar-se num clube sem tradição nem espírito ganhador.
Pois bem, agora, depois de constatar como as qualidades que fazem uma equipa coesa e auto-confiante rapidamente migraram das Antas para Stamford Bridge - agora já não digo nada. Eu considerava o Capelli e o Cruyff os Maradonas dos treinadores. É altura de eles se chegarem para o lado e cederem ao Mourinho o seu lugar no meu panteão.
Confesso que, quando o Pinto da Costa se lembrou de ir buscar o Mourinho, achei que era mais um daqueles exercícios de remexer no caixote do lixo do Benfica só para chatear, semelhante a outras más ideias do género da contratação do Panduru.
A pouco e pouco fui obrigado a engolir a minha ignorância. Mas foi só quando ouvi o Mourinho a comentar em directo na TVI o Portugal-Espanha no último Europeu que me apercebi o quanto o tipo percebe da poda. O Mourinho a dissertar sobre futebol é o equivalente ao Richard Feynman a explicar a electro-mecânica quântica.
Embora o Porto não seja nesta fase um adversário temível - já percebi que vou andar a dizer isto até ao final da época - a segurança com que o Chelsea venceu o jogo da passada 4ª feira foi pouco menos que pasmosa. Mais uma vez, errei quando o Mourinho partiu para Londres acompanhado pelo Ricardo Carvalho e o Paulo Ferreira. Admito que até verti uma lágrima ao ver esse brilhante trio enfiar-se num clube sem tradição nem espírito ganhador.
Pois bem, agora, depois de constatar como as qualidades que fazem uma equipa coesa e auto-confiante rapidamente migraram das Antas para Stamford Bridge - agora já não digo nada. Eu considerava o Capelli e o Cruyff os Maradonas dos treinadores. É altura de eles se chegarem para o lado e cederem ao Mourinho o seu lugar no meu panteão.
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