12.12.03

Encalhado no tempo


Manuscrito de Proust

Genet dizia que o local mais indicado para ler Proust é a prisão ou o hospital.

Como não fui constituido arguido em nenhum processo judicial nem consegui aquela baixa psiquiátrica a que indiscutivelmente tinha direito, tive mesmo que rebaixar-me a conviver com a Recherche apenas nos meus tempos livres.

Não sou, por conseguinte, um leitor sério, apenas um pobre amador que se esforça por ocultar a sua incompetência essencial para desempenhar a contento esta tarefa.

Nessas condições, arrastei-me penosamente durante os últimos quatro anos ao longo das quase cinco mil páginas do enorme tijolo de papel. Sim, porque ler Proust é, antes de mais, uma proeza atlética que põe à prova a nossa capacidade de resistência intelectual, mas também física e anímica. De vez em quando contraem-se lesões de esforço que nos impedem de prosseguir a caminhada por uns tempos.

Andando, andando, há um mês atrás notei que finalmente me encontrava apenas a 25 páginas de concluir o livro.

Foi então que sucedeu uma coisa estranhíssima: seja por isto ou por aquilo, nunca mais consegui avançar uma página.

Mergulhei na biografia do Proust escrita pelo Edmund White (uma maravilha de concisão e precisão), reli o How Proust Can Change Your Life do Alain de Botton, voltei a passar os olhos pela Pomba Ensanguentada do Pietro Citati... mas quanto voltar a pegar na Recherche, isso é que nada.

O que se passa? Alguém é capaz de me explicar?

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