10.7.07

De novo sobre a partidarização da administração pública



Vital Moreira acha "fácil" a crítica à partidarização da Administração Pública em que, segundo ele, a oposição tem insistido ultimamente.

Não notei que a oposição tenha dado particular atenção a esse problema, e estou certo de que levantá-lo está longe de ser fácil.

Discordo também da recusa a discuti-lo sob o pretexto de que também os partidos hoje fora do Governo trataram o Estado como coisa sua quando lá se apanharam. O que está mal está mal, seja quem for o autor da malfeitoria.

Acontece que, como muitas outras pessoas, Vital Moreira acha que é correcto mudarem-se todos os quadros de topo da administração pública, dos institutos públicos e das empresas públicas de cada vez que se constitui uma nova maioria.

Eu sei que nos EUA milhares e milhares de funcionários públicos rodam quando toma posse um novo Presidente, mas isso não significa que se trate de uma boa prática.

Considera Vital Moreira "perfeitamente lícito e natural que o factor da confiança política entre nos critérios de escolha". Discordo: não só não é lícito nem natural, como é péssimo para o bom funcionamento do aparelho de Estado.

Por que é que um Director Geral ou um Administrador de uma empresa pública terá que estar alinhado politicamente com o Governo? Tirando casos excepcionais - por exemplo, quando uma administração optar por políticas que repugnam à sua consciência de homem livre - nada impede que um Director Geral coopere na implementação das políticas definidas pelo Governo, seja ele qual for.

Um Director Geral deve chegar a esse posto pela capacidade revelada para desempenhar funções de administração, que é como quem diz pela sua capacidade técnica. O mesmo vale para gestores de Institutos ou Empresas Públicas.

Não é isso que hoje se passa. Qualquer pessoa que por razões profissionais entre em contacto com os nossos Hospitais sabe como é raro encontrar-se à frente deles um Administrador minimamente habilitado para a função. Como se isso não fosse suficientemente mau, a situação é agravada pela predisposição dos nomeados para fazerem jeitos aos membros da secção política ou do sindicato que se bateram para colocá-los no lugar que ocupam.

Saberá o público que, desde o acidente com a construção da estação do Terreiro do Paço o Metropolitano de Lisboa já teve quatro Presidentes, todos eles pessoas capazes e competentes? Que lucrou o país com essas mudanças? E como pedir responsabilidades por seja o que for se não há nenhuma lógica de boa gestão por detrás dessas decisões?

Sabe-se que, durante anos, a Bélgica e a Itália sobreviveram à instabilidade política porque um corpo competente e prestigiado de altos funcionários logrou manter a máquina estatal em funcionamento. Inversamente, entre nós a degradação da administração pública atingiu já um tal ponto que os governos, para funcionarem, têm que trazer consigo uma multidão de assessores para fazerem o trabalho à margem das estruturas existentes, paralizadas pela inépcia e pelo desejo de agradar aos senhores do momento.

Mas alguém acredita que uma organização pode ser bem gerida quando os seus máximos dirigentes só se mantêm no seu posto por um máximo de quatro anos?

Uma das muitas boas ideias de Guterres foi a instituição do concurso público como exigência para o provimento dos lugares de Director Geral. Parece que a coisa funcionou mal porque os concursos eram excessivamente complicados e lentos. Em vez de se melhorar o sistema, porém, optou-se por revogá-lo, para grande satisfação dos irresponsáveis que entre nós controlam a opinião publicada, de modo que nos encontramos hoje em regime de total arbítrio.

Felizmente, há alguns bons exemplos. O actual Presidente da TAP já sobreviveu a quatro primeiro-ministros. A Administração da RTP nomeada pelo Governo de Durão Barroso mantém-se também em funções. Sabe-se que, num caso e noutro, houve grandes pressões para que fosse adoptado outro rumo, mas, felizmente, o bom senso prevaleceu.

Como se vê, não só a despartidarização da administração pública não é um tema nada simples, como se trata de uma das poucas questões politicas verdadeiramente decisivas com que o país se confronta. Infelizmente, não parece haver nenhum partido político disponível para empenhar-se seriamente na sua resolução.

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