18.5.05

Uma revolução ignorada



Em 1967 eclodiu no Liceu Camões uma revolução nietzschista de que não rezam as crónicas.

Tudo começou quando o Rui, inspirado pela leitura do Zaratustra, apresentou na aula de Filosofia o seu novo Evangelho.

Proibido de pregar na aula, decidiu anunciar a boa nova no recreio. A horda de discípulos cresceu desde então de dia para dia, impedindo todas as tentativas de silenciar o Mestre.

Conquistado o direito à palavra, as massas decidiram passar aos actos. Não estavam em causa reivindicações sindicais mesquinhas. A única e exclusiva reivindicação era a própria liberdade.

Multidões entusiásticas quebraram uma após outra as inúmeras proibições vigentes, correndo em locais onde era proibido correr, subindo escadas por onde só era permitido descer ou descendo escadas por onde só era permitido subir, atravessando corredores reservados aos professores, libertando os submissos pescoços das gravatas de porte obrigatório e cometendo outras inocências do género.

As ameaças de faltas de castigo e suspensões revelaram-se impotentes para travar o movimento. Chegou a hora de o poder instituído enveredar pela via das cedências.

Foi permitido passar música dos Rolling Stones nos alti-falantes do recreio e um grupo de alunos recebeu finalmente permissão para realizar nas instalações do liceu uma exposição que incluía obras surrealistas e pintura abstracta.

O Rui era um tipo sem medo. Suponho que, por causa dele, muitos de nós se sentiram pela primeira vez envergonhados por viverem no medo, sem sequer saberem ao certo de que tinham medo. E, com isso, todos perdemos o medo.

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