17.11.08

O Daniel Oliveira acha gira a palavra populismo

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O Daniel Oliveira acha gira a palavra populismo, daí provavelmente o usá-la com uma certa liberalidade.

Mas o que significa ela ao certo? Ora, significa tudo aquilo de que o Daniel não gosta, por exemplo: o Sócrates, o Sócrates e o Sócrates.

E por quê essa implicação muito particular com o Sócrates? Porque:

1. O Sócrates é teimoso e autoritário

2. O Sócrates não negoceia.

3. O Sócrates não cede às pressões da rua.

O Salazar também era teimoso e autoritário, não negociava nem cedia às pressões da rua. Seria ele um populista? Ora vejamos.

Sócrates é populista, segundo Daniel, porque apela ao ressentimento para conquistar popularidade e ganhar eleições. Depois, em nome da autoridade assente no voto, recusa-se a ceder a outros poderes, seja qual for a sua capacidade de mobilização popular. O povo - na opinião do Daniel - gosta de autoridade, logo Sócrates é culpado de populismo.

O Daniel Oliveira é livre de pensar o que quiser sobre o Sócrates e o seu governo, mas não tem o direito de manipular a terminologia política a seu bel-prazer.

O mundo já conheceu muitas modalidades de populismo, mas o que é comum a todas elas é a exaltação do sentimento popular como fundamento último da acção política. Dito por outras palavras, para o populista, o povo é um critério de verdade - ou melhor, o critério supremo de verdade.

Ora, para começar, a política democrática não é uma forma de estabelecer a verdade, mas de produzir legitimidade governativa. Não ganha eleições quem tem razão, antes quem tem a maioria a seu favor em dado momento. Mobilizar grandes manifestações ainda menos prova a razão de uma causa, apenas que muita gente a apoia.

Por que é que a democracia representativa atribui maior peso às eleições do que às manifestações na escolha dos governantes e das políticas? E por que é que a legitimidade resultante de uma eleição parlamentar é superior à de uma mobilização sindical, por muito mais grandiosa que ele saja? Quererá o Daniel meditar um pouco sobre isso? É que eu não quero fazer-lhe a ofensa de tentar explicar-lhe.

E estará ele, em seguida, disponível para entender que a ameaça que o populismo de direita (ex: Portas, o Paulo) ou de esquerda (ex: Portas, o Miguel) hoje representa para a democracia liberal resulta, entre outros factores, do modo como diariamente os demagogos de todo o género atiçam os descontentes contra "a política" e "os políticos"?

Quer o Daniel que eu lhe mostre um populista exemplar? Recomendo-lhe, por exemplo, o Manuel Alegre, um sujeito sempre à cata de uma qualquer manifestação, greve ou protesto que possa cavalgar, independentemente das razões que assistam aos descontentes, e que toma posição a favor ou contra qualquer proposta, por mais complexa que ela possa ser, apenas e só em função da reverência religiosa que ele alimenta pelo Povo.

Foi assim no caso da co-incineração dos resíduos perigosos (lembram-se? foi só há dois anos) e do encerramento das maternidades e urgências sem condições de funcionamento (nunca mais houve acidentes desde que o ministro mudou). Por que haveria de ser diferente com as manifestações dos professores? O que é que isto vos diz sobre a substância política do personagem?

Não, Daniel, populismo não é só uma palavra gira.
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