Perguntou um aluno negro a uma professora minha amiga: «Ó setôra, porque é que eu hei-de estudar matemática se a minha vida vai ser trabalhar nas obras?»
Só há duas razões para se estudar qualquer coisa: ou porque se gosta, ou porque é preciso.
Os meus amigos economistas nunca mais precisaram de saber o que é um diferencial desde que acabaram o curso. Com os engenheiros é um bocadinho diferente, mas não muito: a grande maioria deles despediu-se do cálculo integral no dia em que fez o último exame.
A razão é que, em geral, os engenheiros não engenheiram, dado que no país há pouca coisa para engenheirar. Ocupam-se com qualquer coisa que é suposta exigir alguma vaga formação superior, o que na maioria dos casos significa gerir empresas, uma competência que na sua maioria não possuem.
Temos, em termos comparativos, poucos licenciados, poucos mestres e poucos doutores. Mas a verdade é que, ainda assim, salvo raras excepções (de que os médicos são o melhor exemplo), a oferta de trabalhadores qualificados excede a procura.
É por isso que abundam licenciados em gestão hoteleira a atender ao balcão e biólogos a vender apartamentos no Algarve.
Se estas pessoas souberem fazer trocos, terão conhecimentos de matemática mais do que suficientes para as funções que desempenham.
No passado, um curso superior não era tanto um certificado de habilitações como um bilhete de entrada para a classe dirigente, uma espécie de ritual de iniciação a que os meninos das boas famílias eram submetidos.
Era isso que os pobres viam e, por conseguinte, era nisso que acreditavam. Quando os seus filhos finalmente começaram a chegar ao ensino superior, essa lógica pôde finalmente impor-se de uma forma chocantemente transparente: «Dêem cá o canudo e deixem-se de coisas, porque é para isso que a gente paga».
Concluído o curso, abençoam os diplomas e queimam os livros, numa cerimónia que é talvez uma das mais tocantes alegorias do Portugal contemporâneo.
Que interesse tem então a matemática neste contexto? Nenhum, ou quase, não fossem as malditas comparações internacionais com que persistem em atazar-nos os miolos.
Sei que estou a exagerar, mas não muito. A lei de Say, segundo a qual a oferta cria a sua própria procura, só é válida ao nível macroeconómico. No plano micro, é ao contrário.
Vai daí, os rapazes e raparigas que queiram aplicar os seus conhecimentos de matemáticas superiores vão ter que criar as suas próprias empresas em vez de esperarem que alguém lhes dê emprego. O sistema de ensino superior, graduado e pós-graduado, deveria cuidar de promover o empreendedorismo, sem o que as qualificações que tão bons resultados produzem na Finlândia ou em Silicon Valley, de nada servirão entre nós.
Até lá, a matemática permanecerá um artigo de luxo, tal como, aliás, a literatura ou a liberdade. Está, portanto, em boa companhia.
29.4.05
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