24.5.05

Défice de entendimento

Para os economistas, a despesa pública é uma variável independente que pode ser manipulada a seu bel-prazer. Se há um problema de desequilíbrio das despesas públicas, corta-se a despesa pública, e pronto.

Não parece passar-lhes pela cabeça que a despesa pública é uma consequência de outros fenómenos económico-sociais. Por exemplo, se as pessoas se aglomerarem em cidades, é preciso investir em transportes públicos. Se a especulação imobiliária originar cidades disfuncionais, os transportes públicos vão ser menos eficientes e, logo, mais caros. Se as mães trabalharem fora de casa, terá que ser criada uma rede de ensino pré-escolar. Se, para tornar mais atraentes as empresas privatizadas, o Estado facilitar as pré-reformas, a factura das pensões vai aumentar. Se aumentar o número de trabalhadores imigrantes, as escolas vão ter mais dificuldade em educar crianças que nem sequer sabem falar português.

Dir-se-á que isso é verdade, mas que, para além disso, no Estado também há muito desperdício (e inclusive corrupção) e que, aí, haverá muita margem para reduzir despesas.

Sem dúvida que sim. Porém, na administração como em qualquer outro sistema de produção de bens ou serviços, a taxa de desperdício (de que a corrupção é uma parte) é um elemento intrínseco ao sistema. Isso não quer dizer que não possa ser reduzido. Quer apenas dizer que o problema não se resolve cortando nas despesas a torto e a direito, mas sim implantando métodos de trabalho mais eficazes e eficientes.

Aqui chegamos ao ponto crucial. Se nos limitarmos a cortar custos, a qualidade dos serviços baixará e os custos aumentarão. Se nos preocuparmos em melhorar a qualidade e a eficiência da administração pública, serão precisas menos pessoas para fazerem o mesmo trabalho e os custos terão forçosamente que baixar.

Em síntese, três conclusões:

a) Este problema não se resolve com «reformas estruturais» - uma ficção tão irrealista como o unicórnio - mas com pequenas reformas continuadas e persistentes.
b) Isto exige conhecimento específico das situações, demora muito tempo, dá muito trabalho e tem de ser feito no essencial pelos profissionais de cada ofício.
c) Os economistas não têm, de facto, a mínima ideia do que é e como se faz a reforma da administração pública.

1 comentário:

jj.amarante disse...

Tem-me surpreendido a apresentação da reforma administrativa como uma operação com princípio, meio e fim. A mim parece-me evidente que a reforma só pode ser uma actividade de melhoria contínua e fico perplexo com frases do género "há 30 anos que estamos à espera da reforma". A ideia será aplicar uma reforma agora e não mexer em nada durante os próximos 30 anos?