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Apesar das bizarras circunstâncias em que ocorreram, ninguém duvida
que as legislativas de 2011 decorreram no respeito pela legalidade. Isto
aqui não é a Venezuela, tampouco a Florida em 2004.
Vai daí,
Passos Coelho deduz que não pode ser questionada a legitimidade do seu
governo para fazer o que lhe der na real gana. Não espanta que o
Primeiro-ministro ignore a diferença entre legalidade e legitimidade;
porém, a avaliar pelo que por aí se escreve, dir-se-ia que o
desconhecimento é generalizado.
Já se sabe que o calcanhar de
Aquiles da democracia representativa é a latitude teoricamente
vastíssima de que os governantes dispõem para interpretar o seu mandato.
Um representante não é, nem pode ser, um mero “comissário” (bela
expressão inventada em 1917 por Trotsky num momento de singular
inspiração), antes beneficia de considerável e indispensável autonomia
no desempenho das suas funções políticas.
Terá essa autonomia
limites? Quem se der ao trabalho de ouvir os primeiros cinco minutos do
debate televisivo que em 2011 opôs Passos Coelho a Sócrates sentir-se-á
pelo menos inclinado a achar que sim, tal o contraste entre o que na
altura jurou e o que pouco depois se decidiu a fazer.
Contra isto
argumentam muitos que os políticos sempre prometem coisas que sabem ser
impossíveis, e que, por conseguinte, tudo isto deverá de algum modo ser
considerado normal. Mas eu desafio qualquer um a mostrar-me que alguma
vez se tenha visto, em Portugal ou em qualquer outra democracia que se
respeite, algo que sequer se aproxime desta total, sistemática e – pior
ainda – crescente divergência da acção governativa em relação às ideias e
ao programa anunciados antes e durante a campanha eleitoral.
E é
aqui que surge o problema da legitimidade como algo bem distinto da mera
legalidade. Num certo sentido, a legitimidade está muito para além da
legalidade, na medida em que é o seu sustentáculo derradeiro.
Nas
palavras de Max Weber, a legitimidade é “a razão profunda pela qual, em
qualquer sociedade estável e organizada, há governantes e governados, e
por que a relação entre uns e outros se estabelece como uma relação
entre o direito, por parte de uns, de governar, e o dever, por parte dos
outros, de obedecer.”
Ora a legitimidade assenta, já Locke o
afirmava, no consentimento dos governados, por sua vez dependente da
convicção de que quem exerce o poder o faz no entendimento, mesmo que
discutível, de que se esforça o mais que pode e sabe por garantir o
bem-estar colectivo.
Mas haverá, nos dias que correm, alguém
minimamente atento ao que se diz nos mais variados círculos da sociedade
portuguesa que ainda conserve a ilusão de que essa convicção, esse
consentimento e, logo, essa legitimidade subsistem?
Quem sabe se o esclarecimento definitivo desta dúvida não chegará já no dia 2 de Março?
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28.2.13
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